Decretado como o Marco Zero oficial de Belo Horizonte na semana passada, a Igreja da Boa Viagem apresenta pontos de deterioração e infiltração que prejudicam a preservação do patrimônio histórico. A burocracia é apontada pelo reitor da catedral, padre José Cícero Marques Júnior, como um dos principais obstáculos. “Não estamos aqui falando só de religião, de igreja. Estamos no berço de Belo Horizonte. Então, preservar a igreja é preservar a história e a cultura da cidade”, afirma o pároco.
A igreja, que completou 100 anos em dezembro de 2023, passou por uma restauração interna que foi finalizada em 2020. Apesar de recente, já é possível ver as marcas deixadas pela infiltração, uma vez que a reforma da parte externa foi programada para depois .
Em visita ao santuário, a reportagem do Estado de Minas pôde observar marcas de infiltração na moldura das janelas laterais do altar e áreas em que a tinta do teto já começa a descascar. Segundo o padre José, na última temporada de chuvas, entre dezembro e março deste ano, a quantidade de água que infiltrou foi tanta que foi preciso usar baldes para evitar que o piso também se molhasse.
Por não ter passado por nenhum processo de restauro recente, o exterior do templo está em pior estado de conservação. Além da necessidade de uma nova pintura, é possível observar finas rachaduras nas paredes. Faltam peças de vidro na cruz acima da entrada principal e o adorno final em alguns pináculos. Um pináculo, inclusive, corria o risco de cair e teve que ser restaurado em medida emergencial.
O desgaste em certas quinas é tanto que é possível ver até mesmo a estrutura metálica de sustentação. Uma parte à direita da entrada principal está especialmente comprometida: “Eu espero que não caia em cima de ninguém, mas é um pedaço que me preocupa muito. Ano passado caiu bastante e tivemos até que interditar essa parte por causa disso. Não vou arriscar a integridade dos nossos paroquianos e turistas”, comenta o pároco.
A manutenção da praça que circunda a igreja é de responsabilidade da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH). No dia da visita, a grama havia acabado de ser cortada, deixando à mostra grandes formigueiros, mas a grande preocupação, em especial dos devotos, é a falta de segurança.
“Está colocando em xeque uma obra de 86 anos que poucas igrejas no mundo têm, que é a oração 24 horas. Os adoradores deixam o carro na Rua Sergipe, só que é muito escuro à noite. Só na semana passada quatro carros de adoradores foram arrombados”, relata padre José.
Processo de restauro
O conjunto paisagístico e arquitetônico da Igreja Nossa Senhora da Boa Viagem, composto pela nave, capela São Pedro Julião Eymard, casa paroquial e alojamento da adoração noturna, é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) desde 1977. O lavatório, que fica em um dos corredores laterais externos, é protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Isso significa que o processo de restauro deve seguir uma série de regras e parâmetros para garantir a fidelidade do monumento ao projeto original. Tal rigidez, apesar de necessária, pode ocasionar demora para o início das obras. É o que acontece com a catedral.
“Qualquer obra tem que ser aprovada pelo Iepha, pelo Iphan e pelo patrimônio do município. E aí a morosidade, né? Esperávamos que esses órgãos tivessem uma agilidade maior”, declara o reitor.
Um dos três orçamentos necessários para o processo de restauração já foi entregue, no valor de aproximadamente R$ 6 milhões. Para atingir o valor, Padre José conta que a catedral conta apenas com a doação dos fiéis e da comunidade.
Ele informa ainda que o santuário tem uma verba para receber do Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), mas que este está bloqueado desde o início da pandemia de COVID-19.
A reportagem entrou em contato com o Iepha e com o Iphan, responsável pelo Pronac, porém não obteve resposta até a publicação desta matéria.
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História
No século XVIII, ao chegar onde hoje se encontra Belo Horizonte, Francisco Homem del Rei construiu uma capela de pau a pique para abrigar uma imagem de Nossa Senhora da Boa Viagem. Na região, surgiu um vilarejo que viria a ser conhecido como Curral del-Rey.
A população saltou de 30 a 40 famílias para 18 mil habitantes. Também aumentou o número de devotos que iam até a pequena capela reverenciar a santa, mostrando a necessidade de uma estrutura maior. Os devotos ergueram, então, a Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, em estilo barroco e, em 1750, por Ordem Régia, foi criado o distrito chamado Nossa Senhora da Boa Viagem do Curral del-Rey.
Com a construção da nova capital, inaugurada em 12 de dezembro de 1897, ergueu-se uma nova igreja. Em 1914, a antiga igreja foi demolida para dar lugar à construção de uma nova matriz, a atual Catedral de Boa Viagem, inaugurada em 8 de dezembro de 1923.