Com sorriso no rosto, família exibe a certidão de nascimento do primeiro filho em homenagem ao primeiro faraó negro do Egito -  (crédito: Arquivo Pessoal )

Família exibe a certidão de nascimento do primeiro filho em homenagem ao primeiro faraó negro do Egito

crédito: Arquivo Pessoal

O casal Danillo Prímola, de 37 anos, e Catarina Prímola, de 27 anos, finalmente conseguiram registrar o filho com o nome Piiê, nesta quinta-feira (12/9), no Cartório de Registro Civil do 2º Subdistrito de Belo Horizonte. A criança estava há duas semanas sem certidão de nascimento depois que, em 2 de setembro, o pai tentou registrá-lo, mas recebeu uma recusa do cartório e, em seguida, da Justiça. Nessa quarta-feira (11/9), a Vara de Registros Públicos da capital reconsiderou a decisão e autorizou a escolha dos pais. 


 

Com sorriso no rosto, a família exibiu a certidão de nascimento do primeiro filho em homenagem ao primeiro faraó negro do Egito. O casal conheceu o nome enquanto elaborava o tema da comissão de frente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos de Venda Nova para o Carnaval de BH em 2023. Os dois são dançarinos, e a escola de samba escolheu, no ano passado, um enredo baseado em Piiê, o Faraó Negro. Com o tema, os Acadêmicos de Venda Nova ganharam na categoria melhor comissão de frente, além de ter se consagrado tetracampeã em 2023.


 

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“A gente teve acesso à história dele toda, porque nós estudamos sobre isso. Vimos que é uma grande personalidade negra, que quase não é mostrada na história, praticamente apagada. Eu achei o nome maravilhoso, me encantei, e decidi que quando tivesse um filho, ele se chamaria Piiê”, salienta Danillo. 


 

A princípio, Danillo Prímola acreditou que, por ser um nome próprio já existente, registrar a criança assim não geraria dificuldades. A família vê a escolha do nome Piiê como uma forma de empoderamento e resistência. 


Na primeira recusa, o cartório alegou que a negativa foi em razão de a língua portuguesa não ter como predominante o uso das duas letras ‘i’ seguidas. De acordo com Danillo, o atendente afirmou que, se ele quisesse seguir com a grafia original do nome, teria que acionar a Justiça. “Eles pediram para eu fazer apenas uma defesa, falando sobre ser com um ou com dois ‘i’. E assim eu fiz, eu não expliquei o motivo de a família ter escolhido o nome. Expliquei em cima do que eles solicitaram mesmo. E aí o cartório fez uma consulta para a juíza e ela já veio determinando que o nome poderia ser usado apenas como pronome”, conta.


 

 

 

Já na negativa dada pela Vara de Registros Públicos, em 3 de setembro, a juíza afirmou que o nome lembra o passo de ballet ‘Pliê’ e que o menino poderia, por causa disso, ser vítima de bullying. “Tenho que a grafia e pronúncia, em especial, pela grande proximidade com um conhecido passo de ballet, certamente, na atualidade, será apto a expor a criança a ridículo, em especial na fase escolar seja na infância e adolescência”, diz trecho da sentença. 


 

“Não tem como afirmar que a criança vai sofrer bullying. E mesmo que venha a sofrer, seja em relação ao nome, ou outra coisa, nós vamos estar lá para poder debater, da mesma forma que a gente está lutando para poder registrar hoje, a gente vai estar lutando a vida inteira dele”, ressaltou o pai de Piiê sobre a alegação da Justiça. 


 

Nova decisão 

Na tarde dessa quarta-feira (11/9), após pedido de reconsideração feito pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), por meio da Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva (CETUC), a Justiça reconsiderou a primeira decisão. Em suas argumentações, a defensoria apresentou a importância de se levar em conta a origem histórica do nome, devido à relação que o prenome tem com o casal, com sua identidade étnico-racial, bem como pelo forte vínculo que toda essa simbologia tem com a gestação da criança.  


 

 

 

Na sentença, a juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, da Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte, afirmou que está convicta que o menino estará sujeito, pela dificuldade da grafia e pela pronúncia, a constrangimentos. Mesmo assim, diante do exposto pela família e pela Defensoria Pública no pedido, decidiu liberar o registro com sua grafia original. 


 

“Considerando os novos argumentos trazidos, através do qual agora os pais explicitam a questão cultural que os guiou para a escolha do nome, os quais não foram apontados no pedido inicial, em respeito a tal cultura, autorizo o registro na forma pretendida, com a grafia original, inclusive por entender que nomes estrangeiros devem mesmo observar a grafia do país de origem”, escreveu a magistrada.


 

Direito de nome

Para Letícia Franco, advogada especializada em direito da família, a primeira sentença foi tomada em meio a um embate entre três culturas. Segundo ela, a decisão tomada no Brasil carrega a cultura brasileira, mas se embasa em um termo em francês com conotação de ballet e francês, o pliê. Já o nome Piiê, escolhido pela família, é originário da cultura africana. 


 

 

 

“A juíza do caso entende, de acordo com os parâmetros culturais dela, que a situação poderia ser vexatória para criança. E isso se contrapõe ao interesse dessa família, que entende que esse nome de matriz africana carrega uma história. O que não está correto é a subjetividade da decisão, porque está havendo uma predominância do entendimento da cultura brasileira sobre a cultura matriz daquela família, que é a cultura africana. A criança tem direito de carregar a história da família”, afirma a advogada.


 

Letícia Franco esclarece que todas as decisões judiciais têm uma hierarquia e são passíveis de recurso, com a decisão podendo ser analisada posteriormente em uma instância superior, chegando até o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ou o Supremo Tribunal Federal (STF).

 

*Estagiária sob a supervisão do subeditor Fábio Corrêa