Na lateral esquerda da Igreja do Rosário, é possível notar o abaulamento do telhado, com perigo de desabamento -  (crédito: Fotos: Gustavo Werneck/EM/D.A Press)

Na lateral esquerda da Igreja do Rosário, é possível notar o abaulamento do telhado, com perigo de desabamento

crédito: Fotos: Gustavo Werneck/EM/D.A Press

Paracatu – O casal de arara-canindé corta o céu da cidade e conclui seu voo no alto da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Centro Histórico de Paracatu, Região Noroeste de Minas. Com seu som estridente, as aves atraem a atenção de pessoas, na rua, encantadas pela cena, e já de celular na mão para documentar o momento de harmonia entre natureza e patrimônio histórico. Os olhos percorrem toda fachada do templo, vão de cima a baixo, mas uma decepção, no entanto, fica a poucos metros dos interessados em conhecer o interior da edificação do século 18: as portas estão fechadas desde dezembro devido a grave problema na cobertura.


O sinal de alerta foi dado pelo padre Hilton Rodrigues Santana, titular da Paróquia Catedral Santo Antônio de Paracatu, que inclui 13 comunidades, entre elas as da Igreja do Rosário e da Matriz Santo Antônio. Ele explica o motivo: “No final do ano passado, havia muitos pombos entrando no Rosário, onde havia missa toda sexta-feira. Então, contratei um carpinteiro, imaginando que o ajuste ou troca de telhas resolveria o problema. Mas era bem diferente. Ao descer a escada, o carpinteiro me disse que a igreja corria o risco de cair, pois uma madeira estava quebrada, e o telhado, cedendo.”

 


Diante do perigo, padre Hilton conta que comunicou imediatamente ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), responsável pelo tombamento do templo (1962) e do Centro Histórico, ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), à prefeitura local e à Secretaria Municipal de Cultura e Turismo. “Expliquei tudo, por meio de ofício, informando que estava fechando a igreja para preservar o patrimônio e a vida das pessoas.”

 

LONA NO TELHADO


A fim de evitar maior degradação da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, localizada no Largo do Rosário, as paredes laterais ficam abertas durante o dia, permitindo a ventilação e afastando a ameaça do mofo. “Vamos colocar uma lona sobre a cobertura, porque logo vai começar a temporada de chuvas”, observa o padre. Ao olhar pela janela da igreja, o repórter do Estado de Minas verificou que, no interior, os bancos estão cobertos por plástico.


O pároco tem consciência da urgência dos serviços na igreja, que, por fora, se mostra bem-cuidada. “Vamos contratar uma empresa para fazer o projeto de restauro do Rosário, e, então, buscar a execução do serviço via Plataforma Semente, do MPMG”, adianta padre Hilton. A plataforma, um sistema virtual de amplo acesso em Minas, usa recursos oriundos de medidas compensatórias ambientais para viabilizar projetos de defesa do meio ambiente natural, cultural, urbanístico, socioambiental e outros.

 


O alerta se volta também para a “situação grave” da Matriz Catedral de Santo Antônio, também do século 18 e tombada pelo Iphan. “Exige muita atenção, urgência mesmo. A situação não é boa. Enquanto o Rosário apresenta problemas apenas na cobertura, a matriz demanda serviços nas partes elétrica, estrutural e hidrossanitária”, destaca o padre. Ele acrescenta que um laudo feito por um engenheiro civil mostrou a gravidade. “Precisamos fazer a obra o mais rápido possível.” Sem perder tempo, ele junta a documentação para buscar recursos também em ações do MPMG, a exemplo do programa Minas para Sempre, que seleciona projetos para recuperação, restauração e conservação de bens do patrimônio mineiro.


A promotora de Justiça de Paracatu, Mariana Duarte Leão, vê, com preocupação, a situação da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, cuja construção se iniciou em 1744. “É muito grave. Do lado de fora, a gente consegue ver o abaulamento no telhado. O próprio padre Hilton, mesmo ciente de que a responsabilidade seria da Diocese de Paracatu, cerrou as portas da igreja enquanto aguardava a inspeção.”


