Elas não são modelos, atrizes, cantoras da moda ou gente em busca de holofotes. Entretanto, ontem tiveram um dia de estrela. Maria Aparecida, Josy Carla, Nádia Franscielle, Kellen Cristina, Suely Elizete, Isabel e Delceir, todas mineiras, são sete mulheres que amam a vida, pensam no futuro e se mostram de coração aberto, e forte, para trilhar seu caminho e enfrentar desafios.

 

Na manhã desse domingo (7/7), a 5ª edição do Projeto Poderosas reuniu, em Belo Horizonte, um grupo feminino em tratamento de câncer que, mediante o cuidado de 40 voluntários, curtiu um momento especial – e de muita emoção – para elevar a autoestima.


Caprichando no charme, as pacientes foram convidadas a passar um dia dedicado à beleza promovido pelo Hospital da Baleia, com ensaio fotográfico do profissional Alexandre Rust, em espaço cedido pelo Minas Shopping, na Região Nordeste da capital. Acompanhadas de sete enfermeiras e um enfermeiro, chamados de “madrinhas” e “padrinho”, ficaram em boas mãos, recebendo maquiagem, trato no cabelo, camiseta e bandana para uma sessão de fotos.

 



 

Em outubro, haverá uma exposição fotográfica “destacando o reencontro dessas mulheres com sua própria imagem”, ressaltou o fotógrafo voluntário Alexandre Rust, idealizador do projeto iniciado há oito anos, dos quais cinco com pacientes em tratamento no Hospital da Baleia, instituição filantrópica 100% SUS (Sistema Único de Saúde), que comemora oito décadas em funcionamento.


“Queremos que elas tenham um novo olhar sobre si mesmas. O projeto tem o objetivo de elevar a autoestima de mulheres em tratamento de câncer. As alterações no corpo, a perda de cabelo e a incerteza do futuro, impostas pela doença, podem abalar a forma como a pessoa se enxerga”, disse o fotógrafo, ao lado da coordenadora de Mobilização de Recursos do hospital, Iandra Pereira.

 

“Temos pacientes de 20 a 60 anos. Até chegar a esse dia tão importante para todas, fazemos um trabalho de preparação durante dois meses. Tudo aqui é fruto de doação”, informou Iandra. Além do fotógrafo, profissionais como cabeleireiro, designer de sobrancelhas, maquiador, equipe de produção e apoio fazem o trabalho de forma voluntária.

Rust se entusiasma com a iniciativa, “pois se trata de uma oportunidade de se doar para alguém, e isso motiva e renova o sentido de ser humano”. Ele acrescentou que muitas mulheres, passando pelo tratamento, acreditam que uma renovada na aparência pode significar um momento de se olhar de maneira diferente, celebrar a vida. O nome Poderosas nasceu da junção das palavras Poder (ou empoderamento feminino) e Rosa, cor símbolo do mês (outubro) de conscientização e alerta sobre prevenção e diagnóstico do câncer de mama.

 

Noiva, Maria Aparecida contou durante os cuidados de beleza que vai marcar o casamento assim que os cabelos voltarem a crescer

Edesio Ferreira/EM/D.A. Press


Emoção e alegria



Foram muitas horas de alegria e emoção, com lágrimas, em vários instantes, rolando pelas faces e levando a equipe de beleza, com bom humor, a retocar a maquiagem. Quase na hora de posar para a foto no interior do shopping, a dona de casa Kellen Cristina de Oliveira, de 33 anos, casada e mãe de uma menina de quatro anos, pediu um segundo. Refeita da forte emoção, sorriu, falou sobre a fé imensa que tem em Deus e na vida e na cura do câncer de mama metastático que já se propagou pelos ossos e fígado.

 

“Sou firme na fé e na esperança, e hoje tenho a possibilidade de reencontrar comigo mesma. É um dia feliz. Sabe que agora descubro todo meu potencial? Tinha até me esquecido dele. Com a doença, a gente deixa de lado a vaidade... Há muito tempo nem me maquiava. Melhor ainda é ver a beleza deste grupo reunido, fazer novas amizades, o que nos fortalece”, disse Kellen Cristina.

 


Ouvindo a conversa, e igualmente emocionada, a “madrinha”, a enfermeira Tainara Miranda, contou que é muito bom o contato com as pacientes fora do hospital, e, no seu caso, sem o jaleco. “Aqui, em outra realidade, vemos mais do que nunca que somos todos seres humanos. A Kellen Cristina é muito autêntica, tem alto astral, isso ajuda no tratamento. Quando a convidei, agradeceu e aceitou logo.”


