Paisagista francês de 46 anos, que percorre o Brasil a pé
 -  (crédito: Arquivo pessoal/Reprodução)

Paisagista francês de 46 anos, que percorre o Brasil a pé

crédito: Arquivo pessoal/Reprodução

Os olhos do mundo estão voltados para os Jogos Olímpicos de Paris, enquanto um francês acelera o passo para conhecer o Brasil de Norte a Sul – ou melhor, de Sul a Norte, porque a jornada, toda feita a pé, começou há quatro meses em Arroio Chuí (RS) e só terminará no Oiapoque (AP), dois pontos extremos do país. Na contramão dos esportes, Johann Grondin, de 46 anos, revela não ter a mínima vontade de estar em seu país natal neste momento. “Gosto mais do Brasil, com tanta riqueza, história, cultura e esse encontro com a natureza”, afirma, cheio de entusiasmo para chegar hoje (2/8) ou amanhã ao Serro, no Vale do Jequitinhonha.

 

Na tarde de ontem (1/8), Johann já estava na antiga Vila de Mato Grosso, atual distrito Deputado Augusto Clementino, no Serro, parte do Caminho Saint-Hilaire. Trata-se de uma nova rota turística que passa por 12 comunidades, em quatro municípios, batizada em homenagem ao botânico e naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853). “Ele viajou pelo interior do país de 1810 a 1822, da divisa de Minas com a Bahia até a fronteira com o Uruguai, cruzando o Sul e o Sudeste. Agora, mais de 200 anos depois, temos um conterrâneo dele fazendo o mesmo percurso”, informa o presidente do Instituto Auguste Saint-Hilaire, o turismólogo Luciano Amador dos Santos Júnior.

 

 

Essência humana


Residente há seis anos no Brasil e fluente em português, o europeu, cuja última atividade foi na área de paisagismo, prefere seguir sozinho: “Andar é a terapia mais forte que existe”. No percurso, que totalizará 8 mil quilômetros, sempre pelo interior do país, Johann faz planos e imagina o retorno pelo litoral. Por dia, cumpre de 30 a 40 quilômetros e, satisfeito, se orgulha de ter, certa vez, na costa brasileira, caminhado por 24 horas. “Viajar faz parte da essência humana”, filosofa como bom francês, lembrando que, há dois anos, testou sua resistência na Serra da Mantiqueira.

 

 

Desde que começou a aventura, Johann viu de tudo um pouco, conferindo muitos contrastes: admirou paisagens do alto dos morros, da mesma forma que se entristeceu com o fogo queimando a vegetação. “Cheguei a ajudar brigadistas num incêndio florestal”, recorda-se.

 

Por já estar distante do Rio Grande do Sul, onde começou a jornada, ele se livrou das trágicas enchentes que assolaram o território gaúcho. “Naquele período, estava passando por Santa Catarina. Fugi da chuva.” Com foco e longe da ebulição de Paris, Johann só quer, agora, manter seu ritmo e fazer descobertas ao longo da Serra do Espinhaço, reconhecida como Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Quero muito chegar ao Piauí”, avisa.

 

Caminho Saint-Hilaire


Com o marco zero em Conceição do Mato Dentro, o Caminho Saint-Hilaire (CaSHi) passa por 12 comunidades neste município e também em Alvorada de Minas, Serro e Diamantina. “É um caminho mais real do que a Estrada Real”, compara o presidente do Instituto Auguste Saint-Hilaire (fundado em 2021), o turismólogo Luciano Amador dos Santos Júnior, conhecido como Kaxalote – “com xis mesmo”, observa – e autor do livro “Minas Gerais e Orléans – Olhares cruzados no Caminho Saint-Hilaire”. O lançamento ocorreu no último dia 24, no Seminário do Desenvolvimento Regional do Caminho Saint-Hilaire, realizado na Câmara Municipal do Serro.

 

 

Ainda sem sinalização, embora com georreferenciamento, o Caminho, segundo Luciano, demanda um guia para ser cumprido ao longo de seus 190 quilômetros. Com trilhas e estradas vicinais, tem apenas 20 quilômetros de trechos asfaltados. O turismólogo explica que a rodovia que liga Diamantina a Serro (LMG-735) chama-se oficialmente Via Saint-Hilaire, por lei estadual, assim como o trecho entre Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, em âmbito municipal, tem a mesma denominação. O novo caminho, acredita Luciano, deverá abrir oportunidades para geração de emprego e renda nas comunidades de quatro municípios.

 

Luciano adianta que há estudos para extensão do Caminho: de Itapecerica à Serra da Canastra, no Centro-Oeste de Minas, e das cidades de Vassouras e Valença, ambas no estado do Rio de Janeiro, até o Parque Estadual do Ibitipoca, na Zona da Mata mineira.

 

Espírito aventureiro


Conforme material divulgado pelo Instituto Auguste Saint-Hilaire, o naturalista francês de espírito aventureiro conheceu, no século 19, paisagens inexploradas. Em 1817, percorreu a Serra do Espinhaço, iniciando pela Paróquia de Conceição (atual Conceição do Mato Dentro), Vila do Príncipe (Serro) e Arraial do Tijuco (Diamantina). Dois anos depois, percorreu a região do Rio Grande, hoje no território do Lago de Furnas, iniciando pela cidade de Itapecerica e passando por Formiga, Pimenta (com seu distrito de Santo Hilário em homenagem ao naturalista Saint-Hilaire), Piumhi, Vargem Bonita e São Roque de Minas, até o Parque Nacional da Serra da Canastra, na nascente do Rio São Francisco.

 

 

 

Ainda em 1819, Saint-Hilaire percorreu, pela primeira vez, a região da Serra da Mantiqueira e Vale do Café, pelos territórios de Vassouras e Valença (RJ) e Rio Preto, Olaria, Lima Duarte até o Parque Estadual de Ibitipoca.

 

Luciano espera que o Caminho Saint-Hilaire conecte, de maneira definitiva, o território na Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, de beleza natural e cultural ímpares e complementares. “Como se fosse um enorme quebra-cabeça: peça por peça, formando um mosaico deslumbrante de paisagens singulares e promovendo a integração entre suas principais comunidades tradicionais, constituindo, assim, uma visão macro da região.”