O engenheiro metalurgista, de 67 anos, diz que aprendeu com os pais a importância de não deixar os lugares verdes ficarem abandonados -  (crédito:  Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

O engenheiro metalurgista, de 67 anos, diz que aprendeu com os pais a importância de não deixar os lugares verdes ficarem abandonados

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

Às 15h, quando normalmente o sol está forte em Belo Horizonte, um morador, de 67 anos, deixa sua casa e vai em direção a alguma praça da capital mineira. O passeio, comum para muitos, se torna singular com o objetivo da jornada, que, na verdade, é um trabalho voluntário de quase cinco décadas. Equipado com uma chave de fenda longa e luvas de jardinagem, Dacildo Rodrigues se dedica à missão de limpar e cuidar de praças e jardins públicos, prática que o acompanhou por diversas cidades do Brasil.

 

"Comecei há muito tempo com esse hábito. Quando eu morava no interior, meus pais sempre cuidavam muito de onde morávamos, não deixavam o mato crescer, e era muito bem varrido. Acho que minha raiz vem daí”, relembra Dacildo. Foi na zona rural do Triângulo Mineiro que ele aprendeu o valor do cuidado com o espaço onde vivia. “Desde então, me incomoda ver a cidade tomada por mato. Procuro fazer minha contribuição na limpeza e para me sentir bem”, explica.

 

O início dessa atividade aconteceu quando tinha 20 anos e foi estudar em Ouro Preto, no fim dos anos 1970. “Eu vivia em um alojamento, onde hoje é o campus Morro do Cruzeiro e, nas horas vagas, fazia limpeza próximo de onde morava", conta. No município histórico, entre as ladeiras e o verde, que a iniciativa de limpar espaços públicos se tornou uma rotina.

 

O engenheiro metalurgista já fez de diversas cidades brasileiras o palco de sua prática silenciosa. Após a formatura e uma proposta profissional na Bahia, o destino o levou para Salvador, onde manteve o hábito nas ruas do Bairro Graça. “Depois vim para Belo Horizonte, mas fiquei pouco tempo e parti para São José dos Campos, em São Paulo. Lá, fazia a limpeza nos fins de semana”, narra, traçando um mapa da dedicação que mostrava nas cidades em que se instalava. Cada lugar era, para Dacildo, uma oportunidade de deixar o ambiente um pouco melhor do que quando o conheceu.

Ao retornar para BH, no fim de 1989, ele encontrou sua missão permanente. “Continuei limpando, sempre perto da região onde moro hoje, no Santo Antônio. Especialmente nas praças Marília de Dirceu (Lourdes) e Professor Godoy Betônico (Cidade Jardim), e ruas próximas. Às vezes, também vou na Savassi”, diz, ao detalhar suas rotas pela Região Centro-Sul da capital mineira.

 

“O que faço é só limpeza para tirar as pragas da vegetação. Uso uma espécie de chave de fenda longa, que facilita tirar a raiz, e as luvas”, explica. Apesar de gostar do que faz, Dacildo lamenta o descuido urbano e descreve seu trabalho como “enxugar gelo”. “No Brasil, no geral, nunca se teve muito cuidado com essa parte.”

 

 

Dacildo Rodrigues LIMPA OS CANTEIROS E REALIZA A poda Das plantas com zelo para que tudo fique bonito e saudável

Dacildo Rodrigues LIMPA OS CANTEIROS E REALIZA A poda Das plantas com zelo para que tudo fique bonito e saudável

Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press


SEGUNDA CASA


Nas praças, ele se sente em casa, mesmo que poucos compreendam sua dedicação, e ri ao contar casos em que já foi parado na rua para explicar o que está fazendo. “De vez em quando me perguntam se sou da prefeitura. Outros percebem que não, devido à minha roupa. Normalmente, estou de bermuda, não poderia trabalhar para uma prefeitura assim”, destaca.

 

Além da limpeza, a igreja do Loyola se tornou um local de bem-estar. No espaço, Dacildo aproveita para tomar sol e fazer exercícios, transformando o trabalho em um momento de lazer. Atualmente sem contrato formal de trabalho, ele tem se dedicado mais intensamente a sua missão, nos últimos meses, utilizando as tardes livres para cuidar dos lugares que adota. Com uma sacola e uma garrafa de água – ou uma cervejinha gelada nos fins de semana –, ele limpa, cuida e transforma cada pedaço de verde que encontra.

 

Com um olhar crítico e experiente, o engenheiro observa o estado das praças de BH. "Dez anos atrás, a Praça Professor Godoy Betônico era uma loucura. As plantas chegavam a meio metro de altura, e havia grama comum misturada com grama esmeralda. Todas as praças deveriam ser muito bem cuidadas”, defende. Ele explica que não basta passar a máquina e apenas aparar a grama, pois o problema está na raiz e, se deixar, nasce de novo.

 

 

Ao longo de suas décadas de trabalho silencioso e dedicado, Dacildo se tornou uma figura tarimbada na paisagem urbana da capital mineira. “Nunca vi ninguém fazer isso além de mim”, reflete. Ainda que seu trabalho único passe despercebido pela maioria das pessoas na correria do dia a dia, ele segue sendo um verdadeiro guardião das praças de BH.

 

* Estagiária sob supervisão da editora Crislaine Neves

 

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Munido de ferramentas simples E DE MUITA DISPOSIÇÃO, o guardião das praças da capital mineira enfrenta as dificuldades da missão que escolheu ENCARAR DIARIAMENTE

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Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

MANUTENÇÃO institucional

 

Segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) a manutenção das praças da cidade é um serviço permanente. O serviço de rotina é executado pela Subsecretaria de Zeladoria Urbana (Suzurb) compreendendo capina, limpeza, varrição, despraguejamento, poda das árvores, pintura, manutenção do piso, plantio de grama e reparo simples em mobiliário. Cada uma das nove regionais é responsável em vistoriar suas praças. A administração municipal destacou que existem também as obras mais complexas, como as de revitalização ou requalificação, que, geralmente, são executadas pela Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), pois requerem orçamento com licitação.


“Me incomoda ver tudo tomado por mato. Procuro fazer minha contribuição na limpeza e para me sentir bem”

 

Dacildo Rodrigues, Engenheiro metalurgista