De cela em cela no Complexo Penitenciário Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Fergus fareja atentamente cada espaço. Sempre que percebe um cheiro diferente, a minúcia do pastor malinois se torna uma ira alarmante, direcionando os agentes aos mais distintos objetos, que podem estar ocultos aos olhos humanos, mas não passam ilesos pelo faro aguçado de um dos melhores cães policiais de Minas Gerais.


Conhecido por ter um temperamento intenso e acentuados impulsos de caça, Fergus esteve em mais missão recentemente. Durante a Operação K, deflagrada pela Polícia Penal do estado em busca de drogas da família K em presídios, sua eficácia fez a diferença.


Colocado em ação, o pastor caminhou sem pressa até parar repentinamente de frente a uma parede. Do outro lado, estava um único celular escondido. Em cima da cama, uma sacola com rolos de papel higiênico chamou a atenção. O cão apontou para os itens de forma repetitiva, e quando a embalagem foi aberta, a letra K estava grafada nos papéis.


Os entorpecentes desse grupo supostamente seriam a causa da morte por overdose de 13 detentos nas unidades prisionais mineiras. Cerca de 145 pontos da substância foram encontrados pelo cão e seus quatro companheiros de equipe – Aquilles, Holt, Thanus e Escuridão. Outras drogas como crack, maconha, cocaína e mais celulares e aparelhos eletrônicos também foram apreendidos.


Tudo pela recompensa


Fergus significa “homem de força”. Apesar do nome imponente escolhido pelos policiais penais do Canil Central, o cão é menor e mais magro do que os outros da unidade. Os curiosos olhos cor de mel evidenciam a ingenuidade de quem não sabe o valor da própria contribuição para as políticas anti drogas na segurança pública estadual. 

 




Afinal, para ele, é tudo pela recompensa: seu travesseirinho de brinquedo favorito e um carinho dos agentes.


No treinamento, tábuas de madeira fazem alusão às paredes das celas, luvas cirúrgicas se tornam ferramentas para isolar o odor e até ralos para banheiro feitos de plástico têm uma função na estrutura improvisada do Canil Central. A equipe usa o método Nose para recriar os cheiros que desejam ensinar aos cães. O dispositivo do tamanho de um dedo humano reproduz qualquer odor e evita o contato dos animais com drogas reais na rotina de treinamento.


A equipe esconde o “nose” dentro de uma luva cirúrgica atrás da “parede” e o cão precisa apontar o local exato em que perceber qualquer cheiro diferente. Fergus não leva cinco segundos para cumprir a missão e repete o desafio várias vezes, sem cansar. A alegria do animal em atingir o esperado e receber a recompensa é a mesma dos policiais penais que celebram a cada pequena vitória o dever cumprido.


Melhoramento genético


O dia a dia de Fergus é no Complexo Penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, na Grande BH. Por lá, ele participa dos banhos de sol como um cão de dupla função, operando da detecção e na atividade ostensiva caso seja necessário. Pela manhã, Fergus corre com o treinador. Além da alimentação balanceada e acompanhamento como veterinário, o cão recebe escovação diária para manter o pelo limpo e bonito.


O “menino dos olhos” da corporação é parte do programa de melhoramento genético da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp). Fergus é o símbolo dos estudos e pesquisas da pasta destinados ao combate às drogas nos presídios mineiros, resultado do cruzamento dos pastores malinois Royce, o cão da Polícia Penal com maior número de êxito em operações, e Athena. 


Os frutos dessa relação são, além de Fergus, Toruh, Vega e Conan. Os filhotes ficam com a mãe na unidade de origem dela até os três meses e, quando atingem a idade ideal, são redistribuídos para os outros 35 canis do estado de acordo com a necessidade.


Família é um assunto que Fergus entende bem. Treinado pelo policial penal Enéas da Cruz desde o nascimento, eles compartilham as muitas horas de trabalho, mas é na folga que a relação de amizade e cuidado fica mais evidente. Ao encerrar a supervisão nos banhos de sol na Nelson Hungria, Fergus poderia, se quisesse, se juntar aos outros cães para brincar, mas a escolha dele é outra: vai direto para Enéas, que conta orgulhoso. “Se eu estiver presente, ele prefere ficar comigo”, comenta.


“É um cão que está no coração. Já treinei vários, estou nesse sistema desde 2008, mas eu e o Fergus temos algo especial. Ele é ligado a mim e eu a ele.” E essa convivência irá além do ofício. Quando se aposentar, Fergus vai aproveitar o merecido descanso ao lado de Enéas e sua família, que conta o tempo para adotar de vez o parceiro.


Olfato e força


O cão de faro é especialista em localizar materiais ilícitos como drogas, aparelhos celulares ou explosivos que, porventura, tenham entrado nas unidades prisionais. Já o cão de captura é usado nas rondas de rotina ou na escolta durante o banho de sol, auxiliando em possíveis contenções, impedindo tentativas de fuga e, até mesmo, na busca e captura de foragidos.

No início, os cães aprendem obediência de comandos básicos e socialização com os policiais. 

Conforme vão crescendo, recebem treinamentos específicos para as funções que irão desempenhar.


Minas Gerais possui mais de 280 cães que atuam na Polícia Penal, distribuídos em 36 canis, sendo 30% de dupla função, capacitados tanto para buscas e apreensões quanto para a atividade ostensiva.


Operação K


Em abril, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen-MG) registrou que as mortes de detentos geraram suspeitas do uso excessivo de drogas da família K. Segundo o secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública, Rogério Greco, existe uma resistência dentro das celas em relação a esses entorpecentes. 


“Temos informações de inteligência que revelam a recusa dos próprios presos em querer esse tipo de droga circulando nas unidades”, diz.


A Polícia Civil de Minas Gerais(PCMG) informa que as investigações sobre as mortes em decorrência da droga K ainda seguem em andamento e esclarece que aguarda a finalização dos laudos da perícia.


* Estagiária sob a supervisão do subeditor Rafael Rocha

 

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