
Cadê o radar que estava aqui?
Desativação de equipamentos e placas danificadas multiplicam o perigo em BRs que cortam Minas, apontam motoristas e especialistas
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Siga noO motorista de caminhão Fernando Antônio Ventura trabalha percorrendo as rodovias brasileiras há 25 anos. Natural do Espírito Santo, já passou incontáveis vezes pelo trecho da BR-381 que liga Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, à Região Metropolitana de Belo Horizonte, mas percebeu uma piora na fiscalização eletrônica com radares nos últimos três anos. “A via está péssima, com muito buraco e a sinalização muito ruim. Tem placa de radar sem radar e radar sem placa. De uns três anos para cá, essa questão piorou bastante, a fiscalização deu uma afrouxada, até tiraram o radar do Km 30”, conta. O resultado é risco dobrado, que se repete em outras estradas na mesma situação.
O radar do Km 30 da BR-381, que foi retirado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), cumpria um importante papel na prevenção de acidentes da “Rodovia da Morte”, como é popularmente conhecido esse trecho da BR-381. Próximo a Caeté, o aparelho controlava a velocidade dos veículos antes de uma curva temida por muitos motoristas. O eletricista Diogo Magalhães percorre o trecho entre Caeté e Nova União com frequência. “O (radar) mais importante é o do Km 30. Quando tinha, o motorista diminuía a velocidade e fazia a curva com mais segurança”, destaca.
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O motorista Paulo Bento, de Itabirito, na Região Central do estado, estava em viagem com a família e contou que percebeu que tiraram alguns radares desde a duplicação em parte da via. Além do aparelho do Km 30, ele relata ter percebido a remoção de um radar próximo a Roças Novas, no Km 422. “O GPS marca o local dos radares, mas não tem placa”, narra.
A reportagem do Estado de Minas percorreu o trecho de BH a Nova União em busca dos radares “perdidos” e registrou diversos veículos fazendo ultrapassagens perigosas na BR-381, tanto caminhões quanto carros menores em alta velocidade. Além disso, a sinalização por placas estava prejudicada por falta de visibilidade. Foram flagradas placas queimadas, quebradas e apagadas pela ação do tempo.
Tem placa, mas não tem radar
A perigosa BR-251 é uma das rodovias federais mais movimentadas de Minas Gerais, com um trânsito pesado de caminhões e carretas que viajam do Sul para o Norte do estado. No trecho entre Montes Claros, no Km 523,2, e Salinas, Km 310, havia pelo menos 22 radares, que, depois de retirados por uma empresa contratada anteriormente pelo DNIT, ainda não foram substituídos por outros equipamentos pela nova concessionária.
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A reportagem percorreu trechos da BR-251 e constatou que, em vários pontos da rodovia, os radares foram retirados, permanecendo somente a placa de advertência “fiscalização eletrônica”, indicando a velocidade máxima de 60km/h, mas, na prática, sem a existência dos equipamentos.
Um dos trechos da BR-251 onde a fiscalização eletrônica também está resumida ao letreiro na placa é o da Serra de Francisco Sá. Com uma sequência de curvas de pista simples, o segmento em área serrana já foi palco de inúmeros acidentes fatais, envolvendo caminhões, carretas e veículos pequenos. Para impedir a alta velocidade e amenizar os riscos, foram colocados radares no percurso.
Mas, desde abril, os equipamentos foram retirados, aumentando a insegurança e contribuindo para a ocorrência de tragédias, como o acidente ocorrido em 19 de agosto, quando uma van foi prensada entre um caminhão carregado de cocos e uma carreta com uma carga de farinha na descida da serra, deixando seis mortos e nove feridos. A van transportava pacientes de Novorizonte, no Norte de Minas, que pegaram a estrada em busca de tratamento médico em Montes Claros.
Segundo o sargento Isaac Santos, do pelotão do Corpo de Bombeiros de Francisco Sá, a corporação sempre é chamada para atender ocorrências de acidentes no perigoso trecho da BR-251 na serra, a cerca de seis quilômetros da área urbana do município. “Realmente, há um trecho muito perigoso, a gente orienta todos os motoristas a tomarem cuidado, seguirem todas as normas de trânsito e terem cautela ao passar pelo local. O que ocorre é que, muitas vezes, o excesso de pressa resulta em acidentes, tanto na descida quanto na subida da serra”, relata o militar.
“O trecho na Serra de Francisco Sá é perigoso pelo fato de a estrada ter um tráfego muito grande de caminhões e carretas, além de veículos pequenos”, completa o sargento Paulo Brandão, também da unidade do Corpo de Bombeiros de Francisco Sá. Brandão lembra que a rodovia é muito usada por motoristas que viajam em direção ao Sul da Bahia e para o Nordeste. Grande parte deles passa pelo local pela primeira vez, desconhecendo os riscos da pista sinuosa na área serrana.
Já na chegada de Montes Claros permanece a placa de fiscalização eletrônica, informando que a velocidade máxima permitida é de 60km/h. Com a retirada de um radar que existia perto do trevo, os veículos de carga e carros de passeio passam pelo local com velocidade acima de 60km/h, conforme constatou a reportagem.
Insegurança
O professor Joaquim Fernandes Pena, morador de Francisco Sá, salienta que a desativação dos equipamentos de fiscalização da velocidade fez aumentar a insegurança de quem percorre a BR-251. “A instalação dos radares fez diminuir os acidentes nos pontos críticos da via. A retirada dos equipamentos pegou todo mundo de surpresa. É necessário que as lideranças cobrem das autoridades competentes a reposição dos radares na estrada”, pede Pena.
