Minas Gerais foi o estado que registrou mais ocorrências de posse e uso de drogas em 2023, depois de ter tido um salto de 29,9% em relação ao ano anterior. Outros crimes também cresceram no estado, como as mortes violentas intencionais, com variação de 3,7%, e estupro, que aumentou 10,4%.
 
 
Esses levantamentos estão presentes no 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (18/7). O relatório traz um panorama da criminalidade no Brasil e é produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

Na contramão do país


O relatório aponta que Minas Gerais registrou 3.044 mortes violentas intencionais (MVI) em 2023, contra 2.936 no ano anterior. O índice soma mortes por homicídio doloso, incluídas vítimas de feminicídios, por latrocínio, por lesão corporal e mortes decorrentes de intervenções policiais. A trajetória ascendente nos números do estado começou depois de 2021, quando foi registrada a mínima da série histórica iniciada em 2011, com 2.523 ocorrências.

O anuário também trouxe números relativos às taxas de mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes nas regiões intermediárias das unidades federativas de todo o Brasil. Em Minas Gerais, a região que teve maior número de registros foi Governador Valadares (22,9), na 58ª posição do ranking nacional. Em seguida aparecem Teófilo Otoni (21,1), em 69ª, Ipatinga (18,9), em 83ª, e Belo Horizonte (17,4), em 92ª.
 
 

A região intermediária com mais ocorrências no país é Macapá, no Amapá, com 76,1 ocorrências a cada 100 mil habitantes. O estado do norte, inclusive, foi o que teve maior crescimento nas mortes violentas intencionais, de 39,8%.
 
Os outros estados que também tiveram aumento foram Mato Grosso (8,1%), Mato Grosso do Sul (6,2%), Pernambuco (6,2%) e Alagoas (1,4%).


Estes estados seguem no sentido oposto à tendência de redução no Brasil. O país teve queda de 3,4% nos registros de morte violentas intencionais, passando de 47.963 casos em 2022 para 46.328 em 2023 - foram 22,8 ocorrências a cada 100 mil habitantes. Segundo o anuário, os níveis de violência letal no Brasil estão longe de serem considerados adequados e/ou condizentes com padrões mínimos de desenvolvimento humano e social, já que o país representa cerca de 10% do total de homicídios cometidos no mundo.


Faltam respostas


O acirramento dos conflitos entre facções criminosas pode ser uma das causas para o aumento de mortes violentas em Minas Gerais, explica o professor da PUC Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Luis Flávio Sapori.

 
“Talvez nós tenhamos em algumas regiões de Minas Gerais um recrudescimento do conflito entre organizações criminosas do tráfico. E isso, possivelmente, pode ter levado ao crescimento de homicídios em algumas dessas regiões, especialmente no Vale do Mucuri, onde fica Teófilo Otoni. É uma região que tem tido problemas já há algum tempo em termos de homicídios”, defende o professor.

 
Episódios de violência entre núcleos das organizações criminosas do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) levaram a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) a deslocar 34 oficiais e 12 viaturas de Belo Horizonte para Teófilo Otoni na semana passada. As duas facções, com origens nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, respectivamente, intensificaram sua atuação em Minas Gerais nos últimos anos.
 

Crime organizado


Outra estatística negativa para o estado envolve o tráfico de entorpecentes. As ocorrências por posse e uso de drogas em Minas passaram de 34.976 em 2022 para 45.413 em 2023, um salto de 29,8%. O aumento é mais do que o dobro da média nacional, que foi de 12,2% - o Brasil atingiu 175.858 ocorrências no ano passado. Devido a este crescimento, Minas Gerais se tornou o estado com a maior taxa de registros de posse e uso de drogas, com 221,1 casos a cada 100 mil habitantes - a média nacional é 86,6. Casos de apreensão de drogas no estado também tiveram aumento (18,6%).


O anuário destaca que o pico da taxa de homicídios no Brasil ocorreu em 2017, com 65.602 registros, num contexto de conflito entre as facções criminosas do PCC e do CV, ambas de amplitude nacional. O professor Luis Flávio Sapori explica que o tráfico de drogas em todo o Brasil está cada vez mais organizado e a chegada das facções criminosas de outros estados mudou a dinâmica da criminalidade nas cidades mineiras.


