Um dos mandantes de orquestrar a chacina durante uma festa de aniversário no Bairro Areias de Baixo, em Ribeirão das Neves, na Grande BH, em 23 de maio deste ano, defende que não autorizou que homens atirassem em crianças. A afirmação está em um áudio vazado feito por “Paulinho Santan”, da Penitenciária Nelson Hungria, onde está preso, que a reportagem da TV SBT/Alterosa teve acesso. Heitor Felipe Moreira de Oliveira, de 9 anos, e Laysa Emanuele, de 11, foram baleados por dois homens armados que invadiram o local onde acontecia a comemoração. Além das crianças, o pai do menino também morreu, e outras três pessoas ficaram feridas.
No início de julho, durante coletiva de imprensa, a Polícia Civil informou que o ataque à comemoração teria sido encomendado por traficantes dos bairros Morro Alto, em Vespasiano, na Grande BH, e Joana D’Arc, no Barreiro, na capital. Oito pessoas foram indiciadas por homicídio qualificado. Dos apontados como responsáveis, três estão presos. Dentre eles “Paulinho Satan”, que já estava detido. Os demais estão foragidos.
Nos áudios em que a reportagem teve acesso, o homem apontado como chefe do tráfico de drogas na Região do Barreiro afirma que pediu que os executores não “fizessem besteira” e entrassem na festa pensando nas crianças. Em outro momento, Paulinho afirma que não tem como provar o que está falando porque jogou o celular fora durante uma possível revista em sua cela.
“A todo momento irmão, eu pedi os menino pra não fazer besteira, pra não entrar lá porque tinha criança. Eu tô com os mano aqui que presenciou. As minhas provas irmão, é a minha palavra que eu posso passar para vocês [...] Eu já não tava mais na visão irmão. Não teve aval meu para entrar lá e dar tiro na criança. Sabe por causa de que não tem mais essas ideia que eu mandei os mano ir embora, porque não tem mais, por causa que quando rolou esse b.o aí os bota começou aqui e nós desfez do telefone (sic)”, diz o traficante.
De acordo com o delegado Marcus Rios, a execução foi motivada pela disputa por um ponto de venda de drogas no Bairro Morro Alto. O responsável pelas investigações explicou que o homem que participou da organização da emboscada, de dentro da cadeia, foi expulso do esquema criminoso de Vespasiano há alguns anos e que, desde então, tinha vontade de voltar para a região. Do outro lado, o alvo principal dos ataques, Felipe Moreira Lima, pai do aniversariante, liderava um ponto de venda de entorpecentes na Grande BH, tinha uma desavença com outros traficantes do bairro e, desde então, estava sendo ameaçado.
Conciliando os interesses dos desafetos e do traficante detido em Contagem, os homens decidiram matar Felipe. “Com a morte do alvo principal, esses indivíduos esperavam que essa pessoa que havia sido expulsa da região alguns anos atrás poderia retornar assumindo uma liderança do tráfico em um determinado ponto do Morro Alto”, afirma Marcus Rios.
Ainda segundo as investigações, a morte das crianças não foi um “acidente” e sim o objetivo dos atiradores e dos mandantes. No plano de execução, os homens decidiram fazer o maior número de vítimas para passar um “recado” e que, eventualmente, houve alguma resistência por parte dos demais criminosos. “Todas as informações apontam que o crime foi praticado visando não só matar o alvo, que era o pai do aniversariante, mas também outras pessoas que estavam na festa, incluindo as crianças”, disse o delegado.
A premeditação do ataque foi gravada pelos próprios suspeitos. Nas imagens, feitas dentro de um carro, quatro homens passam pela rua onde acontecia a comemoração e debatem se ali seria o local onde o alvo estaria. Ao se aproximar do sítio, o motorista do veículo aponta para a decoração do local: “Cheio de serpentina lá.” Em seguida, o carona, que está fazendo as imagens, afirma que aquele era o lugar da festa: “Fechou, cheio de menino.”
