Eles vieram de outras terras, de outro mar, com seus costumes, idioma e cultura, trazendo na bagagem a esperança de vida nova, principalmente de oportunidades de trabalho. Para trás, no outro lado do Oceano Atlântico, ficaram parentes, amigos e, não raro, cidades devastadas por fome, guerra, opressão. Neste Dia dos Pais, o Estado de Minas homenageia todos os pais lembrando os 200 anos da imigração alemã e os 150 anos da imigração italiana no Brasil, e contando um pouco da história de imigrantes europeus que aqui ganharam o sustento e constituíram família, encontrando no país e nas Gerais, a exemplo dos antepassados, uma “terra prometida”.


Os que chegaram muito depois dos pioneiros, na segunda metade do século 20, enfrentando menos turbulências, têm muito para comemorar neste domingo. Nas palavras do italiano Umberto Nigi, de 79 anos, e do alemão Walter Bartoschik, de 81, o Dia dos Pais será de alegria, em família. “O Brasil é acolhedor”, resume Umberto, ao lado da filha Valentina, enquanto Walter, abraçado à filha Isabella e ao neto Felipe, reforça, garantindo que o brasileiro reúne características como a de receber muito bem os estrangeiros.

 

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A saga dos imigrantes rumo ao Brasil, nos séculos 19 e 20, emociona, leva à reflexão, abre caminhos para a busca de compreensão no mundo atual. Se hoje a maré é calma, nada foi um mar de rosas para esses viajantes, diga-se de passagem. E nunca é demais comparar as jornadas, nas ondas de incertezas, aos deslocamentos atuais, de povos que tentam atravessar águas revoltas, como o Mar Mediterrâneo, em busca de um porto seguro, acolhedor, protegido.

 



 


As histórias se repetem, guardadas as devidas proporções de tempo, espaço e condições, mas o objetivo, sempre, é viver com dignidade, longe da escassez ou da perseguição.

 

BRASIL E ITÁLIA DE MÃOS DADAS

 

O desenho de um grupo de crianças de mãos dadas em torno das bandeiras do Brasil e da Itália tem lugar de destaque no ateliê e no coração do artista plástico Umberto Nigi, residente em Belo Horizonte. Ao lado da filha Valentina de Freitas Nigi, estudante de enfermagem, Umberto contempla, com satisfação, o quadro que ganhou de presente e mostra a união da sua terra natal com o país onde pisou pela primeira vez em 1978. “O Brasil é acolhedor, tem um clima excelente. Viver aqui, hoje, é melhor do que na Europa”, afirma o italiano.

 


Artista renomado, com exposições nos Estados Unidos e na Europa, Umberto chegou a Minas para trabalhar inicialmente como engenheiro mecânico. Acostumado a rodar o mundo, foi depois para a Inglaterra e retornou a Belo Horizonte, casando-se, há 26 anos, com a mineira Patrícia da Conceição Freitas Nigi.


As viagens são a deixa para ele falar sobre italianos que emigraram para o Brasil desde 1874. “A Europa estava em crise, as pessoas precisando de trabalho, então vieram em massa. Sofreram muito, mas tinham experiência e espírito empreendedor. Tenho certeza de que, naquela época, deixando para trás a fome e as doenças, era como se chegassem a uma ‘terra prometida’”, compara.


A emoção permeia esse momento e o seguinte, em que o pai abraça a filha e garante que nada se compara ao sorriso no rosto de Valentina. Ela retribui o afeto mostrando, no braço, a tatuagem do mapa da Ilha de Górgona, na Toscana, onde Umberto nasceu. “Aprendo muito com o meu pai. É um homem de cultura, gosta de arte, está sempre lendo, e me transmite conhecimento”, conta Valentina, de 24, que pensa, futuramente, em morar na Itália. “Se ela for, acho que volto para lá...”, confessa Umberto, certo de que Valentina “é a luz da casa, uma jovem equilibrada, tranquila e feliz”.


Apaixonado pelo seu ofício, Umberto revela que nunca parou de pintar. “Trabalhei como engenheiro no Egito, no Iêmen, no Sudão, sempre levando os pincéis na bagagem”, ressalta o pintor, que considera maravilhosa a luz de Belo Horizonte. “Levantar no inverno e ver esse azul é muito bonito, inspirador.”

 


Depois da conversa sobre história, viagem e arte, e com o meio-dia chegando, não custa perguntar como será o almoço neste domingo. E Valentina responde: “Ainda não pensamos, mas, certamente, será uma bela massa italiana”.


OS PRIMEIROS TEMPOS EM SOLO BRASILEIRO

 

A conversa com Umberto Nigi remete aos primórdios da imigração italiana no Brasil, cujo marco de chegada é 21 de fevereiro de 1874, quando atracou no porto de Vitória (ES) o navio “La Sofia”, com cerca de 400 pessoas a bordo. Havia, na Itália, país recém-unificado, uma grave crise de desemprego decorrente do processo de industrialização na Europa, e altas taxas de crescimento populacional.


Na segunda metade do século 19, cerca de 10 milhões de europeus vieram para a América, principalmente Estados Unidos, Argentina e Brasil, dos quais 7 milhões de italianos (entre 1860 e 1920). Boa parte desse contingente acabou desembarcando em Minas Gerais.


Se existe a chegada, há um ponto de partida. Na época, o governo mineiro adotou uma política de incentivos e subsídios para imigração, criando até mesmo uma superintendência em Gênova, Itália, para divulgar as vantagens de vir para os trópicos. Editais foram publicados em jornais italianos a fim de arregimentar trabalhadores, pois, com o fim da escravidão (1888), havia grande demanda por mão de obra.

 


Guardiãs de retratos, cartas, livros e documentos, muitas famílias mineiras recuperam a trajetória dos antepassados vindos da Itália rumo ao Brasil. Entusiasmada com a “missão”, a advogada Regina Massara conta que os avós da parte de seu pai, Francisco, eram naturais da região de Drapía, na Calábria, e os da parte da sua mãe, Olympia, de sobrenome Fiorini, da província de Marche.


“Todos vieram para trabalhar nas lavouras. Partiram de Gênova em direção ao Rio de Janeiro, depois seguiram para Juiz de Fora (Zona da Mata mineira), onde ficaram na Hospedaria dos Imigrantes. A próxima parada foi na Colônia dos Imigrantes, na Região do Barreiro, em BH”.


O início foi difícil, porém, com o tempo, a vida entrou nos eixos, com muitas celebrações, conta ela. Um bom exemplo está na foto de 1925, com os Fiorini e os Massara reunidos em torno de uma mesa com a criançada, muita comida e bebida.

 

Sotaques que construíram BH

 

No fim do século 19 e ao longo do século passado, Belo Horizonte recebeu várias levas de estrangeiros: no início da construção da capital (inaugurada em 1897), durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e na década de 1970, com a chegada dos asiáticos. Em 1896, entraram oficialmente na cidade 18,9 mil italianos, 3.002 espanhóis e 488 portugueses.

 

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