A diminuição da umidade comumente vem acompanhada de um vilão poderoso: o aumento vertiginoso no número de queimadas, que cobre a paisagem de fumaça -  (crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press)

A diminuição da umidade comumente vem acompanhada de um vilão poderoso: o aumento vertiginoso no número de queimadas, que cobre a paisagem de fumaça

crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press

O nível da umidade relativa do ar em parâmetros bem inferiores ao recomendado em Belo Horizonte - 17% na tarde dessa quinta-feira (5/9), enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) indica entre 50% e 60% como ideal - acende um alerta para a saúde. A combinação entre tempo seco, calor extremo e fumaça faz mesmo mal ao organismo - há mais de 140 dias não chove na cidade. A oscilação extrema das temperaturas, consequência direta das mudanças climáticas, representa um problema em especial para o aparelho respiratório.

 

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A diminuição da umidade comumente vem acompanhada de um vilão poderoso: o aumento vertiginoso no número de queimadas. Apenas em Minas Gerais, os primeiros meses de 2024 já superaram a média de incêndios florestais do mesmo período nos últimos dois anos. No Brasil, a temporada de queimadas se revelou particularmente severa. A fumaça gerada por esses incêndios é uma mistura de fuligem, monóxido de carbono, dióxido de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis – uma receita tóxica que pode prejudicar gravemente as vias aéreas.

 

Pneumologista e broncoscopista da Hapvida NotreDame Intermédica, Bianca Fidelix Espindula chama atenção para o risco de inalar a fumaça de incêndios, algo corriqueiro para comunidades que vivem próximas a áreas vulneráveis ao fogo. “A fumaça é uma mistura de gases com partículas finas que podem causar sintomas desde irritação nos olhos, nariz e garganta, até tosse seca. Ela também pode causar dor de cabeça, tontura e náusea devido à inalação de substâncias tóxicas como monóxido de carbono, entre outras”, explica a médica.

 

 

Os perigos da exposição à fumaça são ainda mais prejudiciais para pessoas com doenças respiratórias preexistentes. “Em casos de asma ou bronquite, a inalação de partículas finas pode desencadear crises e dificuldades respiratórias. Já em ocasiões mais severas, a exposição prolongada à fumaça pode propiciar infecções pulmonares e aumentar, significativamente, o risco de doenças respiratórias crônicas”, enfatiza.

 

A especialista pontua que pacientes com problemas respiratórios como pneumonia, rinite alérgica ou tuberculose têm um risco consideravelmente maior. “Para alguém com pneumonia, por exemplo, inalar fumaça pode agravar a inflamação dos pulmões, piorar a dificuldade respiratória e até levar à necessidade de hospitalização. É essencial que essas pessoas tomem todas as medidas preventivas possíveis para proteger sua saúde durante os períodos de queimadas”, ressalta Bianca.

 

O médico pneumologista pediátrico e diretor técnico do Plano Brasil Saúde, Gustavo Guimarães, lembra que, conforme frisa a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), crianças, gestantes e idosos, mais vulneráveis, estão particularmente em risco - são os grupos mais afetados por crises respiratórias associadas à poluição e queimadas. Para essa parcela da população, ele ensina que o mais importante é manter a hidratação periódica rigorosa, essencialmente entre os idosos, que geralmente sentem menos sede. "Também observar a lavagem nasal, manter as vacinas em dia, evitar ambientes fechados com aglomerações (nesses casos usar máscara cirúrgica), e contato com pessoas com sintomas respiratórios, e usar o álcool gel", ensina.

 

O médico informa que doenças como asma e bronquite crônica são responsáveis por uma significativa parcela das internações infantis no Brasil e afetam cerca de 10% a 15% da população. Pessoas com condições respiratórias crônicas, problemas cardíacos e imunológicos também enfrentam riscos aumentados.

 

 

Os números refletem a dificuldade que esse grupo tem para se hidratar, por depender de outras pessoas para oferecerem líquidos ou por apresentarem diminuição do apetite e da sensação de sede (no caso dos idosos). Assim, durante momentos de clima quente e seco, essas pessoas apresentam maior risco de desidratação e insolação.