O crime
A chacina aconteceu no fim da festa de aniversário de Heitor Felipe e sua irmã. Izaltina Luciana Moreira, mãe e avó de duas vítimas, conta que dois homens aproveitaram que o portão do sítio estava aberto e entraram no local, já disparando as armas, “sem olhar em quem estava atirando”. O pai dos aniversariantes foi atingido, ao menos, doze vezes por disparos e morreu no local.
Além de Felipe, Heitor e Laysa, outras três pessoas foram baleadas e encaminhadas a uma unidade de saúde, entre elas uma adolescente, de 13 anos, atingida na canela, uma jovem, de 19, ferida na nádega e uma mulher, de 41, baleada nas costas e cintura. Ontem, o delegado do caso informou que a mulher ainda está internada e seu estado de saúde é “delicado”.
Horas depois do ataque, o homem de 23 anos, reconhecido pelas testemunhas, deu entrada em uma Unidade de Pronto Atendimento, em Contagem, com ferimentos de disparos de arma de fogo no joelho, tórax e quadril. A polícia acredita que o suspeito foi atingido pelo próprio comparsa durante a luta corporal com as mulheres que tentaram impedir o ataque.
O suspeito foi transferido para o Hospital Municipal de Contagem, onde segue internado sob escolta policial. Na época, por meio de nota, a Polícia Civil informou que o suspeito detido foi autuado em flagrante por triplo homicídio qualificado, e recolhido no sistema prisional onde encontra-se à disposição da justiça.
Prisões
Os homens apontados como mandantes e executores do ataque são: Flávio Celso da Silva, vulgo “Alemão”; Leandro Roberto da Silva, o “Beirola”; Fabiano Alves Campos, o único que não tem apelido; Agnes Darnlei Santos Nascimento, o “Biscoito”, e Marcelo Alves Rodrigues, que tem duas alcunhas, “Tio Gordo” e “Bola Sete”. Entre os cinco, dois seriam mandantes e três, executores. Além deles, Ivone Silva de Almeida, de 42 anos, também foi indiciada por homicídio qualificado por motivo fútil. Ela foi identificada como a responsável por passar para os autores do ataque a localização da comemoração.
A mulher, presa na última sexta-feira (9/7), em Vespasiano, estava na comemoração, e sua filha foi uma das pessoas atingidas pelos disparos. Aos policiais, Ivone negou envolvimento no crime. No entanto, conforme o delegado Marcus Rios, as apurações indicam que ela tinha um atrito pessoal com o pai do pequeno Heitor, mas mesmo assim tinha amizade com sua esposa. “Essa mulher é uma pessoa de boa circulação na região do Morro Alto, tanto com as vítimas quanto com os mandantes. Ela foi ouvida e negou os fatos, mas as provas dos autos não deixam dúvidas”.
Em 28 de junho, a Justiça de Minas Gerais aceitou a denúncia contra eles e Ivone Silva de Almeida, de 42 anos, identificada como a responsável por passar para os autores do ataque a localização da comemoração. A decisão foi proferida pela juíza Fernanda Chaves Carreira Machado, da 1ª Vara Criminal e do Tribunal do Júri de Ribeirão das Neves, a partir de uma denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
A identificação dos homens apontados como responsáveis pela chacina foi feita a partir de vídeos a que a Polícia Civil de Minas Gerais teve acesso e mostram quando os criminosos se aproximavam do local da festa e fizeram comentários. Em outra gravação, “Alemão” aparece empunhando um revólver, já dentro da festa. Os mandados de prisão para os cinco suspeitos foram emitidos pela Justiça, com base em um relatório da corporação. Um sexto envolvido, Yago Pereira de Souza Reis, de 24 anos, está preso. Ele foi baleado no dia do crime e capturado.
Sonhos interrompidos
Em suas redes sociais, Heitor Felipe compartilhava sua trajetória no esporte e afirmava que não iria desistir do sonho de ser atleta. Ao Estado de Minas, Tamyres Moreira, tia do menino, contou que, como a maioria da família, ele era Cruzeirense mas vestia a camisa alvinegra para jogar “com amor e orgulho”. “Nós sempre brincávamos com ele com essa diferença dos times, de torcer para o rival do que estava jogando, mas ele sempre respondia que era ‘trabalho.”