O empresário Carlúcio Silva Froes passou pelo trecho e percebeu a falta de segurança na estrada com a retirada dos radares em seus pontos com maior risco de acidentes. “Com a retirada dos radares, aumentou a insegurança na estrada para todo mundo. O motorista que viaja acima dos limites de velocidade coloca em risco a vida dele e de outras pessoas também”, lamenta o empresário.
Companheiro de viagem dele, o arquiteto José Renato Toledo acrescenta que, além da retirada dos radares, a BR-251 apresenta grandes riscos por contar com uma pista simples, com qualidade ruim do asfalto e ser sobrecarregada com trânsito pesado de caminhões e carretas. “Muitas vezes, como a pista é estreita, os veículos andam pelo acostamento na estrada. Isso é até mais perigoso do que (a falta do) radar”, disse.
Prejuízo aos moradores
A retirada de radares também aumentou a insegurança em trechos na BR-365 entre Montes Claros e Pirapora, no Norte de Minas. Foram desativados os medidores de velocidade em um ponto perigoso da rodovia, entre o trevo para a comunidade de Santa Bárbara e o distrito de São João da Vereda, posto Barral 2. Além dos motoristas e passageiros que viajam pela rodovia, a desativação dos radares colocou em risco os moradores da região do São Geraldo II, um bairro de Montes Claros mais afastado da cidade.
A presidente da Associação dos Moradores do São Geraldo II, Rhayane Francielle Costa Soares, afirma que existia um radar na BR-365, próximo à entrada para o bairro. Há cerca de três meses, o equipamento foi desativado, aumentando os riscos para os moradores. “Depois da retirada do radar, já morreram três pessoas em acidentes na rodovia, no ponto de entrada para o bairro”, relata.
Rhayane salienta que os moradores que usam o transporte coletivo da cidade também estão em risco. “Para entrar para o bairro, o ônibus precisa virar à esquerda na rodovia. Não tem sequer uma rotatória no local”, diz. “Estamos enfrentando uma situação de muito perigo com a retirada dos radares desse ponto da BR-365”, reclama Barsange Jotape, conhecido como “Pastor Belo”, presidente da Associação dos Moradores do Residencial Montes Claros, localizado na região do São Geraldo II.
O líder religioso afirma que, hoje, já se aproxima de 5 mil o número de moradores daquela região do município que precisam passar pela rodovia para sair e chegar em casa. “Toda essa população ficou em risco com a retirada do radar no ponto de entrada para o São Geraldo II na rodovia”, disse o líder comunitário. Ele informou que os moradores preparam para os próximos dias uma manifestação, reivindicando a instalação imediata de outro radar no local, para amenizar os riscos de acidentes.
Maior risco
A importância dos controladores de velocidade para garantir a segurança e salvar vidas nos pontos críticos das rodovias é ressaltada pelo diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), Alysson Coimbra. “A instalação de radares em trechos com alto índice de acidentes pode reduzir o número de mortes em 70% ou até 90%”, assegura o especialista.
Ele afirma que aumentar a velocidade em 10 quilômetros por hora acima do limite em áreas urbanas, por exemplo, pode dobrar o risco de acidentes. “Cada aumento de 5% na velocidade média pode resultar em um aumento de aproximadamente 20% no número de colisões fatais”, observa.
“O controlador de velocidade é um instrumento importantíssimo e reconhecido para preservação de vidas nas vias urbanas e rodovias. Primeiramente, ele induz um ato instantâneo de redução da velocidade assim que ele é visualizado”, ressalta Coimbra.
Ele esclarece que estimativa de que a instalação de radares em trechos perigosos pode reduzir as mortes em até 90% depende de vários fatores, como o tipo da via, o volume do tráfego, a visibilidade do radar e a frequência das infrações aplicadas. “O radar também tem a possibilidade de apresentar aos demais usuários da via a percepção de segurança, pois a sua existência é uma sinalização de que outros integrantes, e principalmente, os mais vulneráveis, terão menor risco de eventos evitáveis de trânsito, envolvendo motoristas que transitam com velocidade acima da permitida” comenta o diretor da Ammetra.
O que diz o DNIT
Procurado pelo Estado de Minas, o Dnit informou que está passando por uma transição contratual relacionada à instalação e operação dos medidores eletrônicos de velocidade em Minas Gerais. “Diante disso, informamos que houve a contração de nova empresa para a operação desses serviços em parte do estado. Esse novo contrato começou a vigorar em abril deste ano, substituindo o contrato anterior”, afirma em nota.
“No entanto, antes que os novos equipamentos possam operar efetivamente, é necessário cumprir algumas etapas. Isso inclui a elaboração de estudos técnicos pela nova empresa, a aprovação desses estudos pelo Dnit, a instalação dos equipamentos e a aferição pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro)”, completa o órgão.
O Dnit informou ainda que há dois contratos vigentes. No caso da BR-381 em Minas, há 26 equipamentos em operação com contrato até julho de 2025 e um ponto da via, no Km 171,4, que tem estudo técnico em elaboração pela operadora.
Sobre as placas com a visibilidade prejudicada, o Dnit informa que tem contrato de manutenção vigente em toda a extensão da BR-381 em Minas. Os serviços de substituição da sinalização vertical estão previstos para este mês.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho