Ana Paula e Said viram a casa que construíram juntos ser consumida pelas chamas causadas pelo tombamento de uma caminhão-tanque da empresa JBretas
       -  (crédito:  Edesio Ferreira/EM/D.A Press)

Ana Paula e Said viram a casa que construíram juntos ser consumida pelas chamas causadas pelo tombamento de uma caminhão-tanque da empresa JBretas

crédito: Edesio Ferreira/EM/D.A Press

As famílias que tiveram suas casas destruídas durante um incêndio às margens do Anel Rodoviário, no Bairro Goiânia, na Região Noroeste de Belo Horizonte, no início de março deste ano, lutam para se reerguer das cinzas deixadas pela tragédia. Quatro meses depois que um caminhão-tanque da empresa JBretas tombou e espanhol entre 15 mil e 16 mil litros de combustíveis pelas vias, ateando uma linha do fogo que percorreu três quilômetros, quem teve seu lar consumido pelo fogo ainda não pode voltar para casa por atrasos ou problemas na reforma.

 

Said Lúcio Santos e Ana Paula Garcia têm dois filhos. O imóvel de Said e Ana Paula foi totalmente consumido pelas chamas. Televisão, camas, computadores, sofás e até mesmo placas solares foram perdidos. Desde o acidente, eles estavam morando em um quarto de um hotel no Bairro Prado, na Região Oeste da capital, embora, logo após a ocorrência, a empresa tenha afirmado que iria alugar um imóvel para os atingidos.

 

Apesar dos incômodos de viver os quatro em um espaço, originalmente destinado para duas pessoas conforme exposto pelos próprios funcionários do local, a família ainda tinha algum lugar para ficar. No entanto, a situação mudou em 5 de julho, quando receberam uma notificação da JBretas informando que a hospedagem seria mantida até o dia 12 do mesmo mês, uma vez que a reforma do imóvel estaria completa seis dias antes, o que não ocorreu.

 

 

“Houve a promessa de alugar uma casa perto da escola dos meus filhos, que fica no Bairro Santa Inês. A gente achava um imóvel e comunicava a eles [JBretas], mas sempre dava algum problema. Eles sempre deixavam de entregar alguma documentação para a imobiliária. Nunca chegamos a sair do hotel. A partir do dia 15 de maio, comecei a visitar a obra. Foi quando percebi vários problemas”, conta Said.

 

De acordo com o empresário, os problemas são muitos: a laje trincou perto dos quartos, há infiltração em vários pontos e rachaduras no teto e paredes. Além disso, o homem conta que muitos canos queimados foram reaproveitados. “Moro ali há mais de dez anos, e nunca aconteceu problema de infiltração. Nossa cachorra, uma Golden, está ficando no petshop desde então. Pagaram a estadia até abril. A partir de maio, assumi a despesa. Estou gastando R$ 1.680 por mês, além de despesas com alimentação e combustível para levar meus filhos para a escola”, relata.

 

Em 12 de maio, uma liminar da 3ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte determinou que a JBretas alugue um imóvel para a família até que a reforma seja concluída. Conforme a decisão do juiz Ronaldo Batista de Almeida, a empresa tem cinco dias úteis para cumprir as exigências, sob pena de multa diária de R$ 500. No entanto, o prazo foi encerrado na última sexta-feira (19/7), e a família não possui lugar para ficar.

 

“Minha situação é um pouco delicada. Fomos despejados do hotel. Estou vendo se consigo arrumar um Airbnb para minha esposa e eu ficarmos. Meus filhos estão na casa da minha sogra, porque eles entraram de férias”, desabafa Said.

 

Procurado pela reportagem, Felipe Bretas, dono da JBretas, afirmou que as obras dos imóveis já foram finalizadas. “Está tudo pronto. É um abuso o que o Said está fazendo. A esposa dele chegou a falar com o engenheiro que ia jogar um martelete no acabamento todo que a gente estava fazendo para destruir e refazer. Eles [o casal] fizeram um gato de água que fez vazamento no imóvel todo. Paguei até hotel de cachorro para ele, além de hotel para família, lavanderia e transporte. Paguei mais de R$ 50 mil de hotel pra ele. Dei assistência a todos. Ninguém pode falar nada de mim. Tenho vergonha do que aconteceu. Choro até hoje”, disse.

 

Desafios

 

Na época do acidente, ao Estado de Minas, Ana Paula e Said descreveram o momento de desespero enquanto aguardavam ansiosamente pelo resgate do Corpo de Bombeiros. Com o caminho bloqueado pelo incêndio que avançava rapidamente, o casal e os filhos, de 6 e 13 anos, se viram encurralados, forçados a buscar refúgio dentro do banheiro. "Ficamos ali, agarrados uns aos outros, rezando para que a água não acabasse e a janela não cedesse sob o calor intenso", relembram.

 

Em visita à casa devastada, na esquina da MG-5, antiga MGC-262, a reportagem testemunhou o cenário angustiante diante dos escombros carbonizados. O quarto das crianças estava irreconhecível, com brinquedos carbonizados e derretidos, um lembrete sombrio da violência do fogo. O teto, antes branco, agora se tingia de negro pela fuligem que se impregnara em cada superfície, e ainda pairava no ar o persistente cheiro de fumaça.

 

Sobre as acusações feitas pelo responsável pelo caminhão-tanque que tombou e incendiou as casas, Said alegou que nunca fez ligações irregulares de água e que sua esposa nunca chegou a encontrar com o responsável pela obra, uma vez que o engenheiro nunca teria ido até lá.

 

“Tenho todas as minhas contas de água para provar que nunca tive nenhuma irregularidade. Essas ligações irregulares... Se eu tivesse, não pagaria R$ 200 de conta todo mês. Essas alegações são 100% mentira. Estamos solicitando o engenheiro desde abril, mas ele nunca foi à obra. Solicitamos a ida dele para mostrar que tinha problema estrutural, e nunca foi”, disse Said.

 

O casal ainda conta que desde que os dois foram levados para o hotel, passaram por situações desagradáveis. “Éramos olhados dentro do hotel como se nós tivéssemos ateado fogo nas casas. Me senti humilhada ali dentro. Quando disseram que teríamos que sair dos quartos, mesmo com nossa casa ainda sem ficar pronta, eu disse que qualquer coisa pagaria a diária, mas um funcionário me falou que era proibido ter quatro pessoas em um quarto. Mas quando a empresa deles estava pagando não era proibido”, desabafou a mulher.

 

Relembre o acidente

 

Na madrugada de 14 de março, por volta das 2h25, um caminhão-tanque tombou, pegou fogo e incendiou casas e carros às margens do Anel Rodoviário, no Bairro Goiânia. O motorista, de 58 anos, morreu carbonizado no local do acidente.

 

Com o impacto da queda, o tanque foi danificado, e a carga de combustível vazou, escorreu e criou uma ‘rua de fogo’, levando as chamas por três quarteirões. Oito residências e dez veículos foram atingidos. Famílias saíram às pressas de casa, e pelo menos nove pessoas — quatro homens, três mulheres e duas crianças — tiveram lesões como queimaduras ou pequenos traumas na tentativa de se salvarem.

 

De acordo com informações, o caminhão-tanque saiu de Betim, na Grande BH, com destino a Sabará. Ele seguia na BR-381, e, ao virar à direita para entrar na MG-5, antiga MGC-262, o veículo tombou e pegou fogo. A tragédia pegou os moradores de surpresa, já que a maioria estava dormindo.