“Os familiares e acompanhantes dessas pessoas [crianças e idosos] devem se atentar para ofertar líquidos com frequência, mesmo que não tenham solicitado, para garantir uma melhor hidratação oral”, orienta Juliana Fulgêncio Henriques, chefe da unidade de Vigilância em Saúde do Hospital das Clínicas da UFMG/Ebserh e membro da equipe de Infectologia Clínica da Rede Mater Dei de Saúde.



Além disso, a onda de calor gerada por esse cenário afeta a pele, já que esta fica mais exposta à radiação solar, o que a curto prazo favorece o surgimento de queimaduras e insolação e, a longo prazo, está relacionado ao envelhecimento precoce da pele e ao surgimento de manchas e de câncer de pele. “Além disso, o ar seco pode gerar ressecamento da pele, facilitando o aparecimento de feridas e, até mesmo, de infecções de pele”, destaca a infectologista.

 

O que fazer

 

De acordo com Bianca, a primeira recomendação é procurar permanecer em ambientes fechados, mas que possuam boa ventilação. “Para aqueles que habitam próximo a pontos críticos de queimadas, o ideal é fechar todas as janelas e portas para impedir a entrada de fumaça e utilizar purificadores de ar. Aparelhos de ar condicionado com filtros de ar também podem ajudar a manter o ambiente interno mais seguro”.

 

Bianca indica ainda a hidratação constante. “A água ajuda a manter as vias aéreas úmidas e facilita a eliminação de toxinas”, afirma. O ideal, segundo Gustavo Guimarães, é aumentar em 50% a quantidade de água normalmente consumida por dia. O médico recomenda ainda a lavagem nasal com soro fisiológico a cada três horas.

 

Para evitar problemas de desidratação em períodos de calor extremo, a nutricionista do Centro Universitário Newton Paiva Alessandra Lovato reforça a recomendação de beber a quantidade de água ideal para o peso corporal, que pode ser calculada multiplicando o peso por 35 ml. Ela também sugere ter uma garrafa de água sempre por perto e variar o sabor da água com frutas, legumes, ervas e especiarias.

 

Adquirir o hábito de beber água todos os dias e na quantidade ideal melhora a qualidade de vida e previne complicações e futuras doenças. “Nada substitui a água, e se você possui alguma patologia como diabetes e hipertensão, deve procurar um especialista para te orientar. O importante é manter o equilíbrio e a qualidade da hidratação, não apenas a quantidade”, aponta Alessandra.

 

A infectologista Juliana explica que, como a desidratação diminui o volume sanguíneo, pode ocorrer uma alteração da pressão arterial e do funcionamento cardíaco, ou seja, a temperatura alta aumenta o esforço do coração para bombear sangue para o corpo. “Essa situação pode favorecer o aparecimento de arritmias cardíacas e ataques cardíacos em pacientes com predisposição”, resume.

 

Na hora de sair de casa, vale lembrar de aliadas durante o período pandêmico: as máscaras de proteção respiratória, que filtram as partículas finas presentes na fumaça, reforça Bianca. Há tipos de máscaras apropriadas para diferentes graus de exposição, informa Gustavo Guimarães. Para a poluição normal, do dia a dia, basta a máscara cirúrgica simples, que protege contra agentes infecciosos e um pouco contra a poluição. "Mas quando o grau de poluição e exposição é muito importante, as máscaras avançam com filtros e grau de proteção maior, indicadas principalmente para quem trabalha em ambiente mais agressivo de poluição. Podemos citar: N95, N99, PFF1, PFF2 e PFF3", indica.

 

Umidificadores e inaladores

 

Diante do tempo seco, recomenda-se o uso de umidificadores de ar e inaladores. Esses aparelhos são essenciais para manter a umidade do ar em níveis saudáveis, melhorando a qualidade da respiração. “Variações bruscas de temperatura podem causar estresse ao organismo, exigindo adaptações rápidas que podem temporariamente enfraquecer a capacidade do sistema imunológico de responder a infecções”, explica o médico de família e comunidade, especialista da Relaxmedic, Mauro Kioshi Tenorio Tojo.

