Rompimento de barragem de Mariana em 2015 tem 600 mil atingidos em ação inglesa -  (crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press)

Rompimento de barragem de Mariana em 2015 tem 600 mil atingidos em ação inglesa

crédito: Mateus Parreiras/EM/D.A.Press

A ação no Supremo Tribunal Federal (STF) que tenta definir como inconstitucional a participação de municípios mineiros e capixabas atingidos pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana (2015) como partes em processos de indenização no exterior recebeu mais uma linha de defesa para o prosseguimento do processo. O renomado advogado e professor de Direito Internacional, Valerio Mazzuoli, assinou parecer juntado ao processo onde afirma que a participação das prefeituras como autores da ação - e não como rés - não viola a soberania brasileira, mas a fortalece. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) é autor da ação e defende que processos no exterior prejudicam setor minerário e afronta a soberania nacional.

 

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O Ibram ingressou no dia 11 de junho de 2024 com a ação ADPF-1178 no STF para considerar inconstitucional que municípios brasileiros "determinem ou promovam a própria participação (seja como autores, seja como interessados) em ações judiciais perante jurisdições estrangeiras, por cinco violações (da Constituição)", consta no processo.

 

O parecer do jurista que é membro efetivo da Sociedade Brasileira de Direito Internacional (SBDI) e da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD) foi juntado para subsidiar a participação do Consórcio Público para Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce) como amicus curiae (argumentos de alguém que não é parte do processo) na ação.

 

“É plenamente legítima a ação dos entes subnacionais de buscarem no estrangeiro a recomposição dos seus prejuízos, não havendo no Direito Internacional Público, no Direito Internacional Privado e no Direito Constitucional brasileiro impeditivo para tais ações das municipalidades no estrangeiro”, afirma Mazzuoli.

 

 

A ação se encontra sob a relatoria do ministro Flávio Dino desde 26 de junho de 2024 e no último dia 22 de agosto a Advocacia Geral da União (AGU) pediu vistas ao processo. Caso seja acatada a tese do Ibram, os municípios não poderão acionar a justiça estrangeira e casos que tramitam no continente europeu contra as mineradoras responsáveis pelo rompimento das barragens de Fundão e de Brumadinho (2019) perderiam as prefeituras que são os clientes de indenizações mais vultuosas.

 

 

O caso no exterior em fase mais adiantada é a ação coletiva no Tribunal Superior de Londres movida pelo escritório internacional Pogust Goodhead contra a BHP Billiton, que ao lado da vale controla a mineradora Samarco, operadora da barragem rompida, com 19 mortes. O processo segue em favor de mais de 600 mil vítimas do desastre de Mariana – incluindo 46 municípios – , com indenizações avaliadas em R$ 230 bilhões e julgamento marcado para outubro deste ano.

Índios Krenak atingidos pelo rompimento da barragem de Mariana pedem reparação na High Court of Justice, em Londres

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Mateus Parreiras/EM/D.A.Press

 

Em resposta à ADPF, os municípios apresentaram um pedido de liminar à Corte inglesa, afirmando que a BHP havia solicitado ao Ibram que tomasse essa medida para impedir litígios internacionais relacionados ao colapso da barragem do Fundão. Sob a ameaça de desacato e obstrução, a BHP concordou em não apoiar mais o Ibram, que segue com a ação.

 

Na ação ADPF-1178 se considera violações da Constituição em artigos como o 1º, onde a soberania é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. O 2º e 18º que trazem a tripartição dos poderes da União, sua independência e harmonia. O 4º, destacando que são princípios da república brasileira a independência nacional e a defesa da paz. No 5º, as garantias de acesso à justiça, informação e justo processo legal aos brasileiros. O 13º, que define o idoma português como o oficial no Brasil. O 21º que confere à União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais. Bem como os artigos 30, 37, 52, 93, 127, 129, 131, 132 e 134.

 

O Ibram informou por meio de nota que entrou com a ADPF-1178 por estar "preocupado com o ataque que mineradoras brasileiras, Vale e Samarco, têm sofrido no exterior. "Este processo impacta o setor mineral e todo o setor produtivo brasileiro", afirma, indicando que as empresas já custeiam as "devidas compensações ambientais e as das vítimas e suas famílias, que estão em curso, bem como aos municípios afetados, sancionadas pelo sistema de justiça brasileiro, que tem atuado com o rigor que o processo demanda".

