Mateus Parreiras e Luiz Ribeiro
A devastação criminosa sobre o cerrado e as veredas que abastecem a bacia do Rio São Francisco é alvo do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), em áreas nas quais foram apresentadas denúncias de degradação pela série de reportagens “Veredas mortas”, do Estado de Minas.
A Coordenadoria Regional de Meio Ambiente das Bacias dos Rios Paracatu, Urucuia e Abaeté determinou “diligências voltadas à confirmação dos locais apontados, dos imóveis rurais e seus respectivos proprietários, bem como da violação às regras ambientais de proteção à vegetação nativa do cerrado, as veredas e suas APP's, de modo a subsidiar a atuação do Ministério Público na defesa do meio ambiente, mediante a responsabilização cível e, se cabível, criminal, dos responsáveis pelos danos ambientais”. No Norte de Minas, o MPMG informa que denunciará uma máfia ligada à produção de carvão de árvores nativas, inclusive retiradas de veredas.
A série “Veredas mortas” foi publicada de 14 a 28 de julho pelo EM, revelando denúncias de destruição do cerrado e de veredas e traçando paralelo com a obra de Guimarães Rosa e seu testemunho nos diários de viagem de 1952, imortalizado quatro anos depois em “Grande sertão: veredas”. O título da série de reportagens se inspirou no primeiro nome proposto pelo escritor para sua obra-prima, há 70 anos. O título original acabou substituído, mas se mostra hoje como um presságio da degradação ambiental que leva a eventos climáticos cada vez mais extremos, em uma região que já sofre com os rigores do clima seco.
A Coordenadoria do MPMG distribuiu denúncias para as comarcas responsáveis, onde serão conduzidas pelos promotores de Justiça locais. “Em decorrência da série de reportagens 'Veredas mortas', veiculada no jornal Estado de Minas, aportou nesta Coordenadoria Regional de Meio Ambiente a notícia de possíveis supressões irregulares de vegetação nativa do cerrado e degradação de veredas”, diz o despacho da coordenadora da unidade do MPMG, a promotora de Justiça Carolina Fraire Lameirinha.
Uma lista de agressores
As denúncias abrangem ações de desmatamento, carvoarias, plantações sem critério de eucalipto e lavouras irrigadas em desacordo com as normas ambientais em Três Marias, Lassance, Lagoa Grande, São Gonçalo do Abaeté e Pirapora, envolvendo as comarcas de Três Marias, Presidente Olegário (Lagoa Grande), Patos de Minas (São Gonçalo do Abaeté), Várzea da Palma (Lassance) e Pirapora. Já foi realizado o “levantamento preliminar de dados de identificação dos imóveis onde as coordenadas encaminhadas estão localizadas”, informa o documento.
Outras ações já vinham decorrendo com auxílio da Coordenadoria de Meio Ambiente, como no caso da expansão acelerada de desmatamentos no cerrado para instalação de megausinas com painéis de captação de energia solar, que se alastram pelo sertão de Guimarães Rosa. “Estamos revendo todos os licenciamentos desses empreendimentos para assegurar que sob uma aparência de ganho ambiental com a energia limpa, não se destrua o cerrado”, afirma a promotora de Justiça Carolina Lameirinha.
“Um dos grandes empreendimentos não levou em consideração as veredas do terreno e por isso já teve a sua expansão negada. É um contrassenso desmatar o cerrado para instalar algo ambientalmente correto. Por que não se apropriam de áreas já degradadas? Isso sim seria uma medida sustentável”, observa a promotora.
Expectativa de recuperação
Por meio da atuação do MPMG, a Vereda do São José, em Três Marias, pode voltar a ter água, atualmente retida em um barramento que abastece um pivô central e plantações de milho e feijão. A formação, que foi citada por Guimarães Rosa como “a mais bela”, atualmente se encontra definhando, quase seca, com vários buritis mortos, com troncos caídos, e outros em agonia. A nascente seca do Rio-de-Janeiro, em Lassance, também pode voltar a fluir sem desmates para eucaliptos e pasto para pisoteio de gado no rio onde, no romance, os personagens Riobaldo e Diadorim se encontraram pela primeira vez.
