Todas as tardes, dona Neuza sai de casa com uma garrafa térmica nas mãos. Caminha alguns metros até a Capela Santo Antônio, e, ali, oferece o café quentinho, recém-coado, aos encarregados da restauração do templo, cujo registro mais antigo, um batizado, data de 1731. “Estou feliz demais com a obra, pois se trata do bem mais precioso da comunidade. Venho aqui desde criança, tudo faz parte da nossa vida, então, gosto de fazer um agrado à equipe”, conta a moradora de Pompéu, bairro distante sete quilômetros do Centro de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A capela guarda preciosidades como o retábulo (altar), “um dos mais importantes de Minas Gerais”, informa o restaurador-chefe, Sílvio Luiz Rocha Vianna de Oliveira.

 

A exemplo dos demais católicos de Pompéu, Neuza Rosa Andrade, de 69 anos, conta os minutos para chegar o próximo dia 26, quando a capela vinculada à Paróquia Nossa Senhora da Conceição será reaberta, às 18h, durante missa celebrada pelo bispo auxiliar da Arquidiocese de BH, dom Edmar José da Silva. “Vou sentir saudade dos restauradores, que fazem um trabalho muito bonito. Nesse local, há história e também lembranças”, conta dona Neuza, olhando, agora, para o cemitério, na frente da capela, no qual se encontram sepultados os pais, outros familiares e amigos.

 

As intervenções na edificação começaram em 10 de janeiro, fruto de iniciativa conjunta da Arquidiocese de Belo Horizonte, via Memorial Arquidiocesano, Prefeitura de Sabará, Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e Associação de Moradores e Amigos do Bairro Pompéu (Amap), representada por Wellington Cláudio da Fonseca. Segundo a coordenadora do Memorial Arquidiocesano, Maria Goretti Gabrich, que acompanha as intervenções desde o início, o investimento de cerca de R$ 850 mil provém do Programa Minas para Sempre, do MPMG, via Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC).

 

“Essa parceria mostra que quando a sociedade se une é capaz de fazer maravilhas. Há muito, a capela precisava de restauração, e, agora, podemos vê-la pronta. Portanto, é com alegria que recebemos este presente de Deus”, avalia o titular da Paróquia Nossa Senhora da Conceição, padre Eribaldo Pereira dos Santos. Para não deixar os fiéis sem as celebrações, as missas e demais cerimônias são realizadas, nesse período de obras, no Espaço Comunitário do Pompeu, ao lado da capela tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).



INTERVENÇÕES RESGATAM O ESPLENDOR DO TEMPLO

Os serviços na Capela Santo Antônio, joia da primeira fase do Barroco, conhecida como nacional português, têm à frente a empresa Conservare Restauro, de Ouro Preto, chefiada pelo especialista na área de conservação-restauração e professor Sílvio Luiz Rocha Vianna de Oliveira. “Foi possível resgatar o aspecto original das talhas (madeira esculpida) e pinturas. A talha do retábulo foi esculpida, certamente entre 1720 e 1730, por Manuel de Matos, o mesmo que trabalhou na Igreja Matriz Nossa Senhora de Nazaré, no distrito de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto”, conta Silvio.

 

Entre os problemas mais graves encontrados na capela de Pompéu, que, antes do restauro interno, recebeu intervenções na cobertura e pintura das fachadas, triunfava o ataque de cupins, responsável pela danificação e deterioração de muitas áreas do altar-mor. “Precisamos desmontar parte significativa do camarim (compartimento onde fica imagem do padroeiro) e reforçar toda sua estrutura. Respeitamos o original e também o restauro primoroso feito, em 1982, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha). Na época, foi usada cera de abelha para preencher as galerias abertas pelos cupins.”

 

Além dos danos causados pelos insetos, os restauradores se depararam com estragos decorrentes de infiltrações e muita “sujidade”, palavra mais técnica para descrever as camadas de poeira, a ação do tempo e a falta de trato ao longo de décadas. Ela estava acumulada nos 10 painéis da capela-mor (seis no alto e quatro nas laterais) contando a vida e os milagres de Santo Antônio. Ainda nas laterais, escritas em latim, são vistas duas orações dedicadas ao santo comemorado em 13 de junho. Aos olhos dos repórteres, impressiona a monumental riqueza do patrimônio cultural mineiro, sempre pronto a fascinar e surpreender em todos os sentidos.