 

O instituto que representa mineradores critica o escritório internacional que representa os atingidos. "Uma banca de advocacia estrangeira, sediada em Londres, Inglaterra, e um fundo abutre, ambos amplamente identificados como membros da indústria da tragédia, ou seja, como defensores de causas alheias em proveito e ganhos próprios, agiram para instaurar causa similar em corte de Londres e na Holanda, em flagrante desrespeito ao sistema de justiça brasileiro, à nossa Constituição e à soberania nacional", considera o Ibram.

 

O advogado e professor foi duro em suas considerações e apontou que as justificativas do Ibram na ADPF “são falaciosas e criadas para impedir os municípios de se recomporem financeiramente pelos prejuízos causados pelo rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho”.

 

“A competência que tem a União Federal para representar a República Federativa do Brasil em ações perante estados estrangeiros e organismos internacionais não impede, ao contrário encoraja, que outros entes (como os municípios) ajuízem ações em seu favor”, conclui Mazzuoli.

 

Confira a nota do Ibram na íntegra:

 

"O Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), preocupado com o ataque que mineradoras brasileiras, Vale e Samarco, têm sofrido no exterior, manifesta seu repúdio diante desta ação e informa que age de acordo com os interesses dos seus associados e com autorização do seu Conselho Diretor. E entende que este processo impacta o setor mineral e todo o setor produtivo brasileiro, pelos motivos abaixo:

 

1. A ruptura da barragem da Samarco, em Mariana (MG), tem levado as empresas responsáveis a custear as devidas compensações ambientais e as das vítimas e suas famílias, que estão em curso, bem como aos municípios afetados, sancionadas pelo sistema de justiça brasileiro, que tem atuado com o rigor que o processo demanda.

 

2. Ocorre que uma banca de advocacia estrangeira, sediada em Londres, Inglaterra, e um fundo abutre, ambos amplamente identificados como membros da indústria da tragédia, ou seja, como defensores de causas alheias em proveito e ganhos próprios, agiram para instaurar causa similar em corte de Londres e na Holanda, em flagrante desrespeito ao sistema de justiça brasileiro, à nossa Constituição e à soberania nacional.

 

3. Isto porque, ao propor representar municípios brasileiros no exterior, o escritório atenta contra o princípio da soberania nacional, que atribui a representação no exterior da federação brasileira unicamente à União, e não aos entes subnacionais, isto é, estados e municípios.

 

4. Do mesmo modo, tal processo fere gravemente a jurisdição da justiça nacional, ao peticionar em corte estrangeira, de forma concorrente, processo, fatos e seus impactos em julgamento em curso na justiça do Brasil.

 

5. Adicionalmente, desrespeita a Constituição Federal, ao atribuir a municípios, detentores de autonomia, mas não independentes no sistema federativo, poderes derivados da soberania nacional, privativos da União, atacando a organização e a estrutura do Estado nacional.

 

6. É uma agressão sem precedentes na nossa história recente, a pretensão de submeter a soberania brasileira à extraterritorialidade e à justiça inglesa, como nos tempos do Brasil Colônia, retrocesso que jamais será aceito pelas nossas instituições.

 

7. ?Por fim, o fundo abutre e a banca associada, simulando desinteresse, e em defesa dos atingidos, ficariam, em caso de vitória, com a parte do leão das indenizações propostas a 60 municípios e mais de 700 mil pessoas, aos quais concederiam as sobras, nada mais do que migalhas, usando as vítimas como marionetes para objetivos inconfessáveis. Compensações e indenizações, sem dúvida, são justas e devidas, mas a serem determinadas pela justiça do Brasil.

 

8. Agredir, com esse comportamento, a soberania nacional, faltar com o respeito ao nosso sistema de justiça e rasgar nossa Constituição equivale a reeditar um típico ato de neocolonialismo, o que trai o objetivo oculto de se apropriarem da Vale, maior empresa privada do Brasil, da qual cobram, em indenizações, 36 bilhões de libras, algo como 264 bilhões de reais, valor de mercado da empresa e da mina de Carajás, a maior de minério de ferro do mundo, cujo detentor soberano é o povo.

 

9. Os brasileiros devem ser informados que esta mesma banca advocatícia mantém processos judiciais no exterior contra empresas que atuam no Brasil, caso da Vale, Samarco, Hydro e Braskem – a acionista controladora da Braskem é a Novonor (participação de 50,1%) e a Petrobrás detém 47% da empresa".