No terreno em que o Parque Municipal de BH foi construído existia uma cachoeira natural do Córrego Acaba Mundo -  (crédito: Arte EM)

No terreno em que o Parque Municipal de BH foi construído existia uma cachoeira natural do Córrego Acaba Mundo

crédito: Arte EM

 

O Parque Municipal Américo Renné Giannetti, o popular Parque Municipal de Belo Horizonte, foi inaugurado há exatos 127 anos, em 26 de setembro de 1897. O mais antigo jardim público da capital mineira, hoje com 192 mil metros quadrados, chegou a ter três vezes esse tamanho e precisou esperar quase oito décadas para ser reconhecido como patrimônio da cidade. Habitat de 4 mil espécies de árvores e cerca de 100 espécies de vertebrados – mamíferos, aves, répteis, anfíbios e peixes –, essa área verde é um marco na construção de BH.

 

 

 

O Sabia Não, Uai!, série especial do Estado de Minas sobre curiosidades e histórias de Minas Gerais, reuniu fatos inusitados sobre o Parque Municipal, desde os primeiros dias de funcionamento. Essa grande área verde no Centro de BH, e que se tornou espaço de lazer e de apresentações culturais, demorou quase 80 anos para ser reconhecida como patrimônio de BH.

 

 

Essa história começa no fim do século 19, quando a Comissão Construtora da Nova Capital de Minas Gerais iniciou o planejamento de Belo Horizonte, já incluindo naquela época a criação de um parque para a futura capital mineira. Um espaço a ser instalado na Chácara do Sapo, perto da Avenida Afonso Pena, para se tornar o “mais grandioso parque da América”, segundo relatório escrito pela equipe liderada por Aarão Reis, dono do terreno.


 

Na época, a área do parque era limitada pelas avenidas Afonso Pena, Mantiqueira (hoje Alfredo Balena), Araguaia (atual Francisco Sales) e Tocantins, rebatizada depois para Assis Chateaubriand. Em extensão, representava 600 mil metros quadrados, segundo a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

 

 

O terreno da chácara de Aarão Reis era repleto de árvores, arbustos e bastante fértil, por ser cursos d’água. Existia inclusive uma cachoeira natural do Córrego Acaba Mundo, que nasce nas vertentes da Serra do Curral, atravessa vários pontos da região Centro-Sul da capital e deságua no Ribeirão Arrudas. Ele e muitos outros cursos d'água de BH encontram-se hoje canalizados e cobertos.

 

Um plano ambicioso 

O arquiteto-paisagista francês Paul Villon foi o responsável pelo projeto de formação do Parque Municipal. Com isso, ele teve que se mudar para a cidade, mais especificamente para um casebre que já existia dentro do futuro logradouro, onde Aarão Reis, engenheiro chefe da Comissão Construtora, já residia, mas em outra casa.

 

 

Em março de 1894, foi dado início aos trabalhos. No esboço, além das pontes, lagos, praças e jardins franceses da época, estavam previstos alguns setores de recreação. A equipe de construtores tinha planos de erguer um cassino, um restaurante e até mesmo um observatório meteorológico no futuro parque. O custo total desses extras, porém, impediu que todos os projetos fossem executados.

 

Ambulatório no lugar do cassino

A obra do cassino chegou a ser iniciada, mas não foi concluída. Hoje, o espaço onde a casa de jogos se estabeleceria encontra-se o Ambulatório Borges da Costa, pertencente ao complexo da Faculdade de Medicina da UFMG, e está desassociado da área pública do parque. 


 

Além de planejar trilhas, gramados e lagos, Paul Villon tinha a missão de ampliar o conjunto de vegetação nos 60 hectares do lote do parque. Para isso, o paisagista criou dois viveiros de plantas, um para flores, outro para árvores. Depois, viajou ao Rio de Janeiro para buscar dois mil pés de eucalipto.

 

Árvores retiradas dos quintais

A fim de diversificar o berçário de plantas, o francês também aproveitou as árvores que estavam nos quintais das casas do antigo arraial Curral del-Rei. Sendo assim, ele transportou para o parque algumas espécies, como a saponária que ficava em frente ao Largo do Rosário, espaço de grande importância religiosa, social e cultural que foi derrubado para a construção da nova capital. 


Em 1896, os viveiros contavam com 21 mil mudas de árvores. O cultivo de Villon também foi usado para a arborização de praças, avenidas e ruas da cidade.

 

Passatempo dos belo-horizontinos 

O parque foi inaugurado com uma apresentação da banda Carlos Gomes e, desde seus primeiros dias de funcionamento, esteve associado às atividades culturais dos belo-horizontinos. O grande jardim no Centro de BH era referência para caminhadas nos fins de semana com as melhores roupas, como luvas, vestidos por cima de anáguas volumosas, chapéus extravagantes e até monóculos, conforme a moda da época.


Com o tempo, se popularizou e passou a sediar eventos recreativos, como a primeira batalha de confete fora do período carnavalesco e a corrida inaugural de bicicletas do Velo Club, o primeiro esporte organizado na nova capital. Tornou-se também palco de comemorações marcantes, como os desfiles em homenagem à Independência do Brasil e outras celebrações cívicas.

 

Viveiro de colibris

O terreno abrigou também o primeiro viveiro de colibris em um espaço público nas capitais brasileiras. Construído por iniciativa de alguns diretores do banco de Minas Gerais, a obra fazia parte de uma campanha nacional pela preservação da espécie, idealizada pelo jornalista Assis Chateaubriand (1892-1968), fundador do grupo Diários Associados.


No viveiro de 12 metros de comprimento, considerado na época um dos maiores erguidos, foram abrigadas mais de 60 espécies. Segundo reportagem do Estado de Minas de 22 de setembro de 1964, o nicho ficava próximo à Ilha dos Patos.

