BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) - Um programa da Polícia Militar de Minas Gerais que cria um sistema de pontuação e premiação - com folgas e elogios - para os agentes de acordo com a quantidade de prisões, apreensões e autuações de trânsito efetuadas se tornou motivo de críticas entre parlamentares e especialistas.

 

O PIP (Programa de Incentivo à Produtividade) estabelece quantos pontos o PM soma em cada ocorrência em que atua. No sistema, os policiais podem ser recompensados com 20 pontos quando são responsáveis pela prisão e apreensão em casos de morte violenta, por exemplo.

 

Eles também recebem 2 pontos por veículos apreendidos e removidos e 0,5 para carros multados. Quando há crime violento no turno do policial e não ocorre a prisão, são descontados 10 pontos.

 

As pontuações são compiladas e, ao fim do mês, o policial mais bem qualificado tem direito a uma folga. Ao fim do trimestre, o líder do ranking recebe uma nota meritória, e no fim do semestre, um elogio individual.

 



 

Um documento com a tabela das pontuações foi apresentado pelo deputado estadual Sargento Rodrigues (PL) em audiência da comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de minas Gerais, que contou com a presença do comandante-geral da corporação, o coronel Rodrigo Piassi do Nascimento, em 17 de julho.

 

Para o deputado estadual, o sistema cria uma espécie de "indústria da multa".

 

"Em vez de o policial focar em retirar o delinquente da rua e apreender armas, ele prefere multar, porque é mais fácil, não está correndo risco de tomar tiro", afirmou Rodrigues, que foi da PM por dez anos.

 

 

O tenente-coronel Flávio Santiago, chefe do centro de jornalismo policial da PM, afirma que o programa compete à Polícia Militar Rodoviária Estadual e tem como objetivo incentivar a produtividade da corporação.

 

"O foco está sendo colocado no auto de infração de trânsito, mas esse é um pequeno recorte de um número grande de incentivos. Não há nenhum foco na captação financeira, fazendária, ligada ao que se paga por conta dos autos de infração gerados", diz o tenente-coronel.

 

Ele ainda afirma que os autos de infração podem ser somados apenas cinco por mês por policial.

 

"Então não existe essa coisa de indústria da multa, de quanto mais, melhor", diz Santiago.

 

Para Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sistema de pontuação parece ser pouco elaborado e incentiva mais a prisão do que a prevenção.

 

 

"Ações preventivas geram dois pontos, e a prisão, 20. Ou seja, o sistema incentiva não a prevenção, que é a função da Polícia Militar, mas que o crime aconteça e você prenda a pessoa que cometeu o crime", afirma Alcadipani, que também é professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

 

Ele diz que há relatos de sistemas de incentivo dentro da PM de uma maneira mais informal, mas que programas documentados, como é o caso de Minas Gerais, são raros.

 

"Uma meta que poderia ser aplicada e que é utilizada internacionalmente é com pesquisas de opinião acerca da confiança da população na polícia de Minas Gerais dividida por cidades ou bairros. Mas metas de produtividade assim, tão explícitas, historicamente dão problemas", afirma.

 

O especialista chama a atenção para os efeitos que um sistema de pontuação pode gerar na atividade policial.

 

"Quando a gente fala em evitar crime violento na região ou redução nos acidentes de trânsito, é uma situação. Mas nos casos em que incentiva a aplicação de multas e prisões, pode haver uma forçação de barra que possa aviltar [diminuir] o direito das pessoas", diz Alcadipani.

 

O sistema incentiva não a prevenção, que é a função da Polícia Militar, mas que o crime aconteça e você prenda a pessoa que cometeu o crime.

 

O tenente-coronel da PM nega a possibilidade de que a pontuação possa alterar os procedimentos dos policiais.

 

"Para qualquer ação que fuja da legalidade nós temos uma Corregedoria forte. A gente quer que prenda o infrator, nunca uma pessoa aleatória. Trabalhamos com estatística e não temos uma situação desse nível. Em Minas Gerais não acontece", diz Santiago.

 

 

O deputado Sargento Rodrigues ainda critica o item que desconta pontos do policial quando há um crime sem a prisão no mesmo turno. Ele afirma ser injusto com uma corporação que enfrenta um déficit de pessoal e que em situações operacionais a competência da polícia não pode invadir a de outras instituições.

 

"A PM age no momento da ocorrência, mas ela não pode prosseguir com a investigação, que é atribuição da Polícia Civil, então não é possível exigir um sucesso na prisão dessa forma", afirma.

 

Para qualquer ação que fuja da legalidade nós temos uma corregedoria forte. A gente quer que prenda o infrator, nunca uma pessoa aleatória.

 

Rodrigues ainda alega que o programa de pontuação é ilegal por ferir o artigo 34 da lei que rege o estatuto dos militares de Minas Gerais, cujo trecho diz que "somente a lei poderá condicionar o exercício de direito, impor dever, prever infração ou prescrever sanção."

 

Para o deputado, quando o sistema, que não tem poder de lei, concede e desconta pontos do policial, ele impõe um dever e prescreve sanção ao agente.

 

Já a da advogada Maria Fernanda Pires, especialista em direito público, afirma que o sistema é legal, apesar de questionar o seu mérito.

 

"Programas de incentivo à produtividade são uma alternativa que tem sido muito utilizada pela administração pública dentro da linha da meritocracia", diz a advogada.

 

"Mas o núcleo desse sistema é muito equivocado, porque muito mais do que sancionar, a ideia primeira é prevenir. A punição é a última das prerrogativas, é uma competência da polícia, mas ela não é a primeira. Então, você vai premiar como mais produtivo aqueles que efetivamente punem mais?", questiona Pires.

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