Plenário do Supremo Tribunal Federal: segundo o professor Alaor Leite, Roxin é recorrentemente lembrado pela Corte, com teorias usadas em julgamentos

 -  (crédito: Gustavo Moreno/STF/Divulgação)

Plenário do Supremo Tribunal Federal: segundo o professor Alaor Leite, Roxin é recorrentemente lembrado pela Corte, com teorias usadas em julgamentos

crédito: Gustavo Moreno/STF/Divulgação

A primeira tradução para o português da quinta edição do livro “Direito Penal - Parte Geral”, do professor e jurista alemão Claus Roxin, que tem a coautoria do professor Luís Greco, será lançada na sexta-feira (23/8), em Belo Horizonte. O livro conta com apoio institucional do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e do Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6). Apresenta fundamentos e critérios gerais de responsabilização criminal, mas que não se destina apenas aos acadêmicos, podendo ser usado por juízes, desembargadores e advogados. Apesar de ser voltado para os profissionais ligados à área jurídica traz discussões que interessam à sociedade, como sanções penais e o direito da vítima em ver o criminoso punido.

 

O professor Alaor Leite, responsável pela organização da obra ao lado de Greco, explica que o livro foi escrito, originalmente, em 1991 e destaca a importância do autor alemão. “Esse é o livro de tratado de Direito Penal mais importante do século 20. O professor Claus Roxin é muito influente nos rumos da ciência penal. Foi coautor do projeto alternativo de Código Penal alemão, que depois entraria em vigor, em 1975.” Leite é professor assistente na Cátedra de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade Humboldt em Berlim e tem doutorado em Direito da Ludwig-Maximilians Universität München, onde estudou com o renomado Claus Roxin.

 

Segundo o especialista, a obra teve enorme repercussão dentro da Alemanha, mas também fora dela. “É um livro de grande repercussão internacional, mas que nunca tinha sido traduzido para o português.” A tradução foi organizada por eles e reuniu também outros 12 penalistas brasileiros.

 

“O livro reflete o estado atual do Direito Penal no mundo, em diálogo com todas as ordens jurídicas. É um livro com vocação internacional, não cuida apenas do direito alemão. Roxin já teve e tem muito impacto na ciência e jurisprudência brasileiras. É recorrentemente lembrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com teorias usadas em julgamentos”, afirma.

O professor Luís Greco explica que a obra trata da articulação de vários princípios e mostra a relevância prática deles para resolver casos da jurisprudência alemã. “Mas minha convicção é que esses casos poderiam ter se passado em quaisquer outros países e se passam em outros países, de forma que discuti-los e resolvê-los corretamente, é importante não só no lugar em que eles ocorreram. É por isso que existe um interesse no livro e nas ideias nele desenvolvidas.” Professor de Direito Penal também na Universidade de Humboldt, Greco é um dos maiores especialistas na obra de Roxin, tendo sido orientado pelo próprio jurista alemão no seu doutorado, obtido em 2008.

 

 

Tradução e atualizações

 

Os juristas contam que a decisão de fazer a tradução para o português ocorreu pela importância da obra. Greco explica que uma nova edição de um livro alemão, não é apenas uma republicação com algumas atualizações. “É uma reescrita completa do livro, com a introdução de toda a evolução jurisprudencial, doutrinária e legislativa que ocorreu entre uma edição e outra. Até a quarta edição, já era claro que esse é o livro de Direito Penal de maior importância, não só para a Alemanha. É um livro lido no mundo todo de língua espanhola, no Japão, na China. Vários professores de todos os cantos do mundo vieram (para Alemanha) estudar com base nesse livro.”

 

Além de atualizar a obra – a última edição é de 2006 – Greco diz que deu duas contribuições fundamentais para a obra como coautor.

 

“Aprofundei a vocação não exclusivamente autorreferencial alemã que o livro já apresentava nas edições anteriores. O alemão, em geral, não se preocupa muito com literatura, jurisprudência e reflexão publicada fora da Alemanha. Ele escreve seus textos citando o que é publicado na Alemanha, lê isso e se dá por satisfeito. Eles não costumam ler nem o que é escrito e publicado na Áustria e na Suíça. Isso eu modifiquei rápido. É um livro muito mais internacional do que era nas últimas edições. Tem uma orientação mais internacional, discussão com autores, jurisprudência e teorias de outros lugares.”

