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Noroeste e Norte de Minas Gerais, trijunção Minas, Bahia e Goiás – O desmatamento, os incêndios e as atividades predatórias, ao mesmo tempo em que vão consumindo o sertão das Gerais, privam os sertanejos de costumes e atividades tradicionais. Há, porém, bolsões de resistência e preservação que tentam conter o avanço da degradação e dar uma chance à fauna, à flora e às águas de se recuperar – ou pelo menos de manter sua integridade nessas áreas.


Isso ocorre graças a esforços pontuais, mas sobretudo nas unidades de conservação em áreas descritas pelo romance “Grande sertão: veredas” (1956). É o que mostra a 12ª reportagem da série “Veredas mortas”, do Estado de Minas, nome inspirado no primeiro título proposto por Guimarães Rosa para sua obra-prima, há 70 anos, e que hoje soa como alerta urgente.


Conta a história que a ideia de criar a unidade de conservação que mais simboliza as áreas de cerrado e caatinga do Noroeste e Norte de Minas Gerais e da trijunção Minas, Bahia e Goiás – descritas no Romance de Rosa – nasceu bem ao estilo mineiro, em uma mesa de bar, em 1977. Os ambientalistas Ângelo Machado e Célio Vale levaram a proposta adiante.

 



 

Mas, apenas quando a Presidência da República esteve sob o mandato de José Sarney foi que a preservação dessa grande área foi oficializada, em 1987, dada a paixão do integrante da Academia Brasileira de Letras pelo romance de Rosa, outro imortal. Assim surgiu o Parque Nacional (Parna) Grande Sertão Veredas. Unidade federal de proteção integral – cujo objetivo é preservar a natureza totalmente, admitindo apenas usos indiretos de recursos naturais – a reserva tem 230 mil hectares e é administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

 

 

Dirigindo-se de cor por bifurcações e entradas quase escondidas pelas arenosas e labirínticas estradas da unidade, o chefe do Parna Grande Sertão Veredas, Peterson Almeida, mostra como ainda é um desafio se aventurar sem preparo adequado pela unidade de conservação. “A parte mineira tem muitos rios e córregos. São muitas veredas preservadas. Já na Bahia é mais seco. As estradas de acesso podem se confundir com outros caminhos e antigas estradas que não estão mais em uso. Por isso, é importante que os visitantes tenham guias locais. É fácil se perder só com uso de GPS”, alerta.


A unidade de conservação é cortada de Oeste a Leste pelo Rio Carinhanha, afluente derradeiro do Rio São Francisco em Minas Gerais, muito citado na obra “Grande sertão: veredas”, por ser o delimitador dos domínios do antagonista Hermógenes. O rio produz um dos espetáculos mais belos da região nas épocas chuvosas, quando está cheio e recebe as águas do Rio Preto.

 

 

Cachoeira dentro do Parque Nacional Grande Sertão Veredas: espetáculo natural no interior de bolha de preservação

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


Fontes de vida para nadar em natureza

No Parque Nacional Grande Sertão Veredas, as águas do Rio Cariranha e do Rio Preto seguem se misturando lentamente, um barrento e o outro escuro, como sugere o nome, por quilômetros. O Rio Preto é um berçário de peixes de vários tamanhos. Um convite a um banho refrescante sob o calor do sertão. Mas não é todo mundo que se arrisca. “O pessoal nativo tem um medo danado das sucuris que existem no parque e nadam pelos rios. Por isso, só se banham com cuidado. Quando saem do rio, andam de costas, voltados para a água, com medo de serem enrolados e abocanhados pelas cobras”, conta Peterson Almeida.

 


Por esse motivo, boa parte dos visitantes prefere se banhar na Cachoeira Mato Grande, um curso em vários patamares com quedas em lajes de pedras que esquentam com o Sol, tornando a água muito agradável. Fica próxima a mirantes magníficos, de onde se admira a extensão verde do parque, a perder de vista. Bem diferente de cenários que a equipe do Estado de Minas testemunhou pelo sertão, com veredas secas, agonizantes ou mortas, algumas de beleza antes destacada por Guimarães Rosa em sua obra, como a Vereda do São José, em Três Marias.


Enveredar pelos caminhos arenosos dentro do cerrado preservado transporta imediatamente os visitantes para as descrições da obra do escritor. “Nestes cenários, me lembro de passagens de 'Grande sertão: veredas', nas quais os jagunços se banhavam. E Diadorim precisava tomar banho em separado, dizendo que era para não perder o corpo-fechado. Mas era para não descobrirem que era mulher. Fico imaginando que daria para nadar em vários locais por aqui, só com a natureza, sem o perigo de descobrirem seus segredos”, diz Peterson Almeida, gestor do parque.


Os tesouros ambientais do cerrado, preservados em unidades como o Grande Sertão Veredas, são locais em que buscam refúgio vários animais silvestres hoje ameaçados de extinção, como cervo-do-pantanal, lobo-guará, pato-mergulhão, onça-pintada e onça-parda. “Nosso pior inimigo é o fogo que vem de ações criminosas. Sobretudo os braços de vereda, por terem solo de turfa, são as maiores preocupações”, diz Peterson Almeida.


“Esse tipo de incêndio no solo, por baixo da vereda, pode destruí-la com o tempo, derrubar os buritis e durar meses se não for combatido imediatamente. Apenas 20% dos incêndios vêm de causas naturais, como raios. O restante tem causa criminosa”, destaca o chefe do Parna.


A importância das reservas

 


Pesquisa realizada no Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu e no sertão mineiro pelo Instituto Biotrópicos, durante seis anos, revelou que os parques dessas regiões são essenciais para proteção de animais ameaçados de extinção e de grande porte. Tamanduás-bandeira, antas, lobos-guará e onças-pardas são pelo menos cinco vezes mais comuns em unidades de conservação de proteção integral do que em áreas com menor nível de proteção.


No interior dos parques há pelo menos o dobro de espécies. “Vários desses animais são sensíveis aos distúrbios causados pelo ser humano, como o desmatamento, e por isso precisam de grandes áreas naturais protegidas”, diz trecho do trabalho.

Refúgio selvagem

Espécies ameaçadas que se abrigam no Parna Grande Sertão Veredas

Cervo-do-pantanal - Blastocerus dichotomus
Gato-maracajá - Leopardus pardalis mitis
Gato-palheiro - Leopardus colocolo
Lobo-guará - Chrysocyon brachyurus
Onça-parda - Puma concolor capricornensis
Onça-pintada - Panthera onca
Pato-mergulhão - Mergus octosetaceus
Rato-de-espinho - Carterodon sulcidens
• Tamanduá-bandeira - Myrmecophaga tridactyla
Tatu-bola - Tolypeutes tricinctus
Tatu-canastra - Priodontes maximus


Abrigos para a fauna

Estudos sobre a vida silvestre no sertão de Minas do Instituto Biotrópicos destacam que 80% de todas as espécies de mamíferos de maior porte do cerrado ocorrem nas unidades de conservação do extremo Norte mineiro. Na região do Peruaçu, por exemplo, ocorreu a redescoberta do cachorro-vinagre, espécie que era considerada extinta em Minas Gerais e sem registros desde dos anos 1840. Lá ocorreu também o único registro conhecido de um lobo-guará de coloração negra.

Fonte: ICMBio

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