Apesar de ostentar o título de ‘Cidade Árvore’, conferido por uma entidade ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), Belo Horizonte tem apenas 15% de seu território coberto por áreas verdes, conforme revela o Diagnóstico da Arborização Urbana do município. O documento, elaborado para fundamentar a criação do Plano Municipal de Arborização Urbana de Belo Horizonte (PMAU-BH), evidencia o que especialistas já vêm cravando há décadas: a distribuição desigual da vegetação urbana, com áreas nobres recebendo uma cobertura verde bem superior em comparação a vilas e favelas.


O estudo aponta que as periferias, em geral, têm menos de 5% de cobertura arbórea. Mesmo nas regiões mais arborizadas, parte dessas áreas se encontra em zonas de vegetação protegida ou em locais de baixíssima densidade populacional.


Como a capital mineira não tem um banco de dados preciso sobre a quantidade e a composição de sua área verde, o diagnóstico usou imagens aéreas capturadas pela Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel) para mapear a extensão da área coberta por copas de árvores e arbustos em áreas públicas e privadas da cidade. A grosso modo, a cobertura arbórea pode ser descrita como a sombra das árvores.

 




Segundo o estudo, as áreas verdes em BH abrangem 50,89 km², ou seja, 15% do território. Desse total, apenas 1,2 km² estão inseridos em unidades de conservação, como parques e Reservas Particulares Ecológicas (RPEs), menos de 0,5% da área total da cidade. A título de comparação, Brasília tem 31% de maciço vegetal.


Belo Horizonte, ainda que não tenha um inventário oficial, estima ter cerca de 550 mil árvores. O diagnóstico de arborização do município aponta para um déficit significativo de 383.421 árvores que, se preenchido, poderia ampliar a cobertura arbórea em cerca de 35,65 km². 


Mais do que quantidade de áreas verdes, porém, o engenheiro florestal da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), Edinilson Santos, defende que a arborização de uma cidade precisa ser bem planejada. “Faz tempo que estamos querendo fazer isso, mas a implementação e manutenção desse projeto precisa considerar todas as dimensões da arborização urbana, incluindo o meio ambiente, a saúde, a segurança pública e a mobilidade”.

 


Na quinta (8/8) e sexta-feira (9/8) da última semana, a secretaria realizou as primeiras reuniões para a etapa de planejamento participativo do Plano Municipal de Arborização Urbana, exigido na Lei orçamentária 11.442/2022, que destina recursos para implementação e manutenção da arborização viária e das áreas verdes municipais.


À primeira vista, a capital mineira pode parecer uma cidade arborizada, com suas largas avenidas e parques que, superficialmente, cumprem o que é exigido pela Organização Mundial da Saúde (OMS):12 m² de área verde por habitante. BH até supera essa marca, com um índice de 21,4 m², conforme o estudo encomendado pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).No mundo, a referência é Estocolmo, capital da Suécia: são 86 metros quadrados de área verde por habitante.


Entretanto, quando se analisa com maior profundidade, a desigualdade na distribuição desse verde em BH é gritante, muito embora a capital tenha quase 150 quilômetros quadrados de área verde preservada. “Se olharmos detalhadamente as nossas nove regionais e os nossos 487 bairros, a gente percebe que há áreas onde registra-se uma concentração muito grande de verde e outras que praticamente não têm”, avalia o arquiteto e urbanista Sérgio Myssior.


Extremos climáticos


A observação de Myssior é corroborada pelos dados do diagnóstico de arborização da cidade. O mapeamento detalha que 119 dos 487 bairros da capital apresentam menos de 10% de cobertura arbórea. Pior ainda, 19 destes, localizados em vilas e favelas, possuem índices abaixo dos 5%, o que revela uma distribuição extremamente desigual das áreas verdes na cidade.


Essa discrepância ficou ainda mais evidente durante as ondas de calor que atingiram a cidade no último ano, quando Regiões como Venda Nova e a Noroeste se destacaram enquanto verdadeiras 'ilhas de calor', expondo a vulnerabilidade dos moradores dessas áreas aos extremos climáticos, conforme mostrou reportagem exclusiva do Estado de Minas.