 

Espaço reduzido para atalhos

Com o avançar da urbanização de BH, o Parque Municipal sofreu cortes na área original. Algumas partes foram cedidas pelas administrações da prefeitura em suas respectivas épocas, outras negociadas. Fato é que todas essas pressões custaram uma perda de quase 70% da área inicial do parque demarcado no século 19.


Só na década de 1970, o conjunto arquitetônico adquiriu salvaguarda de ser reconhecido oficialmente como patrimônio público, por sua importância para a capital mineira. E, desde 1955, o parque é oficialmente reconhecido pelo nome do ex-prefeito Américo Renné Giannetti.

 

Vista aérea de drone do Parque Municipal Américo Rene Giannetti. (2024)

Vista aérea de drone do Parque Municipal Américo Rene Giannetti. (2024)

@estev4m/Esp. EM - Belo Horizonte - MG

 

Linha do tempo do Parque Municipal 

  • 1894: A Chácara do Sapo é desapropriada pela Comissão Construtora da Nova Capital
  • 1894 a 1897: Construção
  • 1897: Inauguração 
  • 1907: Porção sudoeste é entregue ao governo estadual e recebe a Diretoria da Agricultura e um laboratório de análises
  • 1911: Parte do córrego Acaba-Mundo é drenada, criando-se um lago
  • 1912: Mais de 45 mil metros quadrados são doados para a construção da Faculdade de Medicina e do Centro de Saúde do Estado
  • 1912: O prefeito Olinto dos Reis Meireles anuncia que o parque seria cercado, tendo como limite às margens do Ribeirão Arrudas
  • 1914: É criado o forno de incineração de parte do lixo produzido na capital na parte sudoeste do parque
  • 1919: Prefeitura oferece ao América Futebol Clube um trecho do terreno, de 19 mil metros quadrados, na Avenida Francisco Sales, em troca do antigo campo do clube, onde hoje fica o Mercado Central
  • 1920: Fundação do Instituto do Radium, posteriormente Moradia Estudantil Borges da Costa e atual Ambulatório Borges da Costa
  • 1924: Passa a servir de moradia para o governador Olegário Maciel
  • 1924: Recebe jaulas para abrigar animais como jaguatiricas, porcos do mato, antas, capivaras, pacas e até uma onça
  • 1925: Grades de ferro são instaladas para cercar o parque
  • 1926: Instalada uma quadra de tênis e um ringue de patinação
  • 1930: O prefeito Luís Pena modifica as jaulas dos animais
  • 1937: É proposto o prolongamento da Rua Pernambuco (atual Alameda Ezequiel Dias) e da Cidade Universitária. O plano não avançou
  • 1940: Perde de mais um espaço, dessa vez para a construção do Palácio das Artes
  • 1946: Construção da escola Guignard, após a dissolução do Instituto de Belas Artes. Posteriormente o lugar abrigou o Colégio Imaco
  • 1949: Construção de um teatro de emergência no parque, mais tarde chamado de Francisco Nunes
  • 1955: Passa a ser chamado oficialmente de Parque Municipal Américo Renné Giannetti
  • 1964: Cônsul dos EUA oferece 10 mudas de pinheiro do sul
  • 1966: O prefeito Oswaldo Pieruccetti transforma o abrigo de bondes no Mercado das Flores
  • 1969: Áreas são alugadas para instalar circos e atrair público
  • 1971: Inauguração do Palácio das Artes, ainda incompleto
  • 1975: O parque é tombado como patrimônio público
  • 1975: Canalização do Córrego Acaba-Mundo devolve 5 hectares ao parque
  • 1984: Encontro regional de biólogos propõe ações para proteger o parque
  • 1992: Parque passa por grande reforma
  • 2007: Decreto determina a saída do Imaco do parque
  • 2008: Lei determina a derrubada do prédio do Imaco
  • 2014: Teatro Francisco Nunes é reaberto após reforma
  • 2016: Novas placas de sinalização
  • 2020: Parque fica 5 meses fechado devido à pandemia de COVID-19
  • 2021: Parque fica 9 meses fechado devido ao risco de transmissão de raiva 
  • 2023: Serviços de lazer, como brinquedos, são retomados
  • 2024: Inaugura estátuas de bronze em homenagem a Carolina Maria de Jesus e Lélia Gonzalez: as primeiras estátuas de mulheres negras em BH

 

O Sabia Não, Uai!

As reportagens do Sabia Não, Uai! mostram de um jeito descontraído histórias e curiosidades relacionadas à cultura mineira. A produção conta com o apoio do vasto material disponível no arquivo de imagens do Estado de Minas, formado também por edições antigas do Diário da Tarde e da revista O Cruzeiro, e por vídeos digitalizados da TV Itacolomi.

 

Todos os vídeos desta temporada e das anteriores estão disponíveis nas plataformas de podcast e no canal do Portal Uai no YouTube.


O Sabia Não, Uai! foi um dos projetos brasileiros selecionados em 2023 para participar do programa Acelerando Negócios Digitais, do Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ), iniciativa apoiada pela Meta e desenvolvida em parceria com diversas associações de mídia (Abert, Aner, ANJ, Ajor, Abraji e ABMD) com o objetivo de atender às necessidades e desafios específicos de seus diferentes modelos de negócios.


Arquivo EM

Se você gostou de mais esta história recontada pelo especial Sabia Não, Uai!, aproveite para acompanhar nossa série sobre a memória do jornalismo brasileiro. O Arquivo EM conta, a partir de buscas na Gerência de Documentação e Informação (Gedoc) dos Diários Associados em Minas Gerais, reportagens quase esquecidas sobre Minas Gerais e o país.