“As antigas gangues ainda existem, mas com uma capacidade muito menor. Estes grupos estão cada vez mais se vinculando às facções nacionais, principalmente o Comando Vermelho e o PCC, porque o atacado das drogas está na mão dessas grandes organizações. Elas fazem esse vínculo para conseguir vender o produto”, detalha.
 
 

Números em queda


Outras áreas da segurança pública em Minas Gerais tiveram variações significativas em 2023. Furtos e roubos de celular caíram 5,7%, com 50.544 registros. Em todo o país, foram 937.294 ocorrências desses crimes, o que representa quase dois celulares subtraídos por minuto. Belo Horizonte, com 1.089 furtos e roubos de celulares ano passado, é a 22ª cidade com maior incidência dos crimes entre as que têm mais de 100 mil habitantes.
 

 
Outra variação otimista no estado é a queda de 20,19% nos roubos e furtos de veículos, com 27.679 ocorrências em 2023. Contudo, Minas é o terceiro estado com mais registros destes crimes. Os resultados são melhores apenas do que os de São Paulo, com 131.729 casos, e Rio de Janeiro, com 38.825.


Em todo o Brasil, os crimes de roubo caíram em todas as categorias (de celular, de veículos, de cargas, de transeuntes, de residências e de comércios). Em contrapartida, os crimes de estelionato cresceram 8,2%, sendo registrado um golpe a cada 16 segundos pelo país. Foram 1.965.353 registros em 2023.
 

Mais violência


Os crimes envolvendo populações vulneráveis e marginalizadas tiveram crescimento em Minas. Os registros de injúria racial saltaram 45% no estado, destoando da queda nacional, que foi de 15%. Os casos de racismo também cresceram no estado (99%), numa crescente maior do que a do restante do Brasil (78%).

 
Para os pesquisadores responsáveis pelo anuário, o aumento pode ter sido causado por causa da sociedade ter investido, nos últimos tempos, no enfrentamento ao racismo. “O mais ajustado para interpretar esse aumento nos registros é afirmar que maior atenção tem sido dada àquele tipo penal”, afirmam os especialistas.
 
 
 
Outro número que teve aumento foi o de homicídios dolosos contra pessoas LGBTQIAPN+, que saltou 113% em Minas no ano passado. O estado é o quarto colocado no ranking nacional deste crime. Os registros de estupro contra essa população também cresceram, numa variação de 42,9%.


Os crimes de estupro e estupro de vulnerável, independentemente da sexualidade e gênero da vítima, aumentaram 10,4% no estado - também acima da média nacional, que cresceu 6,5%.


Todas as modalidades de violência contra mulheres cresceram no Brasil. O destaque ficou com o crime de importunação sexual, que aumentou 48,7%, com 41.371 em 2023. Os casos de feminicídio foram 1.467 - aumento de 0,8%.
 
 

Outro lado


Em nota, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) destacou que, apesar do aumento nas mortes violentas, o estado tem a quarta menor taxa no cenário nacional, ficando atrás apenas de São Paulo, Santa Catarina e Distrito Federal. A pasta também informou que Minas “fechou 2023 com uma redução de 13% nos crimes violentos, o que significa mais de 4.700 registros a menos, no último ano, de crimes como roubo, estupro, lesão corporal, sequestro e cárcere privado, entre outros, na comparação com 2022. O dado segue tendência acumulada desde 2019, com redução em mais da metade (-54,5%) das estatísticas de criminalidade violenta”.
 
 
A Sejusp também destacou algumas das iniciativas para o combate à criminalidade, entre elas o trabalho coercitivo e preventivo realizado pela Polícia Militar, especialmente das Patrulhas de Prevenção a Homicídios, e o trabalho investigativo realizado pela Polícia Civil. Outro programa destacado é o Fica Vivo!, que envolve jovens de comunidades de maior vulnerabilidade. “Para se ter uma ideia, em 2023, o programa apresentou uma redução de 9,4% nos registros de homicídios entre jovens de 12 a 24 anos em suas áreas de atuação”, enumera a pasta.
 
 
Por fim, a secretaria cita a Agência Central de Inteligência, criada para promover maior coordenação e trocas de informações no mapeamento de organizações criminosas e “indicações de ações que possam atuar como pronta resposta ao crime”.
 
* Estagiária sob supervisão de Renata Galdino
 
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