Serra Verde - Vista do bairro encoberto pela névoa seca, fenômeno que se tornou uma constante em belo horizonte neste inverno -  (crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Serra Verde - Vista do bairro encoberto pela névoa seca, fenômeno que se tornou uma constante em belo horizonte neste inverno

crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press

Baixa umidade relativa do ar, calorão e fumaça têm efeitos bastante nocivos à saúde e, por isso, exigem cuidados redobrados. Do nariz ao coração, todo o corpo sente, afirmam especialistas, enquanto profissionais que atuam na saúde da capital mineira constatam um aumento da demanda por consultas relacionadas a condições respiratórias. Belo Horizonte enfrenta um período grave de estiagem, que chegou nessa quinta-feira ao 141º dia. Para piorar, registrou ontem 34,4°C, repetindo o recorde do ano, estabelecido na terça-feira (3/9), de acordo com a estação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) da Pampulha. A umidade relativa do ar ficou em 17%, entre as 14h e as 15h. O cenário se a agrava com a presença da névoa seca que vem tomando a cidade desde a última semana de agosto.

 

Ontem, o Centro de Saúde Serra Verde, no bairro de mesmo nome, na Região de Venda Nova, em Belo Horizonte, começou o dia com fluxo intenso de pacientes se queixando de problemas respiratórios. De acordo com profissionais que atuam na urgência da unidade, as queixas por problemas respiratórios vêm aumentando desde o final da semana passada. A reportagem do Estado de Minas registrou o posto cheio de pessoas que se queixavam de tosse seca, dificuldade para respirar e crises de asma, rinite e bronquite.

 

Às 9h, o secretário Márcio Ferreira de Sá, de 56 anos, aguardava atendimento no centro de saúde. O paciente disse que tentou se consultar no dia anterior, mas tinha apenas um médico atendendo. A recomendação que recebeu foi para retornar no dia seguinte (ontem). “Estou com muita dificuldade para respirar, minhas narinas estão muito entupidas. Já tem uns quatro dias, devido a essa fumaça. À noite fica pior para respirar. Estive aqui ontem (quarta) à tarde, mas tinha só um médico atendendo. Eles pediram para eu voltar hoje às 7h. Mas até agora sigo na chamada da triagem. Estou com os olhos e a garganta irritados. Muita dor de cabeça”, relatou.

 

Márcio sofre de bronquite e reclama do ar, que está insalubre, segundo monitoramento da IQAir, empresa de tecnologia de qualidade do ar especializada em proteção contra poluentes. As constantes queimadas em matas da Grande BH, que agravam a condição do ar onde Márcio mora, também são alvo de críticas. Para ele, a solução foi comprar um purificador de ar para amenizar os sintomas, principalmente à noite. “Aqui no meu bairro tem muita incidência de fumaça. A serra que fica perto pegou fogo esses dias. A fumaça está vindo de Santa Luzia para cá, então está muito intensa”, contou.

Enfermeiros que fazem a triagem no Serra Verde disseram que as principais queixas desde a semana passada são desidratação, ressecamento nasal e tosse seca. Já o médico generalista José Carlos Zeferino informou que é comum haver o aumento desse tipo de reclamações nas temporadas anuais de seca. No entanto, detectou que desde o final da última semana o fluxo de pacientes aumentou. “Já estou aqui no posto há alguns meses. Na última semana, a gente viu uma grande diminuição da qualidade do ar aqui em Belo Horizonte. Isso impacta diretamente na tensão aqui da unidade”, diz.

 

Zeferino explica que no centro de saúde são atendidos casos que não precisam ir para a unidades de pronto atendimento (UPAs). As consultas são de casos menos complexos. Porém, na avaliação do profissional, fazer esse acolhimento tem sido desafiador, pois os problemas respiratórios estão se agravando por causa da qualidade do ar. Segundo o médico, quatro dos cinco atendimentos que ele havia feito na manhã de ontem eram para tratar questões de saúde relacionadas ao clima, sendo duas crianças e dois idosos, grupos mais vulneráveis.

 

 

“Grande parte dos pacientes vem com queixas respiratórias, principalmente de rinite e sangramentos nasais. Aumentou o número desses casos. A gente tem de receber os pacientes, fazer essa atenção para prescrever as medicações. Muitas vezes, são medicações sintomáticas, que a gente sabe que não vão sanar o problema, porque o problema não é só a saúde do paciente, é a qualidade do ar e a gente não tem ingerência sobre isso”, relata.

 

O doutor José Carlos Zeferino reforça que, diante da condição do ar, é necessário tomar algumas medidas para melhorar a qualidade de vida. De acordo com ele, caso seja possível, é interessante evitar algumas situações, como percorrer lugares movimentados e poluídos, como a região central da cidade. A ingestão de água é imprescindível.

 

"Tive crise de alergia. Precisei vir me consultar, tomar antialérgico, anti-inflamatório para amenizar. Muita água, como foi recomendado. Tem que redobrar os cuidados (neste período de seca). Estou usando máscara a partir desses dias agora, me hidratando, colocando um balde de água no quarto para ver se dá uma melhorada", conta Flávia de Jesus Otaviano, que trabalha em um laboratório.

