Tombados...e quase tombando. A situação de muitos imóveis protegidos pela União, pelo estado ou por municípios em Minas Gerais inspira cuidados e exige atenção urgente de autoridades das três instâncias para evitar a derrocada. Na lista, há casos gravíssimos como a Fazenda do Registro Velho, do século 18, em Barbacena, na Região Central, que, dependendo da demora no socorro, poderá desaparecer do mapa sem deixar vestígios.
Neste sábado (17/8), Dia Nacional do Patrimônio Cultural, o Estado de Minas mostra a preocupação de moradores com seus tesouros arquitetônicos, alerta para a necessidade de preservação e chama a atenção para bens culturais, a exemplo do Museu do Ouro, em Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, “fechado ao público por tempo indeterminado”. O equipamento cultural deixou de funcionar há um ano e sete meses.
Minas Gerais possui um dos maiores acervos de bens tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no país, sendo 204 tombados isoladamente e 19 conjuntos arquitetônicos e urbanísticos, totalizando 30 mil imóveis. Já pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG), são 151 (tanto isolados quanto conjuntos). Nesta data, um sopro de esperança vem do Iepha, que lança, ainda em agosto, juntamente com a Secretaria de Estado da Cultura e Turismo (Secult), por meio do Fundo Estadual de Cultura, o edital FEC Restaura Minas.
A novidade, com liberação de recursos não reembolsáveis, contemplará propostas inscritas por municípios ou instituições de direito público municipal, da administração direta ou indireta, que apresentem projetos de obras de restauração de bens culturais de uso público.
MONUMENTO PEDE SOCORRO
Localizada a 12 quilômetros do Centro de Barbacena, a Fazenda do Registro Velho, do século 18, é tombada pelo Iphan, desde 2002, e pelo município (1993). O cenário não pode ser mais desolador, e vem piorando ano a ano, lamenta o advogado e historiador Alex Guedes dos Anjos, residente no município. “Trata-se de um dos imóveis mais antigos do Caminho Novo da Estrada Real, e, infelizmente, abandonado”, protesta Alex.
Nos últimos 15 anos, por inúmeras vezes o EM mostrou aos leitores as condições precárias da Fazenda do Registro Velho, documentando ações para tentar protegê-la, como por exemplo, em 2013, a instalação de uma tenda de alumínio e lona sobre ele. Na primeira chuva forte, no entanto, a estrutura desabou. Na Justiça, tramita um longo processo para salvar a propriedade, que é particular e tem um compromisso de doação. “Ainda podemos salvar o casarão, que guarda muita história. E amanhã pode ser tarde demais”, avisa Alex. Conforme pesquisas, a Fazenda desempenhou papel importante na Revolução Liberal de 1842, pois dali sairia, em junho daquele ano, o grupo de Teófilo Otoni (1807–1869) para lutar contra as tropas de Luís Alves de Lima e Silva, o duque de Caxias (1803–1880).
Em nota, a direção do Iphan informa que “está instruindo os processos de contratação das obras emergenciais em paralelo com o projeto completo de restauração arquitetônica”. Por sua vez, gestor de Patrimônio Cultural da Prefeitura de Barbacena e secretário do Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico, Tarcísio Ferreira Pereira, ressalta: “Estamos em negociação com o Iphan para escolha da melhor destinação do bem.”
ABANDONO CAUSA TEMOR
Inaugurado há quase 70 anos, o Museu do Ouro, no Centro Histórico de Sabará (RMBH), se encontra fechado sem data para voltar a funcionar. Na porta principal, na Rua da Intendência, há um aviso que decepciona moradores e visitantes: fechado por tempo indeterminado. “É um absurdo, o turista vem às vezes de longe e não tem o que ver. E quem é daqui não pode entrar”, observa um vizinho do equipamento cultural, apontando o dedo para a fachada. “Já viu a trinca aí na fachada?” Impossível não ver a fenda na parede branca do bem vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e tombado pelo Iphan. Com rico acervo, o Museu do Ouro, inaugurado em 1946, ocupa a antiga Casa de Intendência e Fundição do Ouro de Sabará.
Segundo a Superintendência do Iphan em Minas, são realizadas “fiscalizações periódicas e monitoramento das condições estruturais, sendo mantido contato permanente com o Ibram”. E mais: “A obra de restauração do Museu do Ouro é uma ação do PAC, e o Iphan e o Ibram trabalham conjuntamente na atualização e complementação do projeto e orçamento da obra.”
Conforme o Ibram, o fechamento, para evitar danos ao acervo museológico e aos visitantes, ocorreu por iniciativa da gestão do museu. Em nota, a instituição esclarece que “diante das condições estruturais do prédio”, foi solicitada uma avaliação pela Defesa Civil, “que recomendou a interdição parcial do museu, para que fosse realizada uma avaliação mais detalhada”.
Nota do Ibram destaca que o imóvel necessita de obras de restauração estruturais, “cujos processos para contratação dos serviços foram encaminhados aos órgãos competentes”. O acervo continua no museu e está devidamente acondicionado, com o tratamento técnico adequado para a sua preservação, até que ele possa voltar às salas expositivas sem qualquer risco. Já o administrativo do museu migrou para o prédio anexo (Casa Borba Gato) e sua equipe técnica tem vistoriado o acervo regularmente.
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Já no município vizinho de Caeté (RMBH), onde ganha corpo a mobilização popular pela preservação dos bens culturais, moradores do Centro Histórico, e pessoas que passam pelo local, se apavoram com o “estado terminal” de uma casa na Rua Presidente Getúlio Vargas, nas proximidades da Matriz Nossa Senhora do Bom Sucesso, área tombada pelo município. Aberta, com o telhado desabando, “a residência serve de abrigo para população em situação de rua e corre o risco de desabar ou pegar fogo”, conta um trabalhador que prefere não se identificar. “É uma situação muito difícil, pois há outros imóveis demandando preservação aqui no Centro”, acrescenta.
Em nota, a Prefeitura de Caeté esclarece que o imóvel” foi recentemente abandonado pela família que ali residia”, e a exemplo dos demais itens do conjunto arquitetônico do Centro, “possui um olhar da gestão”. E mais explica o poder público municipal: “Há, no momento, outras intervenções mais urgentes atendidas pelo município. Assim que o orçamento da Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Patrimônio permitir, a situação do imóvel será colocada em discussão no Conselho de Patrimônio para que medidas sejam tomadas em conjunto com a família detentora do imóvel, a fim de mitigar as avarias causadas pelo tempo, na construção.”
SINAIS DE ESPERANÇA
O Centro Histórico de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, tombado em 1938 pelo Iphan, vai comemorar, em dezembro, 25 anos de reconhecimento como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). No ponto icônico do núcleo central – a Rua da Quitanda com o Beco do Mota – vê-se, com o sinistro aspecto da degradação, o prédio do ex-Grande Hotel, erguido no início do século 20. Está desativado há cerca de três décadas.
Mas há uma boa notícia divulgada pelo secretário Municipal de Cultura e Patrimônio, Alberis Mafra. “A Prefeitura vai desapropriar o imóvel, já tendo sido publicado o decreto declarando o bem de utilidade pública para fins de desapropriação”, diz Alberis, adiantando que o futuro uso será discutido com a sociedade, sendo afastada a ocupação por órgãos públicos.
Também com passado colonial, Santa Luzia (RMBH) aguarda o restauro do casarão da Fazenda Boa Esperança, tombado em 1989. Em novembro de 2022 foi lançada a pedra fundamental do Museu da Cozinha Mineira, que tinha previsão de ser inaugurado no semestre passado. Quase um ano e nove meses depois, nada aconteceu. A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo informa que “um projeto arquitetônico para a melhoria do espaço está em fase final de elaboração”, ou seja, o projeto está paralisado.
Já em BH, continua em compasso de espera a situação da Casa Azul, primeira sede do Iepha-MG, hoje instalado no Prédio Verde, na Praça da Liberdade. Segundo a direção do Iepha, a casa se encontra atualmente cedida à Prodemge (Companhia de Tecnologia da Informação do Estado de Minas Gerais), “cabendo à mesma a manutenção do bem”. Em estilo eclético, de 1929, o prédio, conforme a placa na fachada, é obra dos arquitetos Octaviano Lapertosa e Salvatore Impellizieri.
Icone da preservação
O Dia do Patrimônio Cultural, comemorado em 17 de agosto, homenageia o belo-horizontino Rodrigo Melo Franco de Andrade (1898-1969), sinônimo de preservação do acervo cultural. Primeiro presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o advogado, jornalista e escritor esteve à frente do órgão federal por três décadas, sempre com a missão de fazer o tombamento de monumentos e evitar a evasão de obras, objetos de arte e outras peças de relevância
À ESPERA DE SALVAÇÃO
1) Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH)
Museu do Ouro, na Rua da Intendência, s/nº, no Centro Histórico. Tombado pelo Iphan e vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), o prédio do século 18 está fechado desde 7 de janeiro de 2023.
2) Barbacena, na Região Central
Fazenda do Registro Velho, a 12 quilômetros do Centro da cidade. Tombada pelo Iphan (desde 2002) e pelo município de Barbacena (1993), a propriedade se encontra em arruinamento.
3) Belo Horizonte
Casa Azul, na Rua da Bahia, nº 2287, no entorno da Praça da Liberdade, em BH. Foi a primeira sede do Iepha-MG, e está cedido à Prodemge. Fechado e cercado por tapumes, tem estilo eclético, de 1929.
4) Santa Luzia, (RMBH)
Casarão da Fazenda Boa Esperança, no Bairro Boa Esperança. Integra o patrimônio da prefeitura local, com tombamento municipal (1989). Construído no início do século 20, com as marcas da arquitetura do século 19. Receberia o Museu da Cozinha Mineira, mas projeto está paralisado.
5) Caeté, (RMBH)
Casa na Rua Presidente Getúlio Vargas, 185, no Centro Histórico. Com as portas abertas e em precariedade, o imóvel particular, localizado em área tombada pelo município, está a ponto de desabar.
6) Diamantina, no Vale do Jequitinhonha
Antigo Grande Hotel, na esquina da Quitanda como o Beco do Mota, no Centro. Erguido no início do século 20, fica em área tombada pelo Iphan e reconhecida como Patrimônio Mundial. Desativado há cerca de três décadas.