Patrícia Habkouk, Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica (CAO-VD)
 -  (crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Patrícia Habkouk, Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica (CAO-VD)

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

À frente da Divisão de Apoio ao Enfrentamento da Violência contra a Mulher do Ministério Público de Minas Gerais, a promotora de Justiça Patrícia Habkouk reflete sobre os desafios e avanços na luta contra a violência doméstica no Brasil em uma entrevista exclusiva ao programa EM Minas, da TV Alterosa, em parceria com o Estado de Minas e o Portal UAI.


Para ela, a criação da Lei Maria da Penha, que completou 18 anos na última semana, trouxe profundas mudanças na sociedade brasileira, principalmente ao conscientizar a população de que o enfrentamento à violência doméstica é uma responsabilidade coletiva, e não apenas do poder público. “Há 18 anos, a violência contra a mulher era muito mais naturalizada. A gente assistia à televisão e via cenas de violência que não eram questionadas”, disse. “Quando uma mulher morre, a culpa é de toda a sociedade. Eu quero dizer isso assim com um peito cheio. Eu reconheço que a gente tem que se aprimorar”, completou.

 

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A promotora abordou também os desafios específicos de Minas Gerais, que lidera os índices de feminicídio no Brasil, e reconheceu as falhas de assistência às mulheres em regiões vulneráveis. “Primeiro, somos um estado muito grande, com realidades muito distintas. Essa diversidade também está relacionada à violência, pois uma mulher do Norte de Minas enfrenta mais dificuldades para acessar serviços especializados que garantiriam um atendimento adequado. A mulher do Vale do Jequitinhonha também está muito sozinha”, revelou Habkouk.


A coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Combate à Violência Doméstica (CAO-VD) ressalta que a proteção vai além da aplicação da lei, exigindo uma rede de apoio e conscientização para que as mulheres possam reconhecer e reagir à violência. “Nós, mulheres brasileiras, somos todas vulnerabilizadas pelo fenômeno da violência, porque vivemos no quinto país mais violento do mundo para as mulheres. Isso representa um grande desafio. Quando pontuo isso, quero destacar que analisar a violência de gênero requer também uma análise de classe, raça e das desigualdades do país”, afirma.


Confira os principais trechos da entrevista:

 

 


Estamos em uma semana emblemática em que a Lei Maria da Penha completa 18 anos de sanção. Há mais motivos para comemorar ou para lamentar? Para comemorar. A Lei Maria da Penha é um importante instrumento de defesa dos direitos humanos das mulheres. Antes dela, não existia um recurso jurídico para a proteção da vida da mulher. A Lei Maria da Penha não é uma lei penal; ela é eminentemente protetiva. Ela cria mecanismos para o enfrentamento da violência doméstica e familiar e estabelece diversos eixos de proteção, prevenção e garantias de direitos.

 

Depois da criação da Lei Maria da Penha, houve alterações no comportamento dos agressores?É uma pergunta desafiadora. Acredito que a Lei Maria da Penha mudou o comportamento da sociedade como um todo. Primeiro, a gente precisa se conscientizar que enfrentar a violência doméstica não é apenas dever do poder público, mas de toda a sociedade. Nós não vamos vencer a violência somente com a punição do agressor, embora ela seja importante. A responsabilização dos homens autores de violência é uma etapa imprescindível, mas a gente tem que pensar na conscientização de toda a nossa sociedade.


Há 18 anos, a violência contra a mulher era muito mais naturalizada do que é hoje. Na televisão, a violência aparecia e a gente não questionava. Eu, que já tenho certa idade, convivi na infância com mulheres que sofriam violência e a gente entendia que nós não tínhamos nada com isso. O grande marco da Lei Maria da Penha é trazer esse tema para a reflexão da sociedade. A lei tem 18 anos, mas por seis anos foi questionada. Muitos juízes não aplicavam a Lei Maria da Penha, dizendo que era uma lei diabólica e que não protegia a família. Só em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal a declarou constitucional, começamos a ver sua aplicação no dia a dia. Uma interpretação dissociada da realidade.

 


Desde então, a lei se fortaleceu, e ao longo dos anos, outras decisões e leis complementaram o sistema de proteção às mulheres. Recentemente, o Supremo decidiu que a tese da legítima defesa da honra não é aceitável e que não é possível questionar o comportamento pretérito da mulher. A gente agora tem leis que impedem o questionamento, o desrespeito e a revitimização das mulheres durante as audiências. Anteriormente, em casos de estupro, questionava-se até a roupa que a mulher usava e o local onde estava.