A Vereda do Tamanduá (citada em “Grande Sertão” como “Vereda do Tamanduá-tão”), em Lagoa Grande, também pode voltar a ser um local de proteção pleno, importante afluente e berçário de peixes para o Rio Paracatu. A mesma expectativa ocorre para o ressequido Córrego do Batistério, em Pirapora, afluente do Rio das Velhas onde foi selada a união de Riobaldo e de Diadorim como jagunços, curso que hoje está seco.
MP fecha cerco à “máfia do carvão”
Uma organização criminosa que envolve sete siderúrgicas da Região Central mineira com alto-fornos alimentados por carvão de origem das veredas, cerrado, caatinga e mata atlântica do Norte de Minas é investigada e será alvo de denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Anualmente a chamada “máfia do carvão” movimenta cerca de R$ 100 milhões, segundo o coordenador regional da Promotorias de Justiça de Meio Ambiente das Bacias dos Rios Verde Grande e Pardo, promotor de Justiça Franklin Reginato Pereira Mendes.
As denúncias abrangem também produtores rurais cooptados, intermediários, atravessadores, agenciadores e transportadores do carvão de origem em matas nativas. “O fornecimento do carvão de mata nativa era atribuição de agenciadores que cooptavam produtores. Depois, começava um sistema de cata-cata, com os transportadores passando em propriedades pulverizadas pela região e enchendo os caminhões. Por isso, não se via um grande dano que chamasse a atenção, mas é o que ocorre ao fim e aos poucos”, detalha o promotor de Justiça.
A máfia buscava encobrir o transporte do carvão por meio rodoviário usando notas fiscais e guias de controle ambiental falsificadas. Um grupo de policiais militares do Meio Ambiente já foi denunciado pelos promotores de Justiça, acusado de facilitar o transporte do carvão nativo em troca de propina. “Infelizmente, a promessa de ganho fácil para que os produtores desmatem seus terrenos e produzam carvão ainda é uma prática disseminada no Norte de Minas, e que precisamos combater com educação e fiscalização”, afirma Mendes.
Nascentes encobertas
Além da destruição das veredas pelas máfias do carvão de origem nativa, as formações vegetais do cerrado são devastadas por empreendimentos de carvoeiros que usam matas plantadas. “É comum que os proprietários de vastas plantações não declarem a existência de veredas e de suas áreas de proteção permanente, para poderem obter licenciamento para plantio de eucalipto. Com isso, invadem essas áreas e as derrubam”, explica o promotor Franklin Mendes.
Por esse motivo, afirma, tem sido constante o acompanhamento do MPMG nos licenciamentos e fazendo contrapontos, com a exigência de estudos de impacto ambiental mais detalhados e que forneçam a proteção devida às veredas. “Em uma região de poucas chuvas e com uma carência hídrica tão grande, é fundamental preservar as veredas”, destaca Franklin Mendes.
“O Norte de Minas é muito visado, porque o preço dos terrenos é baixo e porque ainda há vastas áreas com cobertura florestal que simplesmente não existem mais em outras regiões do estado. É a região com o maior número de unidades de conservação, somando 20, sendo que 13 são parques. Esse é um outro foco de acompanhamento e de proteção ambiental do Ministério Público”, conclui o representante do MPMG.
Atrás do ouro negro
Parte das denúncias do Ministério Público contra a máfia do carvão nativo vem de desdobramentos da Operação Ouro Negro, ocorrida em setembro de 2021 nos municípios de Taiobeiras, Indaiabira, São Francisco, Icaraí de Minas, Ubaí, Brasília de Minas, São João da Ponte, Montes Claros, Curvelo, Diamantina, Caetanópolis, Sete Lagoas, Matozinhos, Divinópolis, Maravilhas e Pompéu.