A reunião do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (COMPAC) de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, agendada para discutir o empreendimento imobiliário Cidade Jardim, da construtora Emccamp Residencial, terminou em confusão nesta terça-feira (16/7). O tema tem gerado manifestações contrárias de moradores contrários à implantação do novo bairro. Este foi o quarto encontro entre a administração municipal, a empresa e a sociedade civil para discutir a concessão da licença para o início das obras.
Glaucon Durães acompanha as tratativas para a liberação do empreendimento e explica que a confusão desta tarde começou depois que os moradores não puderam falar e expor os pontos de vistas e preocupações. Ele conta que o grupo tem pedido para que uma audiência pública seja feita para debater o tema com a população, mas os conselheiros do Compac marcam reuniões extraordinárias, onde apenas quem está inscrito previamente pode se apresentar.
“A população se sentiu revoltada com essa situação [de não poder falar na reunião], sobretudo porque são pessoas que, em todos os anos em que há enchentes, perdem tudo. Então, essas pessoas começaram a falar que estavam sendo enrolados para que o tempo da reunião se esgotasse, e elas não pudessem ter tempo para falar. Foi aí que houve um afloramento dos nervos devido a essa falta de espaço para a sociedade civil poder se manifestar”, conta Durães.
Nesta tarde, durante apresentação dos representantes da Emccamp Residencial, uma mulher, depois identificada como moradora da cidade, se dirigiu à frente do Teatro Municipal e interrompeu a fala da representante. Nas imagens, enviadas à reportagem, a mulher grita e afirma que a empresa está tentando comprar a “mente” dos moradores e que é necessário que a prefeitura da cidade faça o desassoreamento do rio, para impedir que novas enchentes aconteçam.
“Você fez faculdade, psicologia, você fez o cace**. Sua mente entrou na mente de muita gente, mas não vai entrar. Isso aqui é uma enrolação, uma embromação. Isso [o empreendimento] é um condomínio fechado, isso é particular, vai ser coisa fechada. O que precisamos é que vocês, a empresa e a prefeitura, afundem o rio [...] Porque empresa é empresa, e nós, o povo, estamos afogando na água, na enchente, no rio. E perdemos nossas casas, nossos móveis, nossos bichos”, disse a mulher.
Felipe Amarante Boaventura, diretor jurídico da Emmcamp Residencial, afirma que há quatro reuniões e a empresa tem tentado explicar os estudos levantados para viabilização do empreendimento, mas, em todas, foi interrompido pela população. “Tentamos falar isso tudo no Compac há quatro reuniões, mas infelizmente a população nos interrompe sobre a questão da preservação das macaúbas, que já foi acertadas. Hoje foram levados para protestar pela questão das cheias, mas não quiseram ouvir que nosso projeto não vai afetar nada nas máximas cheias. Foram levados para pedir soluções que a empresa já levou a município, e isso nos levou a pensar a quem interessa manter um vazio urbano no centro da cidade”.
Enchentes
Conforme já noticiado pelo Estado de Minas, os moradores de bairros comumente atingidos pelas cheias do Rio das Velhas, temem que um projeto dessa dimensão - com mais de 500 lotes para imóveis residenciais e comerciais - comprometa o escoamento da água, além de alterar a paisagem do Centro Histórico do município. De acordo com o professor de direito ambiental e ex-secretári de Meio Ambiente de Belo Horizonte, Mário Werneck, o terreno onde será construído o projeto funciona, junto com o que fica às margens do baixo curso do manancial, como uma bacia.
Durante um ato contra a implantação do empreendimento, em 19 de junho deste ano, os moradores expuseram que a solução proposta pela Emccamp Residencial foi a criação de um dique, uma contenção de concreto, que impossibilitaria a entrada da água nos loteamentos. No entanto, a informação foi negada pela empresa. Em entrevista ao Estado de Minas, Felipe Amarante Boaventura, diretor jurídico da Emmcamp, informou que para resolver o problema das cheias na região será feito um aterro, de quatro metros de altura, para impedir que as águas entrem nas casas que ali serão construídas.
Boaventura garante que, conforme apontam estudos técnicos feitos a pedido da empresa e apresentados à Prefeitura de Santa Luzia e já revisados pela administração municipal, a alteração no nível do terreno não vai afetar o comportamento das cheias nas demais áreas da cidade. “Nos estudos feitos pela nossa consultoria de engenharia hídrica, não foi detectado alteração na cota máxima de cheia nas margens do rio. Com ou sem o empreendimento o comportamento das cheias será o mesmo. Se alguém trouxer um parecer técnico contrário que comprove que estamos errados, é claro que nós vamos ouvir. Não podemos fazer um empreendimento que gere risco à população.”
O estudo citado indica que o empreendimento intervém em “menos de 0,1% da área de drenagem da bacia do Rio das Velhas”, que a drenagem do empreendimento não apresenta “condições de sincronia de picos” não tendo a capacidade de causar 'alteração das vazões de cheias naquele curso de água”.
Patrimônio
Não é só a questão ambiental que está em jogo, apontou o presidente da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, Adalberto Andrade. Ele prevê impactos negativos também na paisagem do Centro Histórico de Santa Luzia, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas (Iepha), em 28 de dezembro de 1998. O presidente da associação acredita que a implantação dos loteamentos abrirá um caminho para a construção de novas edificações de grande porte, altura e volumetria, que vão impactar a relação do visual do Rio das Velhas com o Centro Histórico.
“Hoje se tem uma fisionomia urbana do Centro Histórico que ainda é do século 18. E com o novo empreendimento, essa fisionomia da paisagem se altera, com novos elementos que vão prejudicar a história da cidade”, explica.
O coordenador do Movimento Negro Unificado de Minas Gerais, José Carlos de Souza, destaca a importância cultural da área para os povos negros. Ele afirma que dentro da fazenda onde está planejado que seja construído o novo bairro, há um sítio arqueológico. “É uma história muito rica no que diz respeito à população negra. Esse empreendimento, com certeza, traria danos à nossa cultura”, disse durante o ato de junho.
Por sua vez, o diretor da Emccamp explica que o empreendimento não fica próximo a áreas históricas da cidade. Boaventura conta que visando não comprometer o patrimônio visual municipal as casas construídas no local não poderão ter mais que dois andares e terão que responder a algumas regras impostas pela empresa. Sobre a possibilidade de afetar sítios arqueológicos, ele afirma que em cinco pontos do terreno possíveis intervenções foram proibidas até a liberação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Outro ponto de receio apontado por parte da população, desde o início das conversas para a instalação do loteamento, é a preservação das palmeiras macaúbas, que existem aos montes no terreno. Sobre isso, a empresa afirma que, “após ouvir o apelo da população”, decidiu por preservar todos os espécimes que já estão no local.