 

 

Os restauradores Edson Júnior Luciano e Adriane Juliano mostram as marcas nos elementos artísticos que demandaram minuciosa ação de limpeza, fixação da policromia, nivelamento e reintegração com o uso de materiais compatíveis com o conjunto barroco. Com o passar dos anos, alguns dos anjos (querubins) que ornamentam a capela-mor se perderam, assim como o douramento sobre o cedro, madeira predominante, embora haja motivos de sobra para a comunidade se orgulhar.

 

Edson e Adriane apontam o resplendor de madeira em policromia, em destaque sobre o altar, onde trabalhava, na tarde de ontem, a restauradora Ana Vitória Aguiar Monteiro. Para Edson, obras de tal relevância são sempre “um desafio”, enquanto Adriane encontra na palavra “emocionante” a melhor para descrever o serviço perto de ser concluído. “Estamos nos últimos detalhes, já no ponto de retirar os andaimes. Vamos embora, mas deixamos um pedacinho de nós”, emociona-se a restauradora.

 

“Vimos, antes do início da obra, que a capela estava com partes bem degradadas, necessitando com urgência de restauração”, diz Adriane. Ao lado Edson mostra o rosto de um querubim, na base do altar, que demandou técnica e arte para recuperar a feição original.


BELEZA E QUALIDADE DE VOLTA À CENA

Sílvio dá mais detalhes sobre a obra: “Tivemos que esculpir algumas partes perdidas, outra com perdas pontuais, conservando o que estava em bom estado.” Sobre as pinturas que, devido às camadas de sujidade, não permitiam uma leitura clara, “conduzimos, num processo cuidadoso e criterioso, a limpeza, a reintegração e depois aplicação de um verniz, para recuperação da beleza e qualidade.” Em respeito à originalidade, “do que não havia referência, não houve recomposição.” Para Sílvio, foi valiosa a participação da Associação de Moradores do Bairro Pompeu, sempre presente desde janeiro: “Fizemos um trabalho de qualidade técnica e de muito respeito ao original.”

 

A postos nos retoques dos painéis, o sabarense Caio Ariê, auxiliar restauração, não esconde a alegria de trabalhar no patrimônio da sua cidade. “Temos uma obra que marca nossa terra, e, particularmente, estou satisfeito em contribuir para a preservação”, revela Caio durante uma paradinha para o café oferecido por dona Neuza, que tem cinco filhos, seis netos e um bisneto “a caminho”, conforme conta com orgulho.

 

A movimentação no interior da igreja enche de alegria os olhos da moradora de Pompéu, sinal de que, em breve, as missas celebradas no Espaço Comunitário estarão de volta à capela, onde há casamentos, batizados, crismas e reuniões. Ao ver dona Neuza, Júlia Antunes, atenta à restauração do oratório, que estará de volta à lateral esquerda do templo, sorri com simpatia, e mostra, na peça, o desenho do esplendor idêntico ao existente no altar.

 

Já na sacristia, novas cenas. Estudantes de conservação-restauração na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), as estagiárias, ambas cariocas, Caroline Sodré e Juliana Rodrigues falavam sobre a experiência em Minas, num trabalho bem diferente da capital fluminense, onde há mais obras em museus e outros prédios, e não em igrejas. Ontem, elas trabalhavam na finalização da pintura do porta-toalhas sobre o lavatório – nessa peça, sobressai uma bela carranca dourada, mais um ponto de encantamento na capela.


TESOUROS ESCONDIDOS EM MEIO À VEGETAÇÃO

De acordo com o Memorial da Arquidiocese de BH, não há documentação sobre o início da edificação ou inauguração da Capela Santo Antônio, de Pompéu, em Sabará. O registro mais antigo diz respeito ao ano de 1731, quando foi realizado um batizado.

 

Os elementos artísticos do templo são de autoria desconhecida, remetendo à primeira fase do Barroco, em Minas, no início do século 18. Por sua importância, o templo é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Quem chega ao monumento não deixa de notar a base de pedra da edificação que, de aspecto singelo na aparência, mantém um refinado interior.

 

Localizado no fundo de um vale, às margens da Estrada Real, Pompéu, segundo dados da Prefeitura de Sabará, guarda um clima ameno, uma natureza exuberante e uma culinária deliciosa. Em 1997, começou um evento gastronômico a partir de uma folha muito encontrada na região, o ora-pro-nóbis, acompanhado normalmente de costelinha, frango ou marreco.

 

Com mais de 14 mil hectares de área preservada e várias nascentes, o local, de vegetação densa, tem ruínas da Estrada Real e trilhas para caminhadas, escaladas, bem como passeios de bicicleta e a cavalo. 

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