Mesmo com a preocupação, existe esperança. No último dia 20, a promotora de Justiça informou que a Associação Joaquim Artes e Ofícios apresentou um projeto na Plataforma Semente referente ao Rosário. “Já me reuni com o padre Hilton. Em seguida, pedi que dessem prioridade máxima na análise do projeto”, disse Mariana. Joaquim Artes e Ofícios é uma organização que atua nas áreas de arquitetura, engenharia, restauração e paisagismo.


A promotora de Justiça conta que já havia um inquérito civil (aberto pelo MPMG) para acompanhar a situação da igreja, como ocorre com todos os templos tombados para verificar manutenção, conservação e outros aspectos. “A partir do relato do padre Hilton, procuramos o Iphan e o Comphap (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico de Paracatu), constando a veracidade das informações.”

 


Antes dessa confirmação, Mariana se reuniu com o padre Hilton, o bispo de Paracatu, dom Jorge Alves Bezerra, e o padre Valdeci de Lima, sacerdote e advogado da diocese, a respeito do Rosário e da matriz. “Ofereci que cadastrassem os projetos na Plataforma Semente, e, caso conseguissem fazê-lo, me comprometeria a contemplar a reforma a fim de preservar a edificação.”


No caso da matriz, que já tinha um processo em andamento, ajuizado pelo Ministério Público Federal, “fizemos um termo de cooperação técnica onde todos (o município, a Mitra e o MPMG), se empenhariam para resolver o problema. Também foi oferecida a restauração via Plataforma Semente”. A expectativa agora, com o projeto apresentado, é que o templo entre em nova fase de sua história.


INTERDIÇÃO

 

Em nota, a superintendência do Iphan em Minas informa que a Igreja do Rosário foi interditada devido a danos estruturais identificados na cobertura do edifício. “A decisão pela interdição foi tomada pela própria paróquia, e o Iphan confirmou a necessidade dessa medida para garantir a segurança dos frequentadores e visitantes.”


A nota diz ainda que obras emergenciais foram executadas para se evitarem riscos de rompimento e desabamento, incluindo o ‘atirantamento’ da estrutura de madeira da cobertura, mas ela continua interditada, “pois ainda há risco de queda de parte do madeiramento ou das telhas”. O atiramento é um procedimento em que se usam cabos de aço funcionando como tirantes – tensionando e evitando que as peças movimentem, se afastando uma das outras.

 


Conforme o Iphan, há previsão de obras de recuperação da cobertura e restauração dos elementos construtivos da edificação. “A paróquia, com apoio técnico e colaboração do Iphan, está organizando a captação de recursos necessários à elaboração dos projetos de restauração e recuperação estrutural, os quais, posteriormente, vão permitir a solicitação de recursos visando a execução das obras.” O Iphan esclarece que não tem a atribuição de interditar edificações, sendo essa uma responsabilidade da Guarda Municipal e das autoridades locais competentes.


Já o secretário Municipal de Cultura, Márcio Solto, diz o seguinte: “Cuidamos do entorno da igreja, das áreas públicas. Somos solícitos às demandas recebidas pela Diocese de Paracatu e pela Cáritas Diocesana, responsáveis pelas igrejas. Recentemente, ajudamos com o projeto elétrico feito na matriz e também nos telhados, quando solicitados.” Márcio acrescenta que há “uma sentença proferida pela Justiça Federal acerca da obrigatoriedade de restauro dos dois bens. Nesse caso, foram condenados o Iphan e a Cáritas, que é responsável pela manutenção dos bens da Igreja Católica”.

 

 

Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos

 

Localizada no Centro Histórico, o templo é tombado pelo Iphan e município. Capela de grande vulto em taipa e muito rústica, característica da região de transição entre Minas Gerais e Goiás, teve sua construção iniciada por volta de 1744. O problema atual reside na cobertura, o que levou à interdição do bem católico em dezembro de 2023.

 

 

Matriz Catedral Santo Antônio

 

Também no Centro Histórico e tombada pelo Iphan e município, foi construída a partir de 1746, mas demorou 50 anos para ficar pronta. É diferente da arquitetura barroca de cidades como Ouro Preto, seguindo o estilo jesuítico, com características mais próximas dos templos católicos de Goiás. Está aberta, mas apresenta problemas nas partes elétricas, estrutural e hidrossanitária.
Em 2016, sofreu interdição.