Lendo palavras encontradas por acaso que o lado artístico de Rodrigo de Almeida Ribeiro, que vive em situação de rua, se despertou. Foi na pintura que ele encontrou uma forma de se expressar, ganhar dinheiro e enfrentar o estigma que reduz pessoas em condições vulneráveis às mazelas.
Há cerca de 1 mês, Rodrigo, que tem 40 anos, começou a pintar, algo que nunca tinha feito antes. A ideia nasceu depois que ele leu um livro de autoajuda, que fazia parte de uma coleção de quatro exemplares que achou na rua. Ele vendeu três e decidiu ficar com um.
“Estava escrito na capa: você que está querendo ler este livro não ache que é brincadeira”, ele conta. No interior, o exemplar dizia que qualquer pessoa é capaz de fazer o que quiser. Rodrigo, que é belo-horizontino, diz que foi essa afirmativa que o motivou a começar a pintar.
As obras coloridas que enfeitam a parte da calçada onde ele fica, na Avenida Luiz Paulo Franco, no Bairro Belvedere, Região Centro-Sul de BH, contrastam com a situação desumana que Rodrigo se encontra. As condições em que vive, com seus poucos pertences e um tecido forrado no chão para simular uma cama, também destoam do bairro onde fica há anos, uma das regiões mais nobres de BH.
Normalmente, uma pessoa em situação de rua parece invisível, tratada por quem passa como se não estivesse ali. No entanto, no caso do pintor, suas telas expostas chamam atenção de quem transita por perto.
O próprio Rodrigo parece ser a exceção, muitos que passam por ele o cumprimentam. Na região, ele tem o apelido de ‘Família’, forma que ele chama as pessoas com quem conversa.
Flávia Regina, dona de uma banca na avenida onde Rodrigo compra as tintas, conta que o artista de rua é querido pelo pessoal da região, muito educado e está ali há cerca de quatro anos.
Vendas
Além de exercitar seu lado artístico, ele vende as telas que pinta. “Já foram mais de 30”, conta. Isso tem ajudado Rodrigo a comprar alimentos e outros materiais para continuar fazendo arte. O preço das telas varia entre R$ 5 e R$ 15, a depender de como o pintor de rua classifica a complexidade das artes que faz.
‘Família’ é crítico com o seu trabalho. Perto de onde ele deita, é possível ver outros três quadros cujas artes foram cobertas. “Apaguei porque não gostei”, diz. Para Rodrigo, pintar tem uma peculiaridade: "você nunca consegue refazer igual".
Além da pintura, até a própria tela ele constrói. O artista compra o tecido e monta a estrutura com pedaços de madeira que pega na serralheria. Para pintar, ele usa pequenos potes de tinta guache, que compra numa banca da avenida, esponjas de cozinha, um rolinho de espuma e lápis. Rodrigo faz também esculturas com latas de bebidas.
Os quadros coloridos retratam a natureza, como o céu e o mar, ou construções, que ele diz representar um centro histórico. Essa foi uma das coisas que encantou Clara Feldman, que comprou cinco obras.
Ela, que é psicóloga, ficou sabendo de ‘Família’ e seu talento pela amiga Letícia Saldanha, moradora do Belvedere que o ajuda, assim como outras pessoas em situação de rua.
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Além de gostar dos quadros, Clara se encantou por ele. “Eu vi no Rodrigo mais um que precisa conversar, ser ouvido. Todos eles têm uma história”, diz. Em um papo com a psicóloga, o artista revelou que seu sonho é ter uma horta e vender o que planta, como já fez em uma época de sua vida.
*Estagiária sob supervisão do subeditor Gabriel Felice