Busca por veredas cruzou destinos como o de Margarida Lopes de Sena, em Bonito de Minas  -  (crédito: Solon Queiroz/Esp EM)

Busca por veredas cruzou destinos como o de Margarida Lopes de Sena, em Bonito de Minas

crédito: Solon Queiroz/Esp EM

Noroeste e Norte de Minas Gerais, Trijunção Minas, Bahia e Goiás – Para a produção da série “Veredas mortas”, que retrata a degradação no sertão romanceado pelo escritor João Guimarães Rosa, as equipes de reportagem do Estado de Minas contaram com itens de tecnologia, mas ela nem sempre se mostrou suficiente e, em muitos casos, acabou substituída pela singela sabedoria ou pela hospitalidade do sertanejo.


Ao longo da jornada de 12 dias pelos caminhos do sertão, além do contratempo de um pneu furado e caminhos que continuamente testavam a mecânica dos veículos e a habilidade de motoristas, a navegação com ajuda de aplicativos e GPS de campo era constantemente desafiada pela intrincada rede de estradas rurais não mapeadas. Foi assim que direções terminaram indicadas pelos raros sertanejos encontrados pastoreando ou no caminho da roça, testemunham os repórteres.

 

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O compasso das incursões também precisava de margem de cálculo de luz do dia, como forma de segurança para que os avanços em áreas de mata ocorressem com a luz solar, sem contar que fotografia e filmagem careciam dessa luminosidade, explicam os jornalistas. Foram usados na produção da série três drones, que também ofereceram desafios para captar imagens em terrenos com muitos obstáculos. Sem falar que, em pleno voo, os aparelhos se tornavam alvos de araras, maritacas e outros pássaros inconformados com o invasor metálico.

 


No meio do caminho tinha uma porteira


Por vezes, o caminho das apurações se encerrava em uma porteira fechada à força de cadeado e corrente. A opção era seguir a pé por alguns quilômetros. “Ter o sertão de Guimarães Rosa na cabeça, o diário dele de 'A Boiada' e 'Grande sertão: veredas' frescos na memória, ajudou muito mais do que se toma por óbvio. Muitas vezes, mesmo não chegando aonde se pretendia para entrevistar um sertanejo ou encontrar um ponto, o improviso nos revelava outros aspectos da obra de Rosa e levava a descobrir outros personagens”, destaca o repórter Mateus Parreiras, que participou da cobertura.


Obstáculos e planejamentos para produção da série foram desafiadores também no Norte de Minas, terra do experiente repórter Luiz Ribeiro, ele próprio uma testemunha da degradação do sertão. “Nasci na zona rural, no município de Francisco Sá. Na infância, minha maior alegria era tomar banho no Rio Caititu, afluente do Verde Grande. O tempo passou, e eu, já crescido, vi o Caititu minguar, intermitente, correndo somente num curto período de chuvas. Centenas de outros cursos do Norte de Minas tiveram o mesmo destino devido ao desmatamento, carvoejamento e substituição da mata nativa pela monocultura do eucalipto nas áreas de recarga. É o mesmo flagelo que se abate sobre as veredas”, testemunha.

 

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O roteiro pela Região Norte incluiu veredas nas áreas de preservação ambiental do Peruaçu, Gibão e do Rio Pandeiros e no Parque Estadual Veredas do Peruaçu, entre os municípios de Januária, Cônego Marinho, Bonito de Minas e Chapada Gaúcha, no Norte do estado. “Tivemos a felicidade de contar com os guias que foram os grandes parceiros da nossa imersão nas veredas”, afirma Ribeiro.
Um deles foi o analista ambiental Alter Felder Martins da Fonseca, que conduziu a equipe por mais de 200 quilômetros nas estradas de terra na região da APA Pandeiros, no município de Bonito de Minas. “Sem a ajuda de Alter Felder, gerente da APA Pandeiros e da APA Gibão, jamais conseguiríamos chegar aonde fomos e documentar as veredas nos lugares mais isolados da região”, conta Ribeiro.


No meio do mato, sem restaurante ou sequer venda por perto, às vezes foi preciso improvisar. “Uma moradora da localidade de 'Areiao', na beira do Rio Peruaçu, por exemplo, de fonte e entrevistada passou a cozinheira e topou fazer um frango caipira para o trio visitante, cobrando um valor que acabou sendo simbólico, pela qualidade da comida típica”, lembra Ribeiro.

 
Um guia para o desafiador mundo de Guimarães Rosa

 

Uma das obras que ajudaram a equipe de reportagem do Estado de Minas ao buscar pistas deixadas por Guimarães Rosa para identificar a geografia do sertão foi “Itinerário de Riobaldo Tatarana: Geografia e toponímia no Grande sertão: veredas” (2007). Uma pesquisa geográfica, literária e biográfica do escritor Alan Viggiano, que desvenda os rumos de Riobaldo, o narrador e personagem principal da obra.
A pesquisa faz referências e cruza dados para localizar e mapear os topônimos – nomes de lugares, mananciais, acidentes geográficos, cidades, vilas, entre outros. Foram cerca de quatro anos para completar a pesquisa e publicar o livro.

 

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Alan Viggiano reforça a ideia de que Guimarães Rosa tinha pesquisa profunda com fontes confiáveis, realizando um trabalho parecido com o de um repórter ou investigador para escolher o cenário da sua trama literária. Ele tenta provar, com a localização dos topônimos, que não tem fundamento a teoria de muitos críticos, de que Rosa inventou nomes de lugares por onde Riobaldo passava. O trabalho aponta locais exatos e também referentes reais no sertão em Minas, Bahia e Goiás que foram cuidadosamente selecionados para compor o romance.


Ao todo, Viggiano aponta ter estudado 230 lugares citados, dos quais conseguiu localizar 180. Entre eles, 28 rios e 19 cidades, sem contar afluentes, distritos ou áreas municipais onde a obra se desenrola. Locais como o “Guararavacã do Guaicuí” (Barra do Guaicuí); “Barra do Batistério” (Pirapora); “Barra do Rio-de-Janeiro” (Três Marias); “Vereda do Tamanduá-tão” (Lagoa Grande); “Rio Suaçupara” (Rio Sussuapara); “Quem-quem” (Janaúba); e “Tremedal” (Monte Azul), entre dezenas de outros integrantes de uma paisagem que seguirá desafiando gerações, embora venha sendo apagada do mapa pela ação do “homem humano”, para, ainda uma vez, usar as palavras de Rosa.


O Estado de Minas publicou, desde 14 de julho de 2024, a série “Veredas mortas”, inspirada no título inicialmente proposto por Guimarães Rosa para sua obra-prima, depois batizada “Grande sertão: veredas”. A íntegra das reportagens, galerias de fotos e vídeos pode ser consultada na internet, pelo em.com.br.