Além de apaixonado por futebol, Heitor também amava a família. A tia lembra com carinho que se fosse por ele, levantava às 5 horas da manhã para ir treinar e quando pedia a benção dos familiares sempre dava um beijo na mão da pessoa.
“Ele não tinha preguiça, o negócio dele era a bola desde que se entendia por gente. Ele nunca brincou de outra coisa. Não é porque é meu sobrinho, mas ele é uma criança iluminada. Um menino educado”, recorda.
Assim como o primo mais novo, Laysa Emanuele também tinha um sonho de carreira e queria ser advogada. Segundo a tia, Luna Milla, a menina era estudiosa e “nunca dava trabalho”. O irmão de Laysa também estava na festa, no momento do atentado ele teria corrido para um banheiro para se proteger. “Ela era uma menina boa, alegre e extrovertida. Perdeu a vida muito cedo, ninguém esperava uma tragédia dessa acontecer.”
Procura por justiça
Felipe e a família já estavam recebendo ameaças de morte há alguns meses. Conforme familiares, além do ataque na festa dos filhos em, ao menos, outras duas ocasiões tentaram atingir o homem. Em uma das vezes, a casa de uma tia da vítima foi alvo de disparos de arma de fogo, na ocasião um primo foi atingido. Na segunda tentativa, suspeitos teriam planejado uma emboscada, mas a ação foi interceptada pela Polícia Militar.
“Ele já estava sofrendo ameaças, no entanto que a festa não teve pessoas de fora, foram só parentes e alguns amigos do Heitor. Justamente para evitar qualquer represália. Estamos sofrendo pelo meu irmão, mas estamos sofrendo mais ainda pelo meu sobrinho. Ele só tinha 9 anos. Uma pessoa que fez isso é um monstro, não tem justificativa”, lamenta Tamyres Moreira.
A morte das crianças e o ataque à uma festa infantil comoveu não só a comunidade em que viviam mas também outras regiões. A perda dos sonhos e futuro das vítimas aumenta a revolta das famílias e o sentimento pela procura de justiça. Em um vídeo que circula nas redes sociais, a mãe de Heitor Felipe aparece desolada ao lado do corpo do filho. Com alguém no celular, a mulher, de 27 anos, fala: “Acabaram com a minha vida. Mataram o meu filho, minha sobrinha”.
“Meu irmão era uma pessoa que sempre se preocupou e cuidou da família, porque ele era o mais velho de quatro filhos. Os problemas todos ele pegava para resolver. Ontem eu fiquei o dia inteiro com ele, curtindo a festa. Independente de qualquer coisa errada, ele era meu irmão, ela era pai, um filho”, conta a irmã de Felipe.
O crime também instigou um possível conflito entre facções criminosas. De acordo com uma testemunha que mora no Bairro Morro Alto, que preferiu não se identificar, os conflitos na região ocorrem há meses. À reportagem, ela narrou o clima de tensão e falou sobre o policiamento constante da área. "Tá rolando uma guerra há meses. Eles estavam dando tiro ao menos três vezes por dia. Agora com essa morte, as facções querem fazer vingança pelo filho dele que morreu. Aqui está um clima tenso. A noite não tem ninguém na rua e a polícia passa toda hora", conta.
À reportagem, Tamyres Moreira, tia do Heitor, disse que a família não tem relação com os boatos de vingança. "Sobre essa questão de vingança, a família não tem nada a ver. São boatos de internet, nós não sabemos. O que nós queremos é justiça, a gente busca por justiça. Isso é um crime que revoltou tanto a população, a família está destruída, quanto os policiais. Eu perdi meu irmão, meu sobrinho, perdemos outra criança. Perdeu pai, perdeu filho. Foi uma destruição para gente, independente de qualquer coisa.”
*Com informações de TV Alterosa