Na sala transformada em “camarim”, pacientes e equipes interagiram na maior confiança, num ambiente que acolheu ainda alguns familiares das sete mulheres e teve lanche para os presentes. A cuidadora de crianças Maria Aparecida Pires Lopes Ferreira, de 51, que descobriu o câncer de mama no ano passado, sorriu ao lado da filha Taiara Cristina Pires Ferreira, de 25. O sorriso luminoso se completou com o carinho do noivo, o motorista Júnior Rodrigues Sousa.


“A Maria Aparecida e eu vamos nos casar, mas ainda não temos a data. Ela está muito bonita”, observou Júnior. Devido à quimioterapia, a noiva perdeu os cabelos, e os novos fios, com a arte da tesoura, receberam o trato do profissional Michael Avelino. Bem-humorada, a paciente mirou o noivo e definiu: “Quando meus cabelos crescerem, vamos marcar o casamento”.

 

Os padrinhos Vitor Cordeiro Pereira e Luana Coelho Maiolino gostaram de ouvir e cumprimentaram o casal. Meia hora antes, a maquiadora Alessandra Nunes dizia que iniciativas com o Projeto Poderosas representam um “divisor de águas” na vida das pacientes, trazendo alegria para elas e os familiares.


Renascimento

 

 

O domingo trouxe uma novidade para a costureira Isabel Alves Moura, presente com o marido Carlos Martins de Freitas, pedreiro de acabamento. “Pela primeira vez, estou usando cílios postiços. Uma experiência nova”, contou, sob os cuidados da maquiadora Fernanda Tunes.

 

Já preparada para o ensaio fotográfico, Isabel garantiu que tudo isso representa um renascimento, pois “traz de volta a alegria de viver”. Ao admirar a esposa, com quem está casado há 13 anos, Carlos observou que esse momento, aliado ao tratamento, ajuda demais na luta contra o câncer. “E, tenho certeza, melhora no nosso relacionamento.”


Os cuidados foram acompanhados pela ex-paciente Valdirene Soares, a primeira, no Hospital da Baleia, a participar do Projeto Poderosas, do qual está à frente na coordenação dentro da instituição. “A verdade é que a gente se sente feia. E falo por experiência própria. Com esse dia de beleza, a pessoa passa a se sentir diferente, a se olhar de forma bem positiva”, contou Valdirene.


A poucos metros dali, Josy Carla Almeida, de 35, formada em contabilidade, revelava que, ao iniciar a sessão de quimioterapia durante o tratamento do câncer de mama diagnosticado há dois anos, ficou longo tempo sem se ver. “Tirei todos os espelhos lá de casa. Não queria me olhar sem os cabelos. Foram dois meses sem espelho”, explicou.


Alta, magra e comunicativa, Josy falou sobre a “barra pesada” dos primeiros tempos de descoberta, da solidão provocada pela enfermidade, do afastamento das pessoas, de ser uma pessoa jovem em tratamento oncológico. “Estar aqui hoje é uma experiência incrível”, resumiu, ao ser maquiada por Luciana Goulart, para quem, cada palavra ouvida, se traduz por lição de vida. Do grupo de pacientes, também fizeram parte, ontem, Nádia Franscielle Assis de Souza, de 33, Suely Elizete Fagundes, de 56, e Delceir da Silva Andrade, de 51.

 

 

"Sou firme na fé e na esperança, e hoje tenho a possibilidade de reencontrar comigo mesma. É um dia feliz. Kellen Cristina de oliveira, Uma das 'estrelas' do ensaio

Edesio Ferreira/EM/D.A. Press

 

Câncer em números

Com base em dados do Instituto Nacional do Câncer, a maior incidência de câncer nas mulheres ocorre nas mamas. No Brasil, esse número é próximo de 67 casos a cada 100 mil mulheres por ano. O tipo de câncer em questão também é o mais fatal, com um número superior a 18 mil óbitos registrados somente em 2021, por exemplo. O Hospital da Baleia, que completou 80 anos no último dia 4, dispõe do Centro de Referência em Oncologia e um núcleo de cirurgiões mastologistas para o tratamento. Tem também aparelho de mamografia, utilizado no acompanhamento das mulheres em tratamento ou em acompanhamento.

 

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