Em meio à estiagem mais severa dos últimos anos, os reservatórios que abastecem a Região Metropolitana de Belo Horizonte atingem níveis preocupantes e evocam memórias da crise hídrica de 2015. Desde abril, a capital mineira e municípios vizinhos sofrem com a ausência de chuvas, acumulando hoje (2/9) 138 dias de seca, a maior registrada em seis décadas. Esse cenário levou a uma queda drástica nos volumes de água armazenados no Sistema Paraopeba, responsável por suprir grande parte da demanda de abastecimento da Grande BH.

 



 


A realidade atual, embora consideravelmente melhor do que a da crise hídrica de 2015, acende o alerta para a sustentabilidade do abastecimento da Grande BH diante da perspectiva de chuvas abaixo da média para este ano. O sistema, composto pelos reservatórios de Rio Manso, Serra Azul e Vargem das Flores, viu seu volume de operação despencar em quase 10% apenas no último mês, indo de 71,5% da capacidade em 31 de julho para 64,7% na sexta-feira (30/8). Trata-se do menor volume registrado para o mês de agosto desde 2019, quando o sistema fechou o mês com 68,3% de sua capacidade. Desde abril, o Sistema Paraopeba teve uma queda acumulada de quase 30% em seu volume, saindo de 89,2% para os atuais 64,7%.

 

Siga nosso canal no WhatsApp e receba em primeira mão notícias relevantes para o seu dia 

 


Em agosto deste ano, os reservatórios não receberam nenhuma gota de chuva, apesar de a média histórica para o mês ser de 9,6 milímetros. O reservatório de Vargem das Flores, em Betim, já exibe as marcas da estiagem, com suas margens recuando para revelar um vale de terra seca e rachada, conforme imagens registradas pela reportagem do Estado de Minas. Com apenas 49,3% de sua capacidade, o vertedouro —por onde a água escoa para controlar o volume do reservatório—, agora é visível a quilômetros de distância. No local, pescadores aproveitam o baixo nível da água para tentar capturar peixes. Enquanto neste ano o índice está abaixo de 50%, no mesmo período de 2023, o volume da represa atingia 69,6%.

 


Já o Rio Manso, localizado em Brumadinho, o maior dos três reservatórios, opera hoje com 63,7% de sua capacidade, número pouco maior que os 54,3% registrados em 2019, menor índice até então. Da mesma forma, o reservatório de Serra Azul, em Juatuba, apresenta um volume de 73,3%, uma melhoria em comparação aos 67,4% de agosto de 2019. Somadas, as três represas do Paraopeba tinham, até sexta-feira, mais de 53 milhões de metros cúbicos de água a menos do que o acumulado na mesma data do ano passado, uma queda de 23% no volume da operação. Em agosto do ano passado, o sistema operava com 89,5%; em 2022, com 93,5%.

 


A explicação para essa diferença, segundo o superintendente da Unidade de Negócio Metropolitana da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), Ronaldo Serpa, está nos altos volumes de chuva vistos nos anos anteriores, que deixaram uma “gordura” de água armazenada. Ele garante que o abastecimento deste ano não será comprometido. “São níveis ainda bastante dentro da normalidade e plenamente suficientes para passarmos por todo esse período de estiagem até o início da chuva”, disse em entrevista ao Estado de Minas.

 

Fantasma da torneira seca

 

Esses números, embora ainda dentro da normalidade para o período, como afirma a Copasa, acendem um alerta sobre a sustentabilidade do abastecimento hídrico da região. A preocupação é intensificada pela previsão de chuvas abaixo da média em Minas Gerais neste ano, de acordo com o Sistema de Meteorologia e Recursos Hídricos (Simge) do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Especialistas alertam também que o agravamento das mudanças climáticas pode tornar crises como a de 2015 mais frequentes e severas.

 


O superintendente da companhia reconhece a preocupação com os impactos de extremos climáticos, como ondas de calor e períodos de seca prolongados, no abastecimento da população. “A água está diretamente relacionada com a situação climática. Um dos problemas acontece quando temos uma onda de calor muito elevada e, principalmente, associada à umidade relativa do ar muito baixa. Isso aumenta o consumo e causa reflexos, principalmente nas regiões mais distantes do nosso sistema de produção”, disse, lembrando que, no ano passado, Belo Horizonte enfrentou pela primeira vez três ondas de calor seguidas, e a Copasa teve que realizar obras emergenciais. “Conseguimos mapear onde aconteceram esses problemas e temos feito obras para melhorar a distribuição de água”, afirmou, sem detalhar os locais.

 


Diferentemente da Copasa, que não projeta uma queda nos níveis dos reservatórios nos próximos meses, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) já prevê essa redução nas represas das hidrelétricas devido às chuvas abaixo da média. Em boletim divulgado na última semana, o órgão informou que os níveis estão “dentro do esperado para o período tipicamente seco”, mas que devemos observar uma diminuição desses patamares nos próximos meses. A afluência abaixo da média tem sido uma preocupação do ONS desde dezembro de 2023.

 

CHEIA - O manancial após chuvas volumosas da temporada 2021/2022

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 5/2/22

 


A capital mineira já enfrentou crises hídricas severas no passado, sendo a mais notória a de 2015, quando os reservatórios da Copasa chegaram a operar com apenas 39% de sua capacidade. A situação atual está longe da penúria que fez a Copasa admitir, em 2015, que a Grande BH estava em estado crítico, depois de a reportagem do Estado de Minas mostrar que o segundo maior reservatório do Sistema Paraopeba operava com 5,73% de sua capacidade. O discurso, antes, era de que a situação estava “sob controle”. O cenário se tornou tão crítico que o governo emitiu uma portaria estabelecendo taxas de redução para diferentes tipos de abastecimento, com cortes de 20% para o consumo doméstico, por exemplo.

 


A memória da crise de 2015 serve como um alerta: o planejamento a longo prazo e a adaptação às novas realidades climáticas são essenciais para garantir o abastecimento de água para milhões de pessoas. Com a previsão de chuvas cada vez mais irregulares, a necessidade de repensar o uso e a gestão dos recursos hídricos torna-se mais urgente do que nunca.

 


Questionado pela reportagem, o superintendente da Unidade de Negócio Metropolitana, Ronaldo Serpa, diz que a companhia está investindo na ampliação dos sistemas de reservação para aumentar a capacidade de armazenamento de água durante os períodos chuvosos e, assim, minimizar os riscos durante as secas. “Temos planejamento de ampliação desses barramentos de água para que a gente possa ter essa reservação maior e enfrentar essas crises que a gente tem visto mais frequentes”, afirma.


USO RACIONAL


Por outro lado, a Copasa também joga a responsabilidade para a população e cobra consciência no uso racional da água. Em um período de estiagem como o atual, o desperdício de água pode agravar ainda mais a situação, especialmente nas áreas mais altas e distantes dos centros de captação. “A água é um bem finito que a gente não pode desperdiçar. A gente investe muito em comunicação com a população também por uma questão ambiental, é nosso dever zelar para que tenha água para todos os usos, não só o abastecimento”, afirma Ronaldo Serpa. Em 2015, essa foi uma das apostas para evitar o rodízio de água diante da crise hídrica. Mas não deu certo: a economia de água pelos consumidores da Copasa, no entanto, não atingiu os 30% necessários – meta estipulada pela companhia –, chegando a apenas 16%.

 

compartilhe