O pequeno Otávio Ramos Bandeira, de apenas 1 ano e 5 meses, tem uma rotina diferente dos outros bebês de sua idade. Ele sofre de hemofilia, doença que prejudica a coagulação no sangue, e não pode se machucar devido aos riscos de sofrer uma hemorragia. Aos 8 meses, Otávio já aprendeu a engatinhar, mas em cima da cama, pois a mãe, Márcia Serafim, tinha medo de ele se machucar. Com um aninho, ele começou a andar, no entabto, com capacete, joelheiras e cotoveleiras.
Moradora de Santo Antônio do Jacinto, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, Márcia conta como foi a descoberta da doença do filho. De acordo com ela, que tem outras duas filhas, de 12 e 17 anos, a terceira gestação foi um pouco mais difícil. No dia do parto, os profissionais da saúde não fizeram a coleta de sangue umbilical, então, fizeram a tradicional, no próprio braço do recém-nascido.
No dia seguinte ao nascimento, uma enfermeira identificou que o braço do bebê estava com um grande hematoma e suspeitou que tivesse quebrado. Ela questionou a mãe sobre o que tinha acontecido e reportou à pediatria, que analisou o caso e perguntou à mãe se havia histórico da doença na família. Foi quando uma tia de Márcia, que estava presente, confirmou a informação. A partir daí, os cuidados e preocupações se tornaram constantes.
Em entrevista ao Estado de Minas, a mineira conta o desespero que sentiu diante da situação. Nem mesmo as primeiras vacinas que são tomadas ao nascer foram aplicadas no bebê. Diversos médicos foram acionados para dar uma opinião sobre o caso até recomendarem que a família fosse a Belo Horizonte, a cerca de 900km de distância, para se consultar com um especialista. Um dia depois de realizar uma cesariana seguida de laqueadura, Márcia viajou por cerca de 12 horas para Sete Lagoas, na Região Metropolitana, para cuidar do filho.
“Sete dias após o nascimento, recebemos o diagnóstico. Ele era hemofílico A grave, mas eu não sabia nada sobre o assunto, então, me explicaram que ainda não poderiam fazer nada, porque ele era muito novinho. Falaram que a gente teria os cuidados com o bebê como sempre, que ele não poderia se machucar e só dos nove meses em diante é que poderia ser feita profilaxia”, relata.
Desde então, a mãe de Otávio o levou para Belo Horizonte uma vez a cada dois meses para tratamento no Hemominas, mas, além das precauções no dia a dia, o tratamento também é repleto de dificuldades. Mesmo sem se machucar, os hematomas apareceram no corpo da criança com frequência, além de ele não ter veias fáceis de serem encontradas.
Superproteção
Márcia explica que devido à gravidade da doença, ela toma muitos cuidados com a rotina do bebê, o que é cansativo, mas necessário.
“É muito medo, sabe? É viver com medo o tempo todo. Eu saio para trabalhar e a minha filha mais velha fica com ele, mas eu fico com medo e toda hora eu mando mensagem pra saber como ele está”, diz.
Segundo ela, Otávio não vive as descobertas da idade, pois ela tem muito medo de que algo aconteça e que ela precise socorrer o bebê. Nas poucas vezes que ele anda, está sempre com os equipamentos de segurança e com a supervisão da mãe, que já passou alguns apuros devido à doença.
“Uma vez uma babá deixou ele cair e bater a testinha no chão. Fui em uma cidade vizinha para cuidar dele, mas os profissionais não achavam veia. Furaram mais de 10 vezes. Ele ficou com a testa inchada e roxa e o médico pediu para voltar ao hospital. Ele estava com inibidor positivo, ou seja, estava rejeitando a medicação, então, colocaram outra medicação, mas em todos os locais que eles tinham tentado furar, apareceram hematomas”, conta.
Outra vez, quando os dentes do bebê estavam nascendo, ele mordeu algo mais duro e teve um pequeno sangramento por sete dias seguidos. Inicialmente, o sangramento na gengiva durou dois dias, com uma pausa de quatro dias e, depois, por mais sete dias. Agora, a família espera a gratuidade de uma medicação para proporcionar uma qualidade de vida melhor ao filho.
Doença e tratamento
A hemofilia é uma doença hemorrágica genética, caracterizada pela deficiência da coagulação no sangue, com maior incidência em homens. Pacientes com as formas grave e moderada da doença apresentam sangramentos desde a infância. O Ministério da Saúde orienta que o diagnóstico seja realizado precocemente para que os pacientes sejam tratados adequadamente o mais cedo possível.
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Existem dois tipos de hemofilia – a hemofilia do tipo A, como a de Otávio, e a do tipo B. O primeiro tipo ocorre quando a pessoa tem deficiência do fator VIII, sendo que a hemofilia B é caracterizada pela falta do fator IX da coagulação, componentes importantes que ajudam na coagulação do sangue. A ausência desses fatores ocorre devido a uma mutação nos genes responsáveis pela produção deles, que estão no DNA de cada pessoa, no núcleo das células.
Na maioria das vezes, existem outros homens na família com história ou diagnóstico da hemofilia. Até 2021, havia 11.141 pacientes com hemofilia A e 2.196 pacientes com hemofilia B, cadastrados no Sistema Hemovida Web Coagulopatias (SHWC) do Ministério da Saúde, a quarta maior população de pacientes com hemofilia registrada mundialmente, de acordo com dados da Federação Mundial de Hemofilia.
As hemofilias são classificadas como grave, moderada ou leve, conforme a intensidade da falta do fator VIII ou fator IX, que pode variar em cada paciente. Nos casos graves e moderados, que são aqueles em que os níveis destes fatores estão mais baixos, os sinais e sintomas aparecem nos primeiros anos de vida da criança e os sangramentos mais comuns são a hemorragia para dentro das “juntas”, aparecimento de “manchas roxas” no corpo e hematomas.
O tratamento da hemofilia é integral e gratuito no Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente por meio da reposição do fator de coagulação deficiente, concentrados de fator VIII (para hemofilia A) ou IX (para hemofilia B) por injeção venosa. Estes concentrados são adquiridos pelo Ministério da Saúde e distribuídos aos centros de tratamento de hemofilia de cada Estado e Distrito Federal.
No entanto, como Otávio não possui veias aparentes, a mãe aguarda a liberação do emicizumabe pelo Sistema Único de Saúde (SUS), uma medicação subcutânea menos invasiva para o bebê. Atualmente, uma caixa com um frasco-ampola com 1mL de solução custa pelo menos R$ 22 mil, segundo apuração do Estado de Minas.
Segundo a Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), o emicizumabe recebeu a recomendação final de incorporação no SUS para tratamento profilático de pacientes com hemofilia A, moderada ou grave, e anticorpos inibidores do Fator VIII, sem restrição de faixa etária, exceto aquelas em tratamento de indução à imunotolerância em agosto de 2023.
A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com o Ministério da Saúde para saber se há previsão para a liberação do remédio para pacientes hemofílicos e não obteve retorno até a publicação da matéria.