O coronel Anderson Passos é o convidado do EM Minas deste sábado  -  (crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press)

O coronel Anderson Passos é o convidado do EM Minas deste sábado

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press

O coronel Anderson Passos, bombeiro militar reformado, comandou o resgate de sobreviventes e a busca de corpos nas tragédias de Mariana, em 2015, e de  Brumadinho, em 2019. Por causa desta última, decidiu escrever “Brumadinho 272”, em parceria com a jornalista Luciana Quierati, contando a experiência vivida por ele. Em entrevista ao EM Minas, programa de entrevista da TV Alterosa, Estado de Minas e Portal Uai, ele detalha os 128 dias em que ficou diretamente ligado à operação, do contato que ainda mantém com familiares das vítimas, da complexidade em trabalhar após uma tragédia como o rompimento de uma barragem. Passos fala ainda sobre a importância da prevenção de acidentes. Com mestrado em incêndios, especificamente em canaviais, pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro, o ex-bombeiro afirma que a grande maioria das queimadas são provocadas por ação humana. Relata ainda a dificuldade de se combater o fogo em áreas urbanas. Confira a seguir os principais trechos da entrevista. O conteúdo também está disponível no canal do Portal Uai no YouTube.

 


Quem era o Anderson Passos e quem virou depois da experiência dos resgates da tragédia de Brumadinho?


É uma triste oportunidade que eu tive de escrever o livro, mas passar por aquilo que a gente passou lá. A gente começa a botar em perspectiva as próprias dores. Quando se tem contato com esse nível de histórias que a gente viu, as tragédias pessoais, começamos a perceber que nossos problemas diários não são tão grandes. As pessoas lá tiveram as suas vidas viradas "de pernas pro ar", perderam parentes, filhos, pais, mães. Então, todo mundo foi muito afetado. Hoje, vejo notícias como essas que o livro reporta de uma forma diferente, tentando entender os dramas pessoais. As informações podem ser frias. Normalmente, as notícias trazem números, descrições muito objetivas e a gente tentou dar um olhar humano a isso que aconteceu. A dimensão da tragédia é muito maior. As pessoas sofrem muito e a gente não pode deixar isso passar.


Quanto tempo o senhor ficou lá? Ainda tem contato com essas pessoas?


Fiquei 128 dias diretamente ligado à operação e, depois disso, acompanhando. Fui me desligando aos poucos, tentando manter algum contato, não só com os colegas que estavam lá, para tentar apoiá-los nessa transição. Mas, até hoje, mantenho contato. Vez por outra, eu encontro, pelas facilidades que o celular e a internet permitem, no mesmo horário de oração, às 3h da manhã com a mãe de uma das vítimas. Acho que é uma forma de a gente tentar dar alento, porque isso para nós pode ter passado, mas para muitas famílias, é claro, ou para todas elas, isso não passou. Ainda mantemos esse contato. Foram amigos que eu acabei fazendo, lamentavelmente, da pior forma possível.                    



Uma coisa bonita que o livro mostra é a maneira como a comunidade, primeiro assustada, mas depois extremamente interessada em que as coisas caminhassem com muita velocidade, como essa comunidade foi interagindo com os bombeiros. Como foi isso?


Estávamos lá para ajudar, mas, muitas vezes ou logo de pronto, nós fomos muito ajudados. Porque era um serviço, além de fisicamente muito desgastante, emocionalmente e, eu diria espiritualmente, muito desgastante. E a comunidade percebia essa nossa dedicação. Desde se dedicar ao serviço das primeiras horas do dia até a tarde da noite, até dormir no chão, se fosse preciso, com a farda molhada nos primeiros dias, roupa molhada. Isso, é claro, era percebido pela comunidade. As pessoas se mobilizaram para lavar as roupas, para nos dar lanches, alimentação. Uma série de coisas. Imaginávamos que era uma empresa que estava ali contratada para prestar algum serviço e, na verdade, era uma pessoa da comunidade que estava se mobilizando. É muito tocante.   