 

E ela é uma boa lei? Ela é considerada pela ONU (Organização das Nações Unidas) como uma das melhores do mundo, correto?

É, a Maria da Penha foi considerada a terceira melhor lei do mundo no trato da violência doméstica e familiar por partir de um olhar integral. A questão da violência doméstica é complexa e a gente não resolve com apenas uma intervenção. A polícia é importante, assim como o sistema de Justiça. Mas as mulheres precisam de apoio no eixo socioassistencial, na saúde. A gente precisa pensar sempre em prevenção, são várias ações e vários eixos que precisam de um olhar qualificado.


Como promotora, a senhora já deve ter testemunhado casos extremos. Até hoje há quem acredite que a mulher, em algumas situações, facilita a ocorrência do crime, que ela deixa a entender para o agressor que ele pode avançar. Quais medidas uma mulher pode adotar para se proteger e quais cuidados são necessários?

A primeira reflexão que devemos ter é que a culpa nunca é da mulher. Quando falamos de violência doméstica e familiar, não estamos nos referindo à violência perpetrada por um estranho, mas ao agressor que é o marido, o pai dos filhos, o irmão, o companheiro, o namorado ou o ex-namorado. E esse agressor não é violento o tempo inteiro. Quando sofro um roubo na rua, não tenho dificuldade em ir à polícia e fazer a denúncia. Mas, quando preciso denunciar o pai dos meus filhos, o homem com quem vivo, que me sustenta, encontro uma grande dificuldade. Não podemos acreditar que a mulher facilita a violência; na verdade, ela muitas vezes não tem consciência do risco a que está sujeita.


Os sinais de violência podem estar ao redor da mulher sem que ela perceba ou, mesmo ao perceber, ela não dá a devida dimensão, não é? Esse é um componente muito importante porque é possível que haja uma subnotificação de casos, certo?

 

 

Sem dúvida. Meu papel no Ministério Público é apoiar promotoras e promotores de Justiça em todo o estado, e enfrentamos um desafio considerável. Primeiro, somos um estado muito grande, com realidades muito distintas. Essa diversidade também está relacionada à violência, pois uma mulher do Norte de Minas enfrenta mais dificuldades para acessar serviços especializados que garantiriam um atendimento adequado. A mulher do Vale do Jequitinhonha também está muito sozinha. Então, quando falamos da Lei Maria da Penha e analisamos esses 18 anos, precisamos avaliar se os serviços estão preparados para acolher essas mulheres. Como eu disse antes, a atuação não deve se restringir à polícia; há também o eixo socioassistencial, da saúde e da educação. Todos esses serviços devem acolher e orientar as mulheres. A dificuldade que enfrentamos está em fazer com que uma mulher reconheça o contexto da violência. Além de não ser uma pessoa estranha, é alguém que está dentro da sua casa e por quem ela ainda tem sentimentos. O sentimento não acaba no episódio de violência, e muitas vezes a mulher leva muito tempo para enxergar aquela violência.


A senhora pode fazer um paralelo entre os desafios enfrentados pela Lei Maria da Penha e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que também passou pelo mesmo drama? Parece-me que os desafios da Lei Maria da Penha são ainda maiores. Quais são os principais desafios que ainda permanecem?

É difícil comparar, mas raramente questionamos uma criança pela violência que ela sofreu, enquanto as mulheres vivem sendo questionadas se deram causa à violência que sofreram. Os avanços da Lei Maria da Penha são uma realidade. A lei criou um mecanismo de enfrentamento a essa forma de violência, chamou a atenção dos governos federal, estadual e municipal para a criação de serviços especializados de atendimento às mulheres em situação de violência. Estabeleceu a importância da análise dos dados estatísticos e deu visibilidade às várias formas de violência.

 


A violência não é apenas física; ela é moral, psicológica, sexual e patrimonial. Além disso, hoje reconhecemos a violência obstétrica, a violência política de gênero e a violência institucional. Todo esse caminho foi estabelecido pela Lei Maria da Penha. Temos as medidas protetivas de urgência, que são instrumentos de proteção da vida das mulheres, e vários outros eixos, como a importância de trabalhar com os homens autores de violência e de toda a sociedade se mobilizar. Esses são os grandes avanços da Lei Maria da Penha. Os desafios que enfrentamos são: tornar essa lei uma realidade presente na vida de todas as mulheres e meninas do estado de Minas Gerais.