Em teoria, quanto mais áreas verdes uma cidade possui, melhor é a qualidade do ar e mais agradável se torna o ambiente. Contudo, a análise do diagnóstico de arborização de BH revela uma complexidade maior. O índice do território verde por bairro deve ser avaliado com cautela, já que em alguns há grandes áreas de vegetação protegida ou de difícil ocupação, devido à topografia e baixa densidade populacional, como o próprio documento explicita.


Com 40,92%de cobertura arbórea, a Vila Paraíso, na Região Leste, lidera o ranking, embora seja cercada pela vegetação de um córrego poluído. Já o bairro Braúnas, na Pampulha, que ocupa a terceira posição, encontra-se dentro da área do Zoológico, enquanto o Bandeirantes, também na Pampulha, abriga o parque ecológico. No extremo oposto, onde a arborização é alarmantemente baixa, destaca-se o Bairro Minas Brasil, na Região Noroeste, com apenas 0,32% de cobertura arbórea, seguido pela Vila PUC, também na Região Noroeste (0,79%), e pela Vila Vera Cruz II, na Região Leste (1,97%).

 

 

Embora a Região Centro-Sul seja, em um primeiro olhar, uma das áreas mais arborizadas de Belo Horizonte, quando se leva em conta o adensamento populacional, ela apresenta um dos menores índices de áreas verdes por habitante, com apenas 15,59 m²/hab. A Região Oeste, por sua vez, enfrenta desafios significativos, como um baixo percentual de cobertura vegetal e um índice reduzido de áreas verdes, sendo destacada no diagnóstico como uma área que exige investimentos urgentes. Por outro lado, a Região Norte destaca-se por possuir a maior cobertura arbóreo-arbustiva em relação à sua extensão territorial, o que pode ser atribuído ao fato de ser a fronteira mais recente de ocupação da cidade.


A urbanização não planejada e a especulação imobiliária são apontados como agravantes para a devastação da cobertura vegetal ao longo dos anos e o crescente comprometimento dos cursos d’água. “O poder público precisa inverter a lógica dos investimentos, que historicamente privilegiam as áreas centrais, como a Região Centro-Sul, em detrimento das periferias. Essa inversão é necessária não só em Belo Horizonte, mas em outras cidades, onde os recursos públicos ainda são concentrados nas regiões mais abastadas, enquanto as áreas mais vulneráveis permanecem negligenciadas”, avalia Myssior.


Próximos passos


Daqui para frente, o desafio será construir o Plano Municipal de Arborização Urbana de Belo Horizonte a partir do diagnóstico apresentado à comunidade na última quinta (8/8) e sexta-feira (9/8). Embora esteja em tramitação no Congresso Nacional um projeto de lei para instituir uma política nacional de arborização, até o momento, o plano da PBH é único no país.


Ao contrário da meta ambiciosa, anunciada em junho deste ano, de dobrar o número de árvores plantadas em todas as regionais até 2050, o engenheiro Florestal da SMMA Edinilson Santos é cauteloso em cravar um número de espécimes. “Não é só ir lá e plantar uma muda. Nossa intenção é que o Plano de Arborização seja construído de forma participativa, com a presença da sociedade civil, como organizações não governamentais e especialistas das universidades”, afirma.


A agenda já inclui a criação do Parque Ciliar do Onça, planejado para se tornar um dos maiores do país, com uma extensão de 7 km, projetado dentro do conceito de "cidade esponja", que busca replicar a forma como a natureza absorve, armazena e libera água em ambientes urbanos. Outro destaque é a implantação de um corredor verde ao longo da Avenida Antônio Carlos, com o plantio de mil árvores ao longo de 8 km, desde o Bairro da Lagoinha até a Barragem da Pampulha.


À época do anúncio de instituição do plano de arborização também foi anunciada a criação do Arvorômetro, uma ferramenta que permitirá aos cidadãos acompanhar o progresso dos plantios de árvores na cidade, ainda sem atualizações sobre a previsão de implementação.

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