 

 

Embora a percepção dos profissionais que atuam na área seja de houve uma elevação da demanda, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) diz que não foi identificada pressão no sistema de saúde. O órgão municipal afirma que crianças e idosos devem receber atenção especial por serem mais vulneráveis e que as unidades estão com estoques abastecidos de medicamentos e insumos.

 

 

Alta demanda  - Manhã de ontem foi de movimento intenso no Centro de Saúde Serra Verde, onde o número de pacientes com sintomas respiratórios vem crescendo

Alta demanda - Manhã de ontem foi de movimento intenso no Centro de Saúde Serra Verde, onde o número de pacientes com sintomas respiratórios vem crescendo

Leandro Couri/EM/D.A Press


POPULAÇÃO DE RUA


Ainda segundo a PBH, as atenções estão voltadas também para a população em situação de rua. Em nota, a administração municipal informa que, atualmente, há mais de 100 bebedouros públicos em funcionamento em parques de todas as regionais da capital. Há ainda 78 bebedouros em praças da cidade. As pessoas em situação de rua podem acessar os quatro Centros de Referência da População de Rua (Centros Pop) e casas de passagem para tomar banho e se refrescar, além de usar os sanitários e ter acesso a água para hidratação, diz o texto.

 

“A PBH ressalta que realiza a distribuição periódica de água para pessoas em situação de rua. Na quarta (4/9), foram distribuídas 2.300 unidades de copos de água para as nove regionais e as equipes do Serviço Especializado em Abordagem Social. Além disso, outras 2.800 unidades serão distribuídas nos próximos dias”, detalha a prefeitura.

 

 

De acordo com o diretor de Proteção Social Especial de Média Complexidade da Subsecretaria de Assistência Social (Suas), Marcel Belarmino de Souza, os impactos causados pelas mudanças climáticas e a atual situação do ar de Belo Horizonte são maiores para pessoas em situação de rua. Isso porque, a informação sobre as medidas de prevenção nem sempre chega a eles.

 

“Os impactos são diversos, principalmente no âmbito da saúde individual. Então a Prefeitura de Belo Horizonte organiza ações de prevenção contra o calor extremo e o tempo seco. As orientações vão desde procurar lugares mais frescos, usar roupas mais leves, dar preferência ao consumo de alimentos mais leves até evitar atividades físicas intensas sob o sol em horários em que o calor é maior”, diz.

 

Para o diretor, os grupos socialmente vulneráveis, como as pessoas em situação de rua, são as que sofrem um impacto maior, devido à ausência de uma moradia convencional e por estarem constantemente nas ruas. Por isso, diante do cenário climático, são organizadas ações específicas e emergenciais para fazer atendimentos que diminuam os malefícios. No âmbito da população em geral, ele reforça a importância do trabalho da Defesa Civil de BH, responsável pelos alertas de baixa umidade e calor extremo, para que a população tente se proteger.

 


CUIDADOS NAS ESCOLAS


De olho nas crianças, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) determinou que a direção das escolas redobre os cuidados com os alunos e profissionais, além de estabelecer algumas medidas que devem ser aplicadas, sempre que possível. Entre elas, evitar atividades intensas ao ar livre e, em contato direto com o sol; o uso de chapéu de abas; ventilar e umidificar o ambiente; aumentar a ingestão de água das crianças; priorizar refeições leves e pouco condimentadas. As escolas municipais de educação infantil (Emeis) devem utilizar, sempre que possível, os espaços Kid Wash, onde as crianças podem se refrescar. Já os professores devem conversar e orientar os alunos sobre todos os cuidados a serem tomados e os riscos para a saúde diante dessa situação climática.


NÉVOA SECA


A névoa seca que vem sendo observada em Belo Horizonte é composta por vários fatores e agravada pela falta de chuva. De acordo com a meteorologista Anete Fernandes, do Inmet, o nevoeiro visto em diferentes localidades da cidade é composto por poluição, fumaça das várias queimadas na Região Metropolitana de BH e a própria névoa seca, típica do inverno. A condição é agravada pela inversão térmica, também comum nesta estação do ano. “A inversão térmica é uma característica do nosso inverno e o efeito ótico é essa camada concentrada, quando você olha na linha do horizonte e parece que toda a sujeira está entre a superfície e o primeiro quilômetro da atmosfera. A inversão térmica é restrita a um horário, normalmente entre o fim da tarde e o início da manhã, e não é uma condição que persiste o dia todo”, explica a especialista. O fenômeno acontece com a queda de temperatura na atmosfera. A cada 100 metros acima, a temperatura cai 0,6°C, mas também forma uma onda de calor, que fica estacionada entre 500 e 600 metros do chão. De acordo com a meteorologia, a condição atua como um “tampão” e retém a poluição na superfície, gerando a imagem observada pelos belo-horizontinos.

 

*Estagiária sob supervisão da subeditora Rachel Botelho