A Corregedoria-Geral do Ministério da Justiça e Segurança Pública da Polícia Rodoviária Federal (PRF) anulou o processo administrativo que inocentou um policial e ex-chefe de Gabinete da Superintendência da PRF em Minas, acusado de assédio moral e sexual por seis mulheres. A decisão, emitida nesta quinta-feira (18/7), também informou que o processo administrativo disciplinar (PAD) será reinstaurado e irá contar com um novo colegiado, necessariamente integrado por ao menos uma servidora do gênero feminino.
“Verifico neste momento que as provas constantes dos autos não eram suficientes para o julgamento, bem como se mostravam manifestamente contrárias às conclusões adotadas no Termo de Instrução e Indiciamento”, disse o corregedor-geral Vinicius Behrmann Bento, que assinou a decisão emitida nesta quinta-feira e foi o responsável por arquivar o processo em 2023.
Foi determinado ainda que o acusado não realize atividades de forma presencial na sede da SPRF/MG até a conclusão do PAD, a fim de resguardar os direitos fundamentais das vítimas.
A defesa do policial acusado se manifestou diante da decisão da Corregedoria-Geral da PRF. “Evidente se faz a completa inadequação da reabertura do processo deflagrado contra o ex-chefe de gabinete da PRF/MG, em meados de 2018. A pressão popular venceu a legalidade e o respeito ao devido processo legal, incidindo em decisão manifestamente ilegal e violadora. A defesa assegura que o feito será tratado na completa rigidez da lei, como feito em 2018. A exposição do PRF tem sido completamente inadequada. A suposta revitimização somente foi sentida após processos indenizatórios. Quantas vezes processos já transitados em julgado terão que ser reabertos, em verdadeira caça às bruxas, para adequar interesses. Da mesma forma que o devido processo legal foi respeitado pela defesa, novamente essa será a conduta adotada”, disse a advogada Izabella Cristina.
Para o marido de uma das mulheres que fez a denúncia, a decisão de hoje é histórica porque representa uma união sem precedentes entre servidores, estagiários e terceirizados da Polícia Rodoviária Federal na busca por justiça e por um ambiente de trabalho livre do assédio.
“Graças a essa coesão, foi possível dar voz às vítimas e pressionar por mudanças mais significativas. Isso pode ajudar, inclusive, a quebrar essa cultura do silêncio e a estigmatização associada ao assédio, encorajando mais pessoas a denunciar tais comportamentos”, diz o também policial rodoviário.
Com o arquivamento do caso, ele fez uma denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) para solicitar análise do PAD quanto a possíveis vícios, abusos, ilegalidades e indícios de ilícitos penais.
A representante legal de duas da mulheres, a advogada Ana Paula Souza Silva, disse ao Estado de Minas que a decisão trouxe alívio para as vítimas e irá permitir uma análise profunda, lícita e justa dos fatos ocorridos. "Aguardamos atentas e confiantes que a nova trinca processante atue de forma justa, exemplar e dentro da legalidade, de forma a reverter o equívocos cometidos no processo original. Enfim, esperamos que o novo processo siga rigorosamente os preceitos legais, garantindo assim um ambiente de trabalho seguro e respeitoso dentro da Instituição PRF", afirmou.
Processos
O processo administrativo em questão foi instaurado contra o policial em 2018 diante de denúncias de assédio de seis mulheres, em anos diferentes, e que exerciam funções distintas — duas policiais, duas servidoras administrativas, uma estagiária (menor de idade) e uma terceirizada.
Após o fim dessa tramitação, com duração de cinco anos e que resultou na inocência do acusado, houve uma reviravolta: em maio deste ano, o policial entrou com pedido de indenização por danos morais contra quatro das seis mulheres que o denunciaram.
A defesa dele justificou que o pedido foi feito porque o PAD gerou “um dispendioso processo, além de vários transtornos, inclusive familiares, uma vez que colocou em risco sua vida matrimonial e a estabilidade financeira e familiar de sua esposa e filhos, manchando, notoriamente, sua honra".
Izabella Cristina, advogada do então acusado, afirma que seu cliente foi vítima de calúnias e difamações. De acordo com a representante legal, o processo por danos morais seguirá mesmo com a anulação do processo administrativo.
De acordo com a advogada Ana Paula Silva, que representa duas das mulheres, para uma de suas clientes, que foi a primeira a denunciar o policial, o valor do pedido de indenização foi de R$ 500 mil. Para as outras três, a quantia foi de R$ 56.460.
Repercussão
Diante dos custos envolvidos para responder ao processo por danos morais, servidoras da PRF decidiram promover uma arrecadação coletiva para ajudar as mulheres a custear os gastos. Das quatro mulheres alvo da indenização, uma delas optou por não ser apoiada pelo dinheiro da arrecadação e custeará os gastos processuais por conta própria.
Além da vaquinha, policiais rodoviárias escreveram uma carta aberta ao diretor-geral, ao corregedor, à coordenadora-geral de Direitos Humanos e ao superintendente da PRF em Minas para manifestar indignação e preocupação diante do resultado do processo.
“É com grande consternação que observamos um cenário onde as vítimas de assédio, ao buscar justiça, frequentemente se veem em uma posição de vulnerabilidade ainda maior. Em vez de encontrar apoio e proteção, muitas de nós enfrentam processos jurídicos que se voltam contra as próprias vítimas, gerando um ambiente de medo e desamparo”, diz a carta, com mais de 500 assinaturas.
Na última sexta-feira (12/7), também foi realizada na Câmara dos Deputados uma audiência pública para discutir assédio moral e sexual na PRF.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice