Nuvem de fumaça que ofusca visão do complexo é ameaça para voos de aeronaves que atuam no combate às chamas  -  (crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.a Press)

Nuvem de fumaça que ofusca visão do complexo é ameaça para voos de aeronaves que atuam no combate às chamas

crédito: Gladyston Rodrigues/EM/D.a Press

Catas Altas, Santa Bárbara e Barão de Cocais – Bombeiros e brigadistas cercados por chamas de 4 metros de altura. Sem comunicação, devido à limitação dos rádios, eles se abrigam exaustos em vazios de vegetação queimada enquanto aguardam resgate. O fogo que consome a Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) Santuário do Caraça há oito dias ganha terreno desde domingo (15/09) e ameaça chegar até a estrada, podendo cercar o único acesso ao complexo. Na manhã desta quarta-feira (18/09), cerca de 30 hóspedes terão de deixar o local como medida de segurança. Pelo mesmo motivo, parte do quadro de funcionários será dispensada, segundo a administração.

 

 

É um pesadelo que cerca uma unidade de conservação com mais de 11 mil hectares de área total, mais de 10 mil deles dedicados à preservação (veja infográfico), que já teve 1.400 hectares devastados pelas chamas. “De domingo em diante, o fogo avançou muito e, dependendo das condições de vento, pode chegar até a estrada do Caraça”, afirma o comandante das operações aéreas pela Polícia Militar, tenente-coronel Flávio Barreto.

 

Dois grandes focos na porção Sul da serra se alastram, sendo que o maior e mais próximo está a cerca de cinco quilômetros do santuário histórico. Um contingente de 13 bombeiros, seis policiais militares e outros 10 combatentes tenta há sete dias deter as chamas, em operação que entra hoje em seu oitavo dia de combate.

 

As dificuldades são inúmeras, como presenciou a equipe de reportagem do Estado de Minas. Em várias oportunidades, os combatentes simplesmente não conseguem comunicação via rádio a menos de dois quilômetros de distância, devido ao relevo acidentado. Precisam também com frequência abandonar suas posições e correr para buscar refúgio em áreas já queimadas, onde o fogo não avança mais por falta de material combustível. O vento é o principal adversário, mudando a direção do avanço das labaredas, que muitas vezes se voltam diretamente para bombeiros e brigadistas.


Ordem de retirada

Às 16h40, a ordem pelo rádio foi para toda a equipe se reagrupar em uma dessas áreas queimadas, de onde, por segurança, os combatentes seriam recolhidos por viaturas. “O terreno é ruim. Mesmo esperando na área queimada, não dá para fazer mais nada hoje. O que está sendo péssimo é a comunicação por rádio. Em linha reta não estamos conseguindo contato com pessoal a dois quilômetros”, disse um dos coordenadores em mensagem radiofônica.

De acordo com o comandante da operação pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), tenente Levin Almeida, do 11º Batalhão, trata-se de um local de difícil acesso, com vegetação variada, desde pastagens a mata densa com árvores mais altas. “O terreno tem muitas pedras soltas, muita rocha e por isso o lançamento das equipes precisa ser por meio de aeronave, ou por trilhas até os focos. Eles estão usando sopradores (máquinas de jatos de ar direcionados contra o fogo), bombas costais de água e abafadores”, explica.

 

“A dinâmica do incêndio muda bastante. Muitas vezes, o vento vira a direção do fogo e as equipes acabam nesse caminho. Por isso, as equipes têm que estar o tempo inteiro acompanhando as mudanças do tempo. Quando isso acontece, os combatentes precisam recuar para as áreas queimadas. Ali, é preciso repensar a estratégia. Essas reviravoltas acontecem a todo o tempo”, descreve o tenente. 

 

 

Nuvem de fumaça de 20 quilômetros

Mesmo os helicópteros da polícia e os aviões Airtracktor de lançamento direto de água nos incêndios têm tido boa parte de sua operação prejudicada. Para se ter uma ideia, a fumaça densa já preenchia ontem o vale da Serra do Caraça por cerca de 20 quilômetros, chegando a turvar a luz do Sol. A situação é tão crítica que, na manhã de terça-feira, um dos dois voos programados pelo Airtracktor teve de ser abortado por falta de visibilidade.

 

“A questão da visibilidade é o maior obstáculo. A fumaça e a neblina às vezes impedem até o voo. Por vezes, nem decolamos. A aeronave permite lançar as equipes mais próximo ao incêndio, transportam equipamentos e alimentos e permitem que façamos lançamentos de água”, conta o tenente-coronel Flávio Barreto.

 

Em termos de incêndios, para se ter uma ideia, até ontem, os municípios de Barão de Cocais e Santa Bárbara, na vizinhança ou na área à RPPN Santuário do Caraça, registraram 62 focos desde janeiro. No mesmo período do ano passado, foram apenas dois focos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

 

Um estrago que chega justamente no ano em que o histórico santuário católico completou 250 anos. O nome da serra que batiza também a reserva vem de sua semelhança com um perfil de um rosto ou “caraça”. Justamente os locais que estão queimando: o Pico do Sol já completamente queimado, o pico dos Infeccionados, a Carapuça e o Pico Verruguinho.

 

 

Além do complexo histórico, o fogo ameaça afluentes do Rio Doce, como o Rio Caraça, Ribeirão do Inferno e o Córrego Capivari. Consome também espécies de plantas ameaçadas, como orquídeas e bromélias da mata atlântica, a candeia e o jacarandá-cabiúna. Sem falar de espécies animais em risco, como o lobo-guará, símbolo do santuário, o tamanduá-bandeira e a onça-parda.


Um pesadelo histórico

O fogo é para o Santuário do Caraça, edificação do século 18 localizada entre Catas Altas e Santa Bárbara, a 106 quilômetros de Belo Horizonte, na Região Central de Minas, um pesadelo antigo. Para além das chamas que atingem com certa frequência as áreas verdes do entorno, um incêndio na madrugada de 28 de maio de 1968 destruiu parte do colégio que funcionava no complexo e mudou para sempre a história da instituição. A origem das chamas foi um aquecedor elétrico usado para derreter cola, destinado ao setor de encadernação.

 

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O equipamento, que ainda pode ser visto no museu local, ficou aceso durante a noite, dando início às chamas que transformaram em cinzas 15 mil livros. Era o fim da história do chamado de Colégio Imperial, por onde passaram mais de 10 mil alunos, que abriu como escola em 1820 e só fechou as portas para os seminaristas após o incidente que destruiu quase por completo a unidade de ensino e o seminário.

 

Quatro anos depois, embora sem deixar de ser uma casa religiosa, o complexo histórico se transformou em pousada. Por ano, recebe cerca de 70 mil pessoas de vários países e estados brasileiros. (Com informações de Gustavo Werneck)