Em plena luz do dia, um idoso de 83 anos foi preso ao ser flagrado se masturbando em frente ao Parque Municipal, no Centro de Belo Horizonte. Menos de uma semana depois, foi a vez de um homem de 46 anos, pego em flagrante ao tocar as partes íntimas enquanto observava uma mulher em um ponto de ônibus no Bairro Tropical, em Contagem, na Grande BH.

 

Casos como esses mostram a falta de pudor dos criminosos, como podem ser chamados desde 2018, quando a prática de masturbação em público se tornou crime de importunação sexual. A lei também considera crime os atos de passar a mão, apalpar, beijar à força, além de outras ações que acontecem sem o consentimento, violência física ou grave ameaça à vítima.

 

De acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), de janeiro a abril deste ano, foram registradas mais de 1.308 ocorrências de importunação sexual em Minas, o que resulta, por dia, em uma média de 10 casos no estado. Em Belo Horizonte, foram 244 ocorrências até abril, média de dois casos diários.

 



 

Mas o que explica a frequência desse comportamento? Segundo a psicóloga clínica Cynthia Dias Coelho, com atuação na área há quase 30 anos e com formação em sexologia, esse tipo infração sempre existiu, no entanto, ela afirma que os casos podem estar mais em evidência atualmente por causa da tecnologia. "Um instrumento que facilita a comprovação desse tipo de comportamento são as câmeras de segurança presentes nas ruas e a possibilidade de filmagens através dos celulares, já que no passado muitas pessoas deixavam de ser punidas pela falta de provas, pois só havia a palavra da testemunha do ato obsceno ou libidinoso, que frequentemente era negada pelo criminoso", destaca Cynthia.

 

Um exemplo disso foi um caso em Divinópolis, no Centro-Oeste mineiro. Em 18 de junho, um caminhoneiro foi flagrado se masturbando em um caminhão parado no meio da rua, enquanto crianças brincavam do lado de fora. Na gravação feita por um morador de um prédio ao lado, é possível ver o motorista cometendo o ato criminoso sem pudor algum, com a janela aberta e próximo a crianças. 

 

De acordo com a psicóloga, esse comportamento é considerado exibicionismo, uma forma de perversão sexual onde a pessoa exibe publicamente o seu corpo nu sem o consentimento de pessoas próximas. "As pessoas que o praticam têm plena consciência de que o que fazem é errado e por isso costumam escolher vítimas mais frágeis, como mulheres, crianças ou idosos e locais públicos
onde o flagrante seja mais difícil de acontecer", afirma.

 

Segundo Cynthia, o exibicionista pode ser visto como um agressor ou molestador em potencial, já que, ao se expor publicamente, agride visualmente as pessoas que são obrigadas a assisti-lo expondo a genitália e se masturbando. "Não há garantias de que, ao ver uma mulher ou criança vulnerável, esses homens não cometam um abuso sexual ou um estupro, pois seus conceitos morais e éticos são distorcidos", acrescenta a sexóloga.

 

Assim, ela adverte que estes homens devem ser punidos de acordo com a legislação vigente. "A impunidade certamente cria espaço para que essas pessoas se sintam confortáveis em satisfazer suas vontades sem considerar o espaço, as pessoas e a inadequação de seu comportamento.", ressalta.

 

Possíveis causas 

 

Para psicóloga Karine Alves e pós-graduanda em terapia cognitiva comportamental, além de fatores como ansiedade, estresse e solidão, esse desvio comportamental pode ser explicado por abusos em algum momento da vida ou da reprodução de atos vistos na infância.

 

“Hoje o fácil acesso à pornografia também pode aumentar a prática tornando-a compulsiva e excessiva. E crianças abusadas costumam reproduzir o que viram, e na fase adulta, elas apresentam uma hipersexualização, muitas vezes não tendo controle sobre os seus atos”, diz Karine.

 

Segundo ela, esses comportamentos se dão em maioria por homens, porque a mulher culturalmente foi ensinada a se resguardar em relação ao sexo. “O homem é bem mais estimulado em relação a isso, exemplo é que geralmente os primeiros contatos do homem com o sexo é através da masturbação, porque para o homem é mais bem aceito e normalizado socialmente”, destaca.

 

Ela também aponta que, para o tratamento desse comportamento disfuncional, é necessário muita terapia e acompanhamento psiquiátrico, e dependendo da complexidade, é recomendável o tratamento com medicações. Para Cynthia cada caso tem que ser analisado com cuidado. "É a avaliação médica e psicológica que permitirá às autoridades judiciais a diferenciação entre quem é um criminoso e quem é um doente mental em surto", afirma.

 

Nem sempre foi crime

A masturbação em público nem sempre foi considerada um crime na legislação brasileiro. É o que explica o advogado criminalista Fábio Curvelano. “Antigamente existia um artigo penal para estupro e uma contravenção penal, que seria um crime de menor potencial ofensivo. Alguns decidiam que era estupro e outros decidiam que era contravenção penal”, explica.

 

A pena para estupro varia entre seis a dez anos, e a de contravenção, de no máximo um ano. Em setembro de 2018, entrou em vigor a Lei 13.718, aprovada pelo Congresso, que acrescentou o artigo 215-A ao Código Penal, tornando crime de importunação sexual a prática de ato libidinoso (que tem finalidade de satisfazer desejo sexual) contra a vontade da vítima. A punição para crimes como a de masturbação em público foi definida para entre 1 a 5 anos de reclusão.

 

“Tínhamos situações que ficavam à margem. Era necessário a criação de um crime intermediário. Você tinha importunação ofensiva ao pudor que tinha praticamente pena alguma e tinha o estupro, uma conduta muito grave. E essa conduta (masturbação), por exemplo, não existe violação de alguém física ou sexual”, explica Curvelano.

 

O advogado afirma que, nos casos de importunação sexual que defende ou que têm acesso, o perfil mais recorrente são de homens com idades mais elevadas. Ele destaca que a alteração da lei foi importante para que as mulheres pudessem se ver resguardadas e encorajadas a denunciar estes criminosos. “Hoje, nos transportes públicos da capital, há o botão do assédio. Portanto, quando a mulher sofre algum tipo de violência, ela pode acionar a Guarda Municipal, que prende aquele agressor. Antes, havia ali uma contravenção, que nem chegava a ser crime, aí a vítima se sentia desencorajada. Agora, sendo crime, a mulher se sente segura para denunciar”, finaliza.

 

O botão do assédio é um dispositivo acionado pelos motoristas dos coletivos no momento que uma passageira realiza uma denúncia de abuso no transporte. Assim, um sinal de alerta é enviado para o Centro Integrado de Operações de Belo Horizonte (COP-BH), que mobiliza a Guarda Municipal ou a Polícia Militar para deter o suspeito da importunação sexual.

 

Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte, até junho deste ano já foram registrados 11 acionamentos do botão. Em 2023, o número total chegou a 23 acionamentos, e em 2019, o maior número já registrado, com 31 acionamentos. Dados que revelam uma coragem maior das mulheres de denunciar estes criminosos.

 

*Estagiário sob a supervisão do subeditor Fábio Corrêa

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