Ponte sobre o leito seco do Rio Peruaçu: reflexo de degradação que começa nas veredas exauridas -  (crédito: Solon Queiroz/Esp EM)

Ponte sobre o leito seco do Rio Peruaçu: reflexo de degradação que começa nas veredas exauridas

crédito: Solon Queiroz/Esp EM


Januária, Cônego Marinho e Itacarambi – As consequências da morte de veredas pelo sertão romanceado por Guimarães Rosa aparecem nitidamente na degradação do Rio Peruaçu. Afluente do São Francisco, o manancial é originalmente formado e alimentado por uma grande quantidade de veredas no Parque Estadual Veredas do Peruaçu e na Área de Preservação Ambiental (APA) Cavernas do Peruaçu, entre os municípios de Januária, Cônego Marinho e Itacarambi, no Norte de Minas. Por isso, era costume se manter caudaloso o ano inteiro.

 


No entanto, o Rio Peruaçu só tem água mesmo em um trecho de aproximadamente cinco quilômetros, na vereda do mesmo nome, perto de onde recebe água dos córregos Forquilha e Almesca. Fora isso, só tem água corrente em outro pequeno percurso, ao atravessar o trecho de grutas e sítios arqueológicos do Vale do Peruaçu, onde o clima é mais fresco.

 


“Em 2005, estiveram aqui uns pesquisadores da França e da Bélgica, que disseram que, pelos estudos deles, a partir daquele ano, dentro de 25 anos o Rio Peruaçu iria secar completamente. Mas o secamento ocorreu muito antes, entre 2015 e 2016. Com o passar do tempo, as veredas foram secando e deixando de abastecer o Peruaçu”, relata o gestor do Parque Estadual Veredas do Peruaçu, João Roberto de Oliveira Barbosa, do Instituto Estadual de Florestas (IEF).

 

 


Morador da comunidade de Araçá, no município de Januária, Sebastião Alves Moreno, de 59 anos, recorda que até o ano de 2010, o Rio Peruaçu corria limpo e cheio ao lado de seu bar no local. Hoje, o leito está completamente seco e só corre mesmo na época das chuvas – “com água de enxurrada”, assinala Sebastião, que fechou o bar por falta de clientes.


“O Peruaçu corria cheio, com muito peixe. Aqui onde estamos era um ponto turístico, onde o pessoal tomava banho em águas cristalinas”, relata o morador, enquanto caminha pelo leito completamente árido. “No meu ponto de vista, foi o desmatamento desordenado que foi assoreando o rio. O pessoal 'gradeava' as terras para plantio e patrolava estradas perto do rio. Com isso, durante a chuva, a enxurrada carregava a areia e foi assoreando o leito. Os incêndios também mataram as árvores nativas da região que mantinham as nascentes”, opina Sebastião.


“Para que o Rio Peruaçu possa voltar a correr é preciso, a longo prazo, fazer o reflorestamento das suas margens. Também é preciso construir barragens de contenção de água da chuva para alimentar as veredas, a fim de que possam brotar as árvores que existiam na região”, entende o morador.

 

Assoreamento no Pantanal Mineiro

 


O Rio Pandeiros é outro afluente do Rio São Francisco que sofre com a devastação das veredas e o impacto da atividade agropecuária na região de Chapada Gaúcha. “O Rio Pandeiros sofre com um conjunto de impactos. A área de recarga está numa área onde o agronegócio avançou bastante. Então, há ali uma disputa com a agricultura que consome a água na região de recarga e impacta os afluentes e o próprio leito principal. Outro aspecto é que a ocupação humana tem acelerado os processos erosivos na região, por conta dos desmates e estradas. Há também queimadas e o pisoteio pelo gado”, descreve o ambientalista Eduardo Gomes .


A bióloga Débora Guimarães Takaki salienta que a erosão provoca voçorocas, que, por sua vez, aceleram o assoreamento do Rio Pandeiros e atingem o chamado “Pantanal Mineiro”, berçário de peixes do Velho Chico. “A situação do Rio Pandeiros merece destaque por suas nascentes estarem em áreas de veredas com altos índices de voçorocas. Isso leva ao despejo de grandes quantidades de sedimentos no leito do rio e ao longo do seu percurso, e vem entupindo o pântano mineiro, próximo à sua foz junto ao Rio São Francisco”, afirma.

 


“A área tem importante função ecológica na reprodução dos peixes do médio São Francisco, bem como serve de pouso para aves migratórias e, devido a essa característica, é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral, denominada Refúgio de Vida Silvestre do Rio Pandeiros. Contudo, esse patrimônio natural se encontra altamente comprometido pelo assoreamento”, alerta a especialista.


O Estado de Minas publica desde o último domingo a série “Veredas mortas”, que toma emprestado o título inicialmente proposto por Guimarães Rosa para sua obra-prima, depois batizada “Grande sertão: veredas”. A íntegra das reportagens, galerias de fotos e vídeos pode ser consultada na internet, pelo em.com.br.