 

Mauro salienta que, ao direcionar os medicamentos diretamente para os pulmões, a inalação proporciona uma ação rápida e eficaz, aliviando os sintomas respiratórios e promovendo a recuperação da função pulmonar.  “Também pode ser utilizada para ajudar a umidificar as vias respiratórias, aliviar a congestão nasal e facilitar a eliminação de muco e secreções, especialmente durante resfriados, gripes e outras infecções respiratórias. É útil ainda como preventivo, pois manter as vias respiratórias úmidas é essencial para proteger a mucosa respiratória contra ressecamento e microfissuras, que facilitam a entrada de vírus”.

 

O umidificador é indicado quando os níveis da umidade relativa do ar ficam abaixo de 20%, o que acontece muito na região central do Brasil, como explica Gustavo Guimarães. O equipamento lança gotículas de água no ar dentro de um ambiente em específico. O inalador serve para veicular medicações, como em nebulizadores, esclarece. "Mas as pessoas precisam usar o que têm de possibilidade. Vale a bacia com água ou a toalha molhada", ensina.

 

Aumento de infecções

Juntamente ao clima seco, as altas temperaturas favorecem a proliferação de mosquitos - que são vetores de várias doenças infecciosas como dengue, zika e chikungunya, que se proliferam mais em épocas de calor. Além disso, seus ovos podem permanecer viáveis por longos períodos durante a estação seca, podendo gerar novas larvas e insetos adultos ao menor contato com água.

Assim, com essa maior circulação de vetores das arboviroses, há um aumento dos números de casos dessas doenças, mesmo durante o período de estiagem. Logo, Juliana recomenda a eliminação de possíveis focos de água parada (vasos de plantas, tampas de garrafa, bromélias, pneus, entulho e lixo nas casas e nas ruas) e continuar usando repelentes. “Assim, conseguiremos diminuir a reprodução dos mosquitos e a transmissão dessas doenças virais."



Gustavo Guimarães e Juliana Fulgêncio listam estratégias para proteger as vias aéreas e minimizar os impactos adversos das flutuações climáticas e da poluição:

 

- Higiene nasal regular: mantenha suas vias aéreas limpas realizando a lavagem nasal pelo menos duas vezes ao dia. Isso ajuda a remover vírus, bactérias e poluentes. Em climas secos, use soro fisiológico nos olhos e nas narinas pelo menos uma vez ao dia para combater a secura e a irritação.


- Umidificação do ambiente: use umidificadores em ambientes com baixa umidade para manter a umidade relativa do ar em torno de 60%. Evite o uso excessivo, pois umidade elevada também pode ser prejudicial. Ajuste o umidificador principalmente para as noites, garantindo um ambiente mais confortável para dormir.


- Hidratação adequada: beba pelo menos dois litros de água diariamente para manter as mucosas respiratórias bem hidratadas. É indicado mesmo quando não há a sensação de sede. A boa hidratação é fundamental para o funcionamento saudável das vias aéreas.


- Evite ambientes poluídos: reduza o tempo em locais com alta poluição, fumaça, poeira ou onde se fuma. Se possível, permaneça em ambientes bem ventilados e com boa qualidade do ar.


- Vacinação em dia: mantenha as vacinas atualizadas, incluindo principalmente para a imunização contra doenças do trato respiratório, como Influenza/gripe, COVID-19, pneumonia e outras doenças virais. A vacinação pode prevenir infecções respiratórias que podem ser exacerbadas por mudanças climáticas e poluição.


- Higienizar as mãos frequentemente (álcool gel 70% ou com água e sabão) para reduzir a contaminação da boca, nariz e olhos com microrganismos que podem gerar doenças.


- Evite contato próximo com pessoas resfriadas e, quando necessário, use máscara para proteger-se de agentes infecciosos.


- Cuide da pele: prefira banhos mais frios (pois a água quente também resseca a pele), usar loções hidratantes e protetor solar, além de bonés/chapéus.


- Evite realizar atividades físicas ao ar livre, especialmente nos horários de maior calor e radiação solar (entre 11 e 17 horas).

 

*Estagiária sob supervisão do subeditor Thiago Prata