O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou três pessoas, dois homens e uma mulher, por injúria racial cometida durante um evento de calourada no campus da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), em Frutal, no Triângulo Mineiro, em 11 de março deste ano. O processo foi encaminhado ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) nesta segunda-feira (9/9).

 

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Na época, o crime foi denunciado pelo coletivo Ágora Negra e pelo Diretório Acadêmico (DA) da universidade. Os investigados faziam parte de uma sociedade esportiva da instituição, a “Pobrema”, e penduraram uma plaquinha de identificação com a palavra “bombril” para uma aluna do primeiro semestre de administração.