Os incêndios em vegetação na área urbana de Belo Horizonte cresceram 19% neste mês em relação a agosto do ano passado. Entre o dia 1º e a tarde de ontem (27/8), a capital mineira registrou, em média, seis ocorrências por dia. No total, são 179 registros, segundo dados do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG). O aumento das chamas coincide com um longo período sem chuvas, que já se estende por 130 dias e sucessivas onda de calor, numa cidade em que até a inclinação favorece a propagação das chamas e dificulta seu combate.

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia

 


Neste ano, 837 incêndios em vegetação urbana foram reportados à corporação na capital, sendo julho o mês mais expressivo, com 217 ocorrências. O número representa um crescimento de 21% em relação ao ano anterior. Em 2023, até agosto, foram registrados 688 incêndios em BH.


Segundo a corporação, os militares estão atentos a alguns pontos de calor identificados por meio da tecnologia utilizada para localizar potenciais focos de incêndio – não necessariamente já em andamento ou ocorrências geradas via 193 –, entre os quais as matas da Baleia e do Castelo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O Corpo de Bombeiros destaca que as temperaturas caíram na segunda-feira, o que auxiliou na redução dos pontos de calor captados por drones e sistemas de monitoramento remoto.

 


Na segunda-feira, um incêndio atingiu a vegetação próxima à Avenida Raja Gabaglia, na altura do Bairro São Bento, Região Centro-Sul da capital. Os carros alegóricos da Escola de Samba Cidade Jardim, sediada próximo ao local, foram atingidos e completamente queimados durante o incêndio. O prejuízo, segundo a agremiação, ultrapassa os R$ 100 mil.

 




Segundo o presidente da escola de samba, Alexandre Silva, os carros foram colocados perto da vegetação pela empresa proprietária do terreno, contra a qual a agremiação registrou um boletim de ocorrência. “Os carros foram colocados ao ar livre próximos à mata, quando na verdade os tínhamos deixado mais para perto do asfalto. Foi uma tragédia anunciada, ali todo ano pega fogo. Quando soubemos que os carros foram trocados de lugar já esperávamos isso”, conta.


“Esses carros foram feitos por artistas de Parintins para o carnaval de 2025. É um prejuízo muito grande, a construtora que comprou o local não nos deixou ir até lá desmontar os carros alegóricos. Se tivéssemos ido, só os ferros iam queimar, mas perdemos isopor, fibra e madeira”, explica.


Para Alexandre, o incêndio foi “avassalador”. Agora, o grupo pretende organizar eventos para arrecadar dinheiro para a construção de novas alegorias. “Vamos fazer muitas festas, eventos e feijoadas para recuperar o prejuízo e deixar os carros lindos para 2025”, antecipa.


A empresa proprietária do terreno informou ao Estado de Minas que notificou por diversas vezes a escola de samba responsável pelos carros alegóricos para que esses veículos fossem retirados, mas nunca foi atendida.


As chamas se aproximaram do restaurante Raja Brasa, e a proprietária do estabelecimento, Carol Line Machado, viveu momentos de apreensão. “O fogo começou no terreno do lado, um fogo criminoso, e aí o vento arrastou as chamas para cá. Quando chegamos tinha muita fumaça. Como nosso terreno estava capinado, o fogo não atingiu o restaurante, mas houve destruição da fauna e da flora. Aqui temos vários bichinhos, muitos pássaros que morreram nesse incêndio”, relata.

 

Ação humana

 

Carro-chefe de estatísticas nesta época do ano, os incêndios em áreas de vegetação, como lotes vagos e margens de rodovias, somam quase 60% das ocorrências atendidas pelo Corpo de Bombeiros, conforme aponta o tenente Henrique Barcellos, porta-voz da corporação.


A situação, que historicamente já se agrava em agosto, é ainda mais preocupante devido aos alertas de alta temperatura e baixa umidade emitidos pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). “O ano de 2024 tem sido um dos piores em termos de focos de incêndio, devido a uma combinação de fatores, incluindo temperaturas acima da média e uma seca prolongada de 130 dias, situação que não acontece desde a década de 1960”, afirma.

 


A principal causa desses incêndios continua sendo a ação humana, seja por descuido, como o descarte imprudente de cigarros, ou por atos intencionais. “A gente tem muitos casos de pessoas colocando fogo em amontoados de lixo ou folhas, que acabam perdendo o controle. Mais de 90% dos incêndios são causados por ação humana”, alerta o tenente.


Hoje, a corporação tem militares especializados em perícia de incêndio em vegetação, capacitados para emitir relatórios que contribuem para a identificação das causas dos incêndios pela Polícia Civil de Minas Gerais.