E Minas Gerais está desempenhando um papel negativo nessa situação, com índices de feminicídio bastante preocupantes.

É, nós estamos liderando. Nos últimos anos, em 2021, fomos o estado da Federação com o maior número de feminicídios. Em 2022 e 2023, ocupamos a segunda posição, atrás de São Paulo. O feminicídio é uma qualificadora do crime de homicídio. Em 2015, o ordenamento jurídico brasileiro criou uma causa de aumento de pena relacionada ao fato de a mulher morrer por ser mulher.

 

Vamos esclarecer: nem todo assassinato de uma mulher é classificado como feminicídio. Quais são os critérios que determinam essa classificação?

Nos casos em que o crime decorre da violência doméstica ou do ódio e menosprezo à condição de ser mulher. A partir da Lei do Feminicídio, de 2015, começamos a reconhecer essas mortes. Mulheres sempre morreram por serem mulheres, mas não enxergávamos esses crimes nem analisávamos essa realidade. Hoje, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública destaca, com base nos dados de segurança pública de todos os estados, essas mortes violentas de mulheres, e isso é muito importante.


No feminicídio, estamos falando das mulheres que morrem pelas mãos de seus parceiros atuais ou ex-parceiros, muitas vezes dentro de casa. Se já sabemos quem comete esses crimes e onde eles ocorrem, não podemos afirmar que o feminicídio é um crime evitável? Se a mulher receber o apoio no primeiro episódio de violência, ela pode não chegar a morrer. O feminicídio é o último episódio de violência, sempre precedido por outras formas de violência. Primeiro, começam as violências psicológicas e as agressões morais; depois, os empurrões e pequenas violências físicas. Há uma escalada de violência.


Isso é um padrão?

É um padrão.


Por isso, eu questionaria a ideia de que esses crimes são evitáveis. Por exemplo, enquanto a polícia pode atuar de forma ostensiva para prevenir crimes cometidos na rua, como é possível fazer a mesma coisa no âmbito doméstico?

 

 

Olha, o que é interessante é que eu penso exatamente no oposto de você. O crime na rua é muito mais difícil de lidar do que aquele que acontece dentro de casa. Nem sempre a polícia está presente, embora, graças a Deus, tenhamos uma polícia militar muito atuante. No entanto, não é simples pensar em como evitar a violência urbana.


O que estou dizendo é que mulheres e meninas morrem pelas mãos de seus maridos e ex-maridos, e isso não é uma opinião minha; são dados estatísticos, fruto dos diagnósticos feitos pela segurança pública e também do que estudamos. E muitas das vezes, elas estão inseridas em anos de violência, só que ninguém conta.


Você acha que é fácil para uma mulher falar que está em situação de violência? Sofrer violência envergonha, constrange. Há vários outros fatores, como a dependência econômica e a preocupação com o futuro dos filhos. Muitas vezes, ela pensa: ‘Ele é um péssimo marido, mas é um bom pai’. Isso faz com que a mulher tenha dificuldade em reconhecer a violência que está sofrendo e entender que é preciso reagir a essa forma de violência.


Também precisamos trazer os homens para o centro desse debate, já que são eles os autores da violência. Estamos desenvolvendo estratégias para incluir os homens nessa discussão, com políticas públicas espelhadas na Lei Maria da Penha, como os grupos reflexivos para homens autores de violência.


E o agressor não é sempre uma pessoa de baixa renda ou humilde; muitas vezes, ele pode ser alguém com bastante dinheiro e status social, mas que ainda assim se comporta de forma violenta.

E mais, muitas vezes o autor da violência doméstica é uma pessoa excelente fora de casa. Ele pode ser trabalhador, honesto, juiz, promotor de Justiça, capitão da polícia, servidor público, jogador de futebol ou empresário de sucesso. A Organização Mundial da Saúde disse que uma a cada três mulheres no mundo vai sofrer violência doméstica, o que é um dado concreto. Nós, mulheres brasileiras, somos todas vulnerabilizadas pelo fenômeno da violência, porque vivemos no quinto país mais violento do mundo para as mulheres. Isso representa um grande desafio. Quando pontuo isso, quero destacar que analisar a violência de gênero requer também uma análise de classe, raça e das desigualdades do país.

