Quais os significados das veredas nos livros de Guimarães Rosa?


As ficções de João Guimarães Rosa possuem múltiplos níveis de significado, e assim também são as veredas em sua obra. Nos níveis do “enredo” e do “cenário e realidade sertaneja”, como Rosa os chamava, as veredas constituem as principais vias de comunicação e transporte das personagens, uma vez que as trilhas e estradas costumam margear os rios, ribeirões, riachos e córregos, com suas matas ciliares pontilhadas de buritis. No sertão, como nas travessias oceânicas, é necessário respeitar as direções ditadas pelos elementos, além de nunca descuidar das provisões de água. A etimologia da palavra “vereda”, aliás, alude à natureza viageira desses caminhos, pois deriva de um velho termo germânico para “cavalo de viagem”. No nível da “poesia”, as veredas oferecem a Rosa a oportunidade de enriquecer o campo metafórico das narrativas com as cores, formas e vozes das plantas e bichos que as habitam. As veredas, nesse sentido, são os oásis em que Riobaldo, Miguilim, Lélio, Lina, Diadorim, Pedro Orósio e tantos outros fazem estação para descansar e refletir, fertilizando o rio da narrativa com a beleza de plantas como buritis, buritiranas, cipós e orquídeas, além de bichos como araras, papagaios, mutuns, serpentes e tatus, logo incorporados à alegoria rosiana da natureza. Finalmente, no nível “metafísico e religioso”, as veredas de Rosa correspondem aos lugares privilegiados do sagrado no sertão, por funcionarem como vias de conexão entre os elementos do céu e da terra, funcionando os motivos do buriti e do brejo como polos opostos e complementares do jogo entre ordem e desordem que organiza a arte demiúrgica do escritor cordisburguense.

 




O que representam as “Veredas Mortas” e por que elas integram as oposições que são uma das marcas do livro?


As “Veredas Mortas”, na verdade, nunca existiram, como constata Riobaldo no final de sua travessia. Foram sempre as Veredas Altas. Isto é, o feio sítio noturno onde o jagunço Tatarana pensa ter feito o pacto com o demônio, frio e embrejado, é ao mesmo tempo elevado e divino, como indicam seu nome “real” e a claridade do novo nome do grande chefe Urutu-Branco ali nascido. No sertão rosiano, tudo é e não é, e as Veredas Mortas/Altas carregam em seus topônimos essa dualidade fundamental, também contida na oposição entre buriti e brejo, entes contrários que ocupam o mesmo lugar no espaço. No mapa da “realidade sertaneja”, as Veredas Mortas/Altas se localizam nas vertentes da bacia do Paracatu, rio associado às grandes batalhas do romance.

 


O que mais o impressionou no trabalho de estabelecimento do texto da mais recente edição de “Grande sertão: veredas”?


O extremo cuidado e sutileza com que Rosa entalha as palavras, desde seus famosos neologismos até os nomes próprios das personagens, mobilizando acentos e diacríticos. Por outro lado, foi surpreendente constatar que muitas passagens e palavras imortais do romance foram adicionadas ao texto já nos estágios finais da escrita, pouco antes da impressão do livro, e até mesmo nas provas tipográficas – como se Rosa atuasse como um pintor que retoca suas telas até o último momento, atento aos mais ínfimos detalhes e arabescos, mas sem perder a visão panorâmica do tema épico narrado. Nesse sentido, como no restauro de pinturas antigas, o estabelecimento de texto procurou retirar a pátina das alterações ortográficas que ocorreram desde os anos 1970 para oferecer aos leitores do século 21 a feição textual do romance em sua vigorosa configuração original.

compartilhe