 

                                             


Hoje você anda o país inteiro e até fora do Brasil dando palestras sobre a experiência de Brumadinho, explicando como foi esse trabalho, a questão da técnica usada. 


Em Minas Gerais, tivemos recorrência desse tipo de situação, de rompimento de barragens e outras situações emergenciais também. Mas o que é comum nesses tipos de situações é que você tem pessoas envolvidas, uma série de prioridades e que muitas empresas não percebem ali. Muitas comunidades não percebem ou não sabem lidar com definir, dentre as inúmeras prioridades, quais são aquelas que devem estar de forma destacada.


Um desastre como o de Mariana ou de Brumadinho ocorre por uma única causa?


Não. Na realidade, raramente você vai ter um rompimento ou o colapso de uma estrutura como essa de forma repentina. Ela vai dando sinais. Então, uma vez acontecido esse rompimento, qualquer que seja, por exemplo, a cidade ou a região fica sem água, sem energia elétrica, sem internet, sem estradas, hospital da maneira como ele estava disponível para a população, prioritário naquele momento. Então, cada médico julga a sua régua, qual é a maior prioridade. Tem uma convergência muito grande de pessoas para os locais de emergência, qualquer que seja emergência que se possa pensar. Tem uma pessoa, digamos responsável pela empresa de água, outra da empresa de luz... Para cada uma delas, para si, vai ser a maior prioridade. A gente precisa, nesse ambiente, concatenar todos esses esforços para organizar. Nesse exemplo que nós estamos dando aqui, do rompimento de uma barragem, é claro que a prioridade é o resgate de vidas humanas. Mas é preciso, num momento como esse, em que as pessoas não estão habituadas com o trato da emergência, o óbvio tem que ser dito. Então, muitas vezes a pessoa tá ali achando que vai lidar com um caminhão e esse caminhão vai ajudar a levantar os postes, por exemplo. Na realidade, a gente pode usar esse caminhão para levar donativos, para levar outros outros itens que são necessários e, não exatamente o serviço de recomposição da estrutura elétrica. É convergir todo esforço, da melhor forma, fazer o melhor possível para a maioria.                      


Isso parece uma coisa óbvia, mas lá na hora não acontece. 

As pessoas estão atordoadas e não conseguem, muitas vezes, desvencilhar do seu ego. Quem quer ajudar tem que deixar o ego em casa. Tem uma convergência grande de autoridades, de pessoas com demandas, com expectativas muito grandes de fazer valer, muitas vezes, o seu ponto de vista. Coordenar isso, não é tarefa fácil. Mais do que fazer convergir recursos é fazer convergir vontades, esforços pessoais. 


Tragédias, desastres dessa dimensão obviamente só acontecem em empresas muito grandes. Temos uma expectativa de que a alta gerência seja preparada. 


Mas, muitas vezes, não é. Muitas vezes tem uma pessoa que entende muito de logística, mas, em um momento como esse, a pessoa, muitas vezes, não tem condição emocional de trabalhar. Você precisa capacitar a alta gerência das empresas para poder agir de maneira razoável, racional, serena, mesmo em ambientes como esse. Raciocinar sob pressão, decidir sobre esse tipo de pressão. É preciso então falar sobre acidentes para ter mais segurança. Isso é um desafio. Quando acontece, se ele não tiver treinado antes, se não tiver ouvido falar de como isso se organiza, as coisas podem se perder.


Estávamos falando do eventual despreparo da alta gerência das empresas. Imagino que isso deve piorar ainda mais quando há vítimas, pessoas mortas ou feridas. Como foi a reação lá (Brumadinho)? 


Vimos muitos profissionais, de várias áreas, que de fato não tinham condição mínima de organizar as ideias. O colapso emociona. Porque todo mundo é muito competente, muito eficiente em situações de normalidade. Mas, de fato, nossas virtudes são testadas nos momentos de dificuldade. A gente sempre diz: 'Acelerar o automóvel é muito fácil. Agora frear quando se tem pista molhada, quando há uma derrapagem ou coisa assim, já exige um pouco mais de controle e preparação. Nós temos que treinar, as pessoas têm que estar treinadas para esse momento da frenagem em condição adversa. Muita gente perdendo as estribeiras, não conseguindo assim se relacionar com os colegas. E a comunicação se torna mais difícil. Quando você tem pessoas de várias áreas trabalhando, a comunicação precisa ser muito objetiva. Porque quando você diz que tem três pessoas em choque naquela área. Para um eletricista isso quer dizer uma coisa, para um profissional de saúde quer dizer outra, para um psicólogo quer dizer outra. Se você diz que precisa de uma autobomba para ajudar nessa situação, para um bombeiro isso quer dizer uma coisa. É um caminhão-pipa que vai lançar água. Mas, para outros profissionais, pode significar alguma coisa muito pior. Então, essa comunicação causa inúmeros problemas. Os desastres, as situações de emergência têm, em si, a falha de comunicação. A falha de comunicação, se houver uma emergência, vai acontecer. E a gente precisa estar preparado para ela. A aviação traz vários bons exemplos de testar se o que você falou foi compreendido. Na aviação, no rádio, por exemplo, você não usa a palavra "seis". Se usa meia dúzia. Não são 6.000 pés, é meia dúzia de 1.000 pés. Para não haver dúvidas. Mas tem que dizer meia dúzia porque, em Portugal, quando você diz meia está dizendo meia dezena. No Brasil existe uma padronização: meia dúzia de 1.000 pés. Você imagina isso numa situação de emergência, uma infinidade de detalhes. Então, a comunicação, e nós somos seres sociais e que precisamos comunicar, que nos conecta, é um elemento muito complicado de qualquer ambiente de emergência.

                                                                                                                        

A barragem ficava em cima e embaixo ficava o setor de segurança, não era?


Várias estruturas administrativas, o refeitório, escritório, a rodoviária. Muitas das estruturas administrativas estavam a poucos segundos do rompimento.           


É muita confiança, não? 


São opções de engenharia que vão sendo modernizadas ou precisam ser modernizadas. Nós não podemos modernizar as práticas, quaisquer que sejam elas, a custa apenas dos funerais. A gente precisa melhorar a legislação. A régua que mede o risco precisa estar sempre sendo reavaliada. Eu entendo que as pessoas que estavam ali e, várias delas, senão todas, que viram o risco, não perceberam que estava naquele nível.  Eu imagino que se a gente estivesse num ambiente como esse e uma trinca muito grande numa parede. E nós, percebemos que aquela trinca está aumentando, em dado momento, nós vamos dizer que aqui não está seguro e vamos sair. As pessoas não perceberam isso lá ou não viram, ouviram e não perceberam. É para esse tipo de emergência específica e para várias outras, a capacitação dos funcionários é o diferencial. É o funcionário, é o colaborador que vai estar sempre ali por perto e pronto para tomar uma atitude. Não só de avisar, de dar um alarme, um alerta, mas também de se portar de uma forma segura e adequada. A gente, raramente vai conseguir fazer bem uma coisa que a gente não treina.


Poucas pessoas reagem bem nos ambientes de emergência, de forma inédita. Geralmente, as pessoas ficam inertes, apáticas e precisam de uma ordenação do que vai ser feito. Treinar o abandono de áreas, treinar condições de segurança, como os japoneses fazem, desde a primeira infância, com as crianças que são treinadas para ir à escola. Quando sentem algum abalo já sabem como fazer. A gente faz muito bem o que treinar bem, se nós não treinamos, é de se esperar que vamos nos comportar de forma estranha ou inadequada. 


Isso está funcionando bem, em Brumadinho? As pessoas estão bem treinadas?  


Isso ajuda, mas não resolve. A gente relata no livro, inclusive, que houve um treinamento pouco antes do rompimento. E, muita gente, não soube exatamente como agir naquela situação. Não adianta você ter, vou pegar um exemplo estrutural, um prédio com vários extintores, se quando começam um princípio de incêndios, ninguém sabe como usar o extintor, ainda que tenha placas e uma série de coisas. É preciso treinar, é preciso conscientizar que a minha segurança depende, muitas vezes, da sua preparação. Se eu me torno vítima, se estou numa situação de risco, talvez não consiga me safar daquilo sozinho. Esse é o conceito da Defesa Civil. Tem que ter uma comunidade preparada, o meu filho preparado, o atendente do banco, da lanchonete. Todo mundo preparado para que se eu sofra um infarto, alguém saiba como agir. Esse conceito de que a minha preparação está ajudando meu próximo, exige do brasileiro ainda, infelizmente, uma longa jornada. A mudança é cultural.                                                   


Se você tivesse que dar três orientações, três dicas, conselhos para os empregados de empresas onde há esse tipo de risco e para alta gerência também, quais seriam? 


Aprenda com o passado e prepare-se para o futuro. O segundo conselho, aprenda com o passado e prepare-se para o futuro e o terceiro, para surpresa de ninguém, aprenda com o passado e prepare-se para o futuro. A gente não pode cometer erros iguais. Errar de forma igual não é inteligente. A gente precisa errar, no mínimo, diferente. Mas, repetir erros, repetir práticas que não são seguras, é a causa do nosso fracasso, é a causa do nosso sofrimento. É como acontece na aviação. Você estuda os acidentes tentando entender o que aconteceu para errar de forma diferente, não achar culpado. Planos de evacuação que sejam, de fato eficientes, a capacitação que permita, de fato, o funcionário perceber aquela falha e como agir num momento de emergência. Se alguém está em um cinema lotado e alguém levanta e grita "Fogo!", muita gente não vai saber o que fazer. Apesar do filme (preventivo, que passa no início), apesar de uma série de coisas. Então, é preciso treinar. A redundância faz parte da segurança. A gente não faz bem porque a gente não treina. Treinar é pensar, discutir. Esse assunto de segurança, de proteção, precisa estar no nosso dia a dia.


Agora, falando de um assunto bem atual. Queimada é crime? 


Queimada não é crime. A gente acaba confundindo e chamando tudo de queimada. Mas é importante saber que existe uma diferença entre incêndio, que são as chamas descontroladas, e as queimadas. As queimadas são técnicas utilizadas em algumas situações específicas, conforme a lei prevê. Mas ela tem que ser programada, planejada, projetada com uma série de detalhes que podem ser feitos em outro momento. Em alguns lugares, você vai ouvir dizer de queima prescrita. Os indígenas usam a técnica de queima prescrita há séculos. Quando você consegue fazer uma pequena queima, numa área onde há recorrência de focos ou de incêndios, no período de estiagem, no mês de maio, por exemplo, faz uma pequena queimada ou uma pequena queima prescrita numa área, num momento de maior umidade, menor temperatura, menor vento, você está preservando aquela vegetação, que está dentro de unidade de conservação, dentro de uma área de interesse. Você queima previamente uma área, um local, uma vegetação de menor relevância biológica, onde já há uma recorrência, para preservar uma mata de maior interesse, nascentes, animais, uma série de coisas.



Você tem mestrado nessa área de queimadas. O que motivou essa escolha? 


Quando eu comecei a perceber que os incêndios são graves, não só pela perda econômica, mas pelo dano ambiental que causam, me interessei por isso. Fiz um mestrado na Universidade Federal do Triângulo Mineiro sobre incêndios, especificamente em canaviais, que é uma área muito recorrente da cidade onde moro, que é a região de Uberaba. Para entender melhor como é esse tipo de incêndio tão grave, quais são as características desse incêndio em vegetação, que também é um incêndio florestal. Mas é gravíssimo de ser combatido, dificílimo de ser combatido e tem proporções enormes. Os canaviais são um arranjo de vegetais que têm a mesma idade. Todas aquelas plantas foram plantadas no mesmo dia, estão no mesmo tamanho, com a mesma secura. Se a primeira grama, e a cana-de-açúcar é uma grama alta, pega fogo, a ao lado também vai pegar. Não é o que acontece numa floresta ou numa vegetação natural, uma árvore maior, um arbusto, uma grama, uma árvore grande. Nas plantações, qualquer que seja ela, de milho, de soja, é uniforme. Então, é muito mais difícil atuar quando o fogo só vai tomando mais violência. Isso é incêndio criminoso. 99,1% dos incêndios são de origem humana, antrópica. Sobra 0,9% de raios. Quando há nuvens de tempestade, podem ter raios que causam incêndios. Tudo que estamos vendo nessa época – e estamos entrando no período mais crítico – tudo que estamos vendo, já que não tivemos formação de nuvens de chuva, são incêndios causados pela mão do homem. O pior é que todo incêndio começa do tamanho de um palito de fósforo e toma essas proporções que estamos vendo. É preciso abandonar o mito de que uma 'guimba' de cigarro foi jogada pela janela do carro e acabou causando incêndio. Que uma garrafa, um copo jogado no mato, acabou causando um efeito de lente e gerando um incêndio. 


Mas isso existe? 


Em condições muito específicas, quase laboratoriais. O que acontece são pessoas que põem fogo, ou de forma deliberada, por vandalismo, ou de forma inadvertida, em amontoado de folhas na sua residência, após varrer o quintal, por exemplo. Uma folha daquelas toma voo ao sabor do vento e acaba botando fogo ou ainda, eventualmente, algum equipamento agrícola que possa estar ali em operação numa área rural, causa uma fagulha. São inúmeras, a mais recorrente, nos períodos de muita seca, que não são ação direta humana, mas tem um componente antrópico, são, por exemplo, as descargas elétricas das fiações que estão no meio da vegetação porque o ar é um isolante elétrico, em certa medida. Quando ele fica muito seco, tem ali a passagem de corrente pelo ar. Temos que encarar isso como um dano ambiental prevenível, evitável.                                           


Há esses casos: uma turma foi acampar, à noite faz friozinho, estamos no período do inverno, que é crítico, faz uma fogueira. De repente, eles perdem o controle da fogueira. 

 

Além disso, temos, por exemplo, algumas práticas religiosas que utilizam velas em áreas rurais e naturais. A vela está posta ali, mas pode cair, rolar, afinal elas são cilíndricas, e encostar na vegetação que está muito seca. É preciso que as pessoas tenham essa consciência porque os incêndios de origem humana são muito mais graves que os incêndios naturais. Duas coisas são importantes de destacar: primeiro que há um outro mito em dizer que, por exemplo, o cerrado precisa do fogo. Isso é parcialmente verdadeiro, ele precisa, mas não com essa recorrência. Precisa para quebrar a dormência de algumas sementes, para que as árvores se renovem de alguma forma. Mas, ele precisa de um tempo para que os nutrientes do solo e toda a vegetação se recomponham. Não é verdade falar que isso é uma necessidade da natureza. A outra coisa é saber o seguinte: todos os vegetais mortos, ou seja, palha seca que tenha menos de 7 mm, basta uma hora de secura para que possa estar em condições de queimar. Mesmo se você umedecer jogando água ou chover, se a umidade do ar estiver abaixo de 30%, basta uma hora para que ele esteja em condições de queimar. Se você olhar ao redor, a vegetação está toda muito seca, a umidade do ar, em muitos momentos, em Minas Gerais, chega a ser de níveis desérticos, abaixo de 10%. Basta um estopim para que um incêndio muito pequeno tome essas proporções. 


No período da chuva, o mato cresce, a vegetação cresce. Se não há poda, e vem o período da seca, o risco é bastante maior. 


Fica aqui um alerta para quem tem qualquer propriedade. É preciso ter algumas práticas. É a propriedade responsável. É preciso fazer aceiros, que são aquelas áreas livres de vegetação, que parecem estradas ao redor da cerca da propriedade. Se você tem uma vegetação de 1m de altura, tem que ter um aceiro dividindo com a propriedade vizinha, de pelo menos, duas vezes a altura dessa vegetação, ou seja, dois metros. E, sempre que possível, manter essa vegetação baixa em área urbana, inclusive. Porque os lotes vagos causam muitos problemas ambientais também pela fumaça. Essas práticas são fundamentais porque, na recorrência do incêndio, como o solo não se recompõe, aos poucos a vegetação nativa – arbustos e árvores que têm uma relevância biológica muito grande – são trocados por mato, vegetação mais pobre, que não tem relevância biológica. Então, grandes matagais vão se formando. Temos aqui o Parque Linear, na região do Bairro Belvedere, onde há uma recorrência de incêndios. As margens dessa área vão virando um grande matagal, perdendo o que não pode ser perdido, que é a relevância biológica, diversidade, virando grandes plantações de capim e mato. Infelizmente são motivo para novos focos de incêndio, novas queimadas que vão só empobrecendo, num ciclo sem fim.


Está ficando crítica a incidência de fogo em áreas urbanas… 


Isso vai de civilidade. O proprietário da área, seja pública ou privada, deve manter essa vegetação baixa, com a utilização de ferramentas de corte. É fundamental. O mato alto, quando está próximo a cidade ou dentro dela, as pessoas jogam lixo. Atrás do lixo, além de vir insetos, roedores, animais peçonhentos, alguém, em algum momento, vai acabar pondo fogo naquele lixo. Só que isso acaba tomando a vegetação. Dentro das cidades, muitas vezes, o vento em áreas com edificações altas, não consegue transitar direito, fluir da forma adequada. Muitas vezes, a fumaça fica estática, trazendo problemas respiratórios. O problema não é exatamente o fogo, mas a contaminação ambiental local naquela região, onde tem a fumaça atrapalhando todo mundo. E a recorrência disso vai piorando, trazendo ali mais áreas que podem ser inflamadas. É uma questão de civilidade. Entender que eu preciso cuidar da minha área, que sou proprietário, para zelar pela segurança, pelo ar que a minha família respira.  


Esse tipo de incêndio é criminoso. Portanto, é preciso encontrar a causa e depois identificar quem provocou aquele incêndio. Você tem ideia do percentual de punições?  


É muito baixo, infelizmente. É difícil encontrar o causador. Tenho feito laudos técnicos para empresas buscando a origem do foco. Isso é possível localizar porque existem condições climáticas que nos dão ideia de onde isso pode ter surgido. E a forma de queima vai deixando rastros na vegetação, indicando por onde aquele fogo passou, qual era sua intensidade, sua agressividade. O vento, para citar um pequeno exemplo, tem uma predominância. As pistas dos aeroportos, por exemplo, são construídas no sentido onde o vento é predominante. Aqui na Pampulha está entre 310° e 130°. É a orientação do aeroporto da Pampulha. Em várias áreas, quando se sabe o vento predominante, você pode fazer uma avaliação de trás para frente para buscar o início. O difícil é saber a motivação. Quando se detecta que houve uma ação intencional, criminosa, essa não há como prevenir. Uma pessoa que foi mandada embora de uma fazenda e por retaliação, põe fogo, até uma criança brincando. Por vandalismo de qualquer natureza. É difícil achar a causa, mas a gente consegue detectar o ponto de início. Isso é fundamental, até porque envolve questões de responsabilidade criminal e civil, pelo dano causado na sua propriedade e em propriedade de terceiros. 


Como as pessoas podem prevenir esses incêndios. 


Informação salva-vidas. O mês de setembro concentra metade da área queimada de um ano inteiro. É preciso ter noção de que no período de estiagem não se pode brincar com fogo. Brincar com fogo, nessa época, é terrível. É preciso ter responsabilidade com o que faz, cuidar das suas áreas porque basta uma pequena fagulha para tudo tomar uma proporção muito grande. A solução, de fato efetiva, é educar as crianças, esperando que, no futuro, a gente possa ter uma mudança cultural de fazer limpezas diárias que não sejam com fogo. Do mesmo jeito que não se pode lavar calçada usando água porque é um recurso cada vez mais escasso, limpar áreas usando fogo também não é inteligente. A falta d'água e a qualidade do ar estão ligadas à nossa falta de civilidade, de não perceber que fazemos parte do meio ambiente. Quando cada um zela pela sua própria área, fica mais fácil a convivência em sociedade. Não lançar lixo, ter essa percepção da sua atuação no coletivo.