 

Nesta semana, na quarta-feira, que coincidiu com o Dia da Lei Maria da Penha, ocorreu o caso da Vitória, que foi morta a facadas por um namorado com quem tinha um relacionamento de três anos. O crime aconteceu em plena avenida, em uma situação terrível. Que orientações a senhora daria para as mulheres em termos de cuidados e sinais a que elas devem estar atentas para se proteger?

 

 

Vamos pensar em como dividir as tarefas e evitar reproduzir estereótipos de gênero, pois eles estão diretamente relacionados à violência. Não podemos romantizar cenários como ‘não corto meu cabelo porque meu marido não gosta’ ou ‘vou trocar meu vestido porque está curto e ele tem ciúmes’. É fundamental não reproduzir essas ideias. Outro ponto importante é não se afastar da família e dos amigos. É essencial que o casal mantenha uma vida fora do relacionamento, especialmente quando ele não está saudável.
Se você perceber violência, pense no que pode fazer. Se ainda não está pronta para ir à delegacia e registrar um boletim de ocorrência ou pedir uma medida protetiva, fale com amigos, peça ajuda à sua rede de proteção e crie uma estrutura para sair da situação.


Não é simples romper e sair de um ciclo de violência; é necessário se preparar para isso. Existem planos de segurança, mecanismos de apoio e toda mulher tem o direito de pedir a proteção da Lei Maria da Penha. Essa proteção pode começar na segurança pública, mas também pode se iniciar no Ministério Público. Se a mulher ainda não está em condições de ir à delegacia, ela pode procurar um posto de saúde, o Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) ou instituições da sociedade civil que atuam na temática e buscar orientação e apoio. Temos muitos recursos para orientar as mulheres e evitar que a violência se agrave e se transforme em feminicídio.

 

Eu gostaria que a senhora falasse um pouco sobre como ficam as crianças órfãs do feminicídio.

A gente tem crescido nessa política pública, o próprio Ministério Público criou a Casa Lilian, que é o espaço de atendimento das vítimas de feminicídio tentado e consumado. A gente tem chamado a atenção para essa, mas há muitos desafios. O feminicídio é o último e mais cruel episódio de violência doméstica, mas existem os episódios anteriores, a violência física, a violência psicológica. Anos atrás tinha uma campanha “quem bate em mulher machuca a família inteira” e isso é verdade. As crianças e adolescentes que vivem num ambiente de violência e de desrespeito sofrem muito e tendem a reproduzir essa violência. Então, a gente tem que pensar sobre violência, respeito e a qualidade dos nossos relacionamentos o tempo inteiro.


Uma pergunta importante, doutora: a medida protetiva funciona?

 

 

Acredito que sim. O primeiro ponto que a gente tem que pensar é que a medida protetiva é um instrumento previsto na Lei Maria da Penha em que uma mulher em situação de violência pode procurar a Polícia Militar da sua cidade ou se dirigir à delegacia ou delegacia de mulheres mais próxima e fazer um requerimento de medida protetiva. E essas medidas têm várias naturezas. Ela pode impor a proibição de contato, a proibição de aproximação, pode determinar o afastamento do agressor do lar. Ela pode ser requerida na Polícia Civil ou de forma independente. Hoje em dia não é necessário fazer um boletim de ocorrência para requerer a medida protetiva, e o pedido é remetido à Justiça e apreciado no prazo de 48 horas.


A medida protetiva proíbe a aproximação, mas a aproximação não precisa ser física, não é? Qualquer tipo de contato, uma mensagem ameaçadora pelo celular, por exemplo.

Já é uma violação. A mulher requer, o juiz defere e esse autor da violência é intimado. A partir do momento em que ele tem ciência da medida, descumpri-la é crime desde 2018 pela Lei Maria da Penha. É uma lei que não tinha crimes, o único crime previsto na lei Maria da Penha é o descumprimento de medida protetiva, artigo 24 A. Então, descumprir medida protetiva é crime e sujeita o agressor à prisão.


É claro que as pessoas questionam se o homem que quer matar pararia por uma folha de papel? Bom, a primeira coisa que eu digo é que a grande maioria, mais de 80% das mulheres que morrem nunca tinham requerido uma medida protetiva. Outro ponto é que a gente tem uma cultura de denunciar a violência doméstica, seja na polícia ou no Ministério Público. Mas não é só denunciar, saiba que você tem o direito de requerer outras providências se aquela medida não surtiu efeito.


Se foi requerida a medida protetiva, o juiz deferiu, e o agressor foi intimado e ainda assim continua a descumprindo, é muito importante que essa mulher saiba que ela tem o direito de voltar à delegacia, procurar o promotor ou promotora de Justiça da sua cidade ou ainda ir ao mesmo juízo no fórum que definiu a medida e dizer: “Olha, não está funcionando”. Nós temos a preocupação de adotar medidas mais severas que vão desde a advertência à monitoração eletrônica e até mesmo a prisão desse autor.


Recentemente o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu desculpas à própria Maria da Penha pela lentidão com que a Justiça tratou o caso dela. A Justiça, em casos de violência contra a mulher, tem andado em uma velocidade diferente?

 

 

É muito importante repetir isso aqui para todos: é preciso acreditar na Lei Maria da Penha, conhecer os serviços da sua cidade, você precisa saber aonde ir e que tem o direito a uma vida livre de violência. A Convenção Belém do Pará, fala isso. A Lei Maria da Penha fala isso. Toda mulher tem o direito a uma vida livre de violência e, se ela requereu a proteção da lei e ela não está eficaz, a mulher tem o direito de voltar a procurar a Justiça ou o Ministério Público e requerer outras providências.


Eu fiquei muito sensibilizada nesse momento em que o ministro do Supremo pediu formalmente desculpas a Maria da Penha. O caso da Maria da Penha foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para análise, e o Brasil foi condenado pela omissão de dar respostas qualificadas ao fenômeno da violência. Foram várias condenações, uma delas foi a obrigação de editar uma lei que tratasse da violência doméstica. E o Brasil cumpriu com a Lei 11.340, batizada de Maria da Penha. O Brasil foi condenado a reparar financeiramente a Maria da Penha e, entre outros itens da condenação, figurou pedir desculpas formalmente a ela pelo atraso no julgamento.


O pedido de desculpas do ministro Barroso se insere na ordem da Corte interamericana e nós todos temos que pedir desculpas a todas as vítimas de feminicídio e a todas as famílias. Quando uma mulher morre, a culpa é de toda a sociedade. Eu quero dizer isso assim com um peito cheio. Eu reconheço que a gente tem que se aprimorar, eu pessoalmente dedico os meus dias a essa temática. A gente precisa dizer que lamenta muito a morte da Vitória e a morte das outras 515 mulheres no estado de Minas Gerais entre 2021 e 2023. Precisamos aprender com essas mortes e mudar esse cenário que é tão duro e tão devastador.


Eu queria terminar com uma perspectiva incentivadora para as mulheres que porventura possam estar passando por alguma situação delicada. Lembre para nós casos em que recorrer às autoridades deu bom resultado.

Eu tenho muitas histórias para contar. É interessante porque aquela mulher cuja vida é salva não ocupa os jornais, até porque existe um cuidado de não expor essa mulher. Um exemplo em que trabalhei foi no caso de um servidor das forças de segurança do nosso estado. Ele gravou um vídeo em que disse “eu vou te matar hoje” para a companheira e nós definimos medidas protetivas, colocamos essa mulher em um abrigo. Ele foi preso e punido e essa mulher está viva e os seus filhos protegidos.


Eu já tive um caso de um magistrado que ameaçou uma mulher e os filhos de morte. As medidas protetivas contra ele foram deferidas, essa mulher foi levada para um lugar seguro e esse homem cometeu o autoextermínio. A família ficou salva. É preciso acreditar no sistema de proteção. Ele não é perfeito, mas nós temos o compromisso de aprimorá-lo e mudar esse cenário tão desafiador.


Para finalizar, eu queria falar um pouco também sobre os canais de denúncia. Se você sofre violência ou conhece alguém que sofre, você pode e deve ligar 190 no momento da violência em flagrante. Agora, fora disso, se você sofre violência e está preparada para isso, vá à delegacia mais próxima da sua casa. Você tem o direito de requerer uma medida protetiva e pedir, de fato, que a sua vida seja protegida. Você também tem o direito de acessar o Ministério Público de Minas Gerais e de ir à Promotoria de Justiça. Nós estamos em todo o estado, então você pode nos procurar e relatar se essa medida não está sendo eficaz para que outras providências sejam adotadas.