 

A segunda contribuição, segundo ele, foi acrescentar algumas teorias. “Especialmente, uma reflexão sobre o que tenho chamado de singularidade da pena. Uma reflexão sobre o que torna o Direito Penal e a pena diferente de todas as outras sanções previstas no ordenamento jurídico.”

 

Quem é Claus Roxin

 

Claus Roxin é um jurista alemão, nascido em Hamburgo, em 15 de maio de 1931. É considerado um dos mais influentes dogmáticos do direito penal alemão. Foi o introdutor do Princípio da Bagatela no sistema penal, em 1964, segundo o qual um ato deixa de ser considerado crime quando se mostra irrelevante e não causa qualquer lesão à sociedade, ao ordenamento jurídico ou à própria vítima. Desenvolveu ainda o Princípio da Alteridade ou Transcendentalidade, que proíbe a incriminação de atitude meramente interna, subjetiva do agente, e que, por essa razão, se revela incapaz de lesionar o bem jurídico.

 

Teorias e prática

 

A importância da obra pode ser vista ainda com o uso de suas teorias em julgamentos nos tribunais superiores do país. “A teoria da imputação objetiva já tem uns 20 anos que é bastante recepcionada e aplicada no Brasil. Outra que também tem muita relevância é a moderna discussão sobre o conceito de dolo. Outra é a teoria do bem jurídico. Uma ideia fundamental que está sempre conectada ao nome do professor Roxin é a de que o Direito Penal não pode proibir uma conduta e impor pena a ela só por ser imoral, ela tem que afetar as condições reais do convívio pacífico entre as pessoas. É o que se chama de bem jurídico”, explica Greco.

 

 

Leite ressalta ainda que o livro também pretende estabelecer um diálogo com a prática. “Não é um livro só para acadêmicos e não se restringe à sala de aula. É um livro para ser lido no dia a dia da aplicação do Direito, por promotores, juízes, desembargadores que vão decidir casos concretos. É um livro que tem uma vocação prática, não quer ser apenas teoria. Quer interferir na realidade.” Ele diz que embora ambos sejam professores e teóricos, aprenderam com Roxin a vocação prática da ciência.

 

Apesar de ser um livro jurídico, o professor Luís Greco acredita que os temas constantes nele podem responder questões de interesse da sociedade. “Muitas pessoas podem se perguntar o motivo de existir a pena. Ela provoca sofrimento. O crime também é um problema que gera sofrimento para as vítimas. Significa a destruição de vidas e destinos. O livro também cuida dessas questões mais filosóficas relativas ao crime e a pena.”

 

A obra discute ainda se existe ou não um livre arbítrio que justificaria uma pena entendida como simples castigo por um mal que uma pessoa faz. “Isso se controverte com toda a discussão dos últimos 10, 15 anos e ganhou espaço depois que alguns neurocientistas se manifestaram no sentido de que o cérebro decide e a gente cumpre. Essas pessoas dizem: ‘Pena não faz sentido. Nosso cérebro que decide se a gente comete um crime, nós só executamos.’ Toda essa discussão está sintetizada (no livro), com posicionamento sobre ela.”

 

Greco acredita que uma das grandes virtudes do livro é conseguir superar algumas posições que, tradicionalmente, são entendidas como insuperáveis, entre teoria e prática, por exemplo. “O livro é escrito para os dois. Tanto para o professor quanto para o juiz, advogado, promotor. Oferece algo que pode ser aproveitado tanto pelo jurista quanto pelo leitor culto e interessado. Aquele que já parou para pensar em algum momento, pode ler em um Dostoiévski sobre o sentido da pena e ler esse livro para se perguntar sobre o sentido da pena tal como é entendida e aplicada hoje no mundo do direito.”

 

Uma nova teoria discutida no livro é a ideia de que a vítima tem o direito de ver o autor castigado. Segundo Greco, é uma teoria proposta nos últimos 20 anos e está na nova edição. 

 

Serviço

 

l Lançamento do livro Direito Penal Parte Geral - Tomo I
l Data: Sexta-feira (23/8)
l Horário: 11h
l Local: Auditório do Tribunal Pleno do TJMG
l Endereço: Avenida Afonso Pena, 4.001, Bairro Serra