Prevenção

 

Desde abril, o Corpo de Bombeiros tem intensificado suas ações de prevenção e orientação à população por meio da operação Alerta Verde, que inclui vistorias em lotes vagos para avaliar o risco de incêndios. A vegetação seca, comum nessas áreas, aliada à falta de manutenção, representa um perigo constante para a cidade.


“Essas informações foram repassadas à prefeitura para que os proprietários sejam responsabilizados pela limpeza”, explicou Barcellos, ressaltando que a negligência na manutenção pode complicar a renovação de obrigações como o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).

 


Ele destaca a necessidade de conscientização da população sobre os riscos que pequenas atitudes podem gerar, especialmente em um ano tão crítico quanto este, em que as condições climáticas têm favorecido a propagação rápida das chamas. O alerta é claro: todos devem estar atentos e adotar medidas preventivas para evitar que o fogo se alastre. “Qualquer ponta de cigarro jogada para fora de uma janela de carro é uma fonte de indução neste período do ano”, alerta.

 

Sobrecarga

 

O bombeiro militar reformado coronel Anderson Passos explica que os números representam uma sobrecarga no sistema. “Especificamente na região de BH, que é muito montanhosa, tem muitas áreas com vegetação alta e ainda a inclinação do terreno, morros com vegetação muito seca. As chamas avançam com velocidade muito grande. É muito perigoso combater nessas áreas, para o bombeiro se colocar nessa situação. Muitas vezes, o combate precisa de uma agilidade grande, mas a demanda nessa época é gigantesca”, detalha.


“As equipes estão sobrecarregadas. Se um incêndio como esse na região da Raja Gabaglia tivesse acontecido no mês de maio, haveria 30 ou 40 bombeiros combatendo. Esse tem pouquíssimos, que estão vindo de outros incêndios para fazer o combate. É uma sobrecarga muito grande para o sistema. À noite é pior, não tem possibilidade de fazer esse combate com aeronave por causa do risco de colisão com fiação da rede elétrica”, relata.

 


Ele lista as características dos incêndios urbanos. “São pequenos, mas causam comoção muito grande. Causam muita fumaça. O maior problema, muitas vezes, não é a chama propriamente dita, mas a fumaça. Entre os prédios, o vento não transita tanto, então a fumaça fica parada. A Região Sul da cidade é muito íngreme, as chamas são muito perigosas”, explica.


“Existe uma regra dos 30: mais de 30°C, menos de 30% de umidade do ar, vento de 30km/h, inclinação do terreno de 30°. Tudo isso é combustível para o incêndio. Se juntar isso tudo, é a tempestade perfeita”, esclarece.



Unidades de conservação

 

O cenário de incêndios em Minas Gerais é o mais grave desde 2010, com um aumento de 76% nos focos em comparação à média dos últimos 10 anos. Apesar da crescente demanda por ações de combate, a área total queimada tem diminuído, segundo o porta-voz dos Bombeiros. Ele observa que, embora alguns incêndios possam se prolongar por uma semana, dependendo da extensão do terreno e da intensidade das chamas, a maioria é controlada rapidamente. “Percebemos que 80% dos incêndios em unidades de conservação são extintos no primeiro dia de combate. Isso demonstra que estamos conseguindo mobilizar uma força-tarefa até a ponta da linha e fazer um trabalho que não seja tão duradouro como em anos anteriores”, afirma.


Ainda assim, os incêndios em áreas de conservação exigem um esforço coordenado e estratégico por parte do Corpo de Bombeiros. Na capital, o Parque Estadual Serra do Rola-Moça, no limite de Nova Lima e Raposos, na Grande BH, é um dos locais de maior atenção. A presença de turistas, especialmente durante feriados e períodos de férias, eleva o risco de incêndios acidentais, como fogueiras não apagadas ou brasas deixadas para trás, segundo o tenente do Corpo de Bombeiros. “Além disso, enfrentamos desafios adicionais devido às barreiras naturais e aos animais afugentados pelos incêndios, que podem representar um risco de ataque às nossas equipes, o que torna as operações ainda mais complexas”, destaca.



Verde Minas

 

Desde o início de agosto, força-tarefa de órgãos do Executivo estadual, Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros atua no combate às chamas, na operação Verde Minas, que reúne aproximadamente 900 oficiais nas ações de preservação ao meio ambiente. Os militares contam com o apoio de equipamentos como drones e sistemas de monitoramento remoto.

 


O comandante-geral do CBMMG, Erlon Dias do Nascimento Botelho, explica que a tecnologia é uma aliada para localizar possíveis focos de incêndio em vegetação. “Utilizamos um mapa por satélite. Sempre que percebemos focos de calor, equipes em campo são acionadas e vão até os locais indicados para minimizar o primeiro impacto desses possíveis incêndios”, detalha. A PMMG orienta a população que acione o disque 190, caso observe alguém colocando fogo em florestas ou demais formas de vegetação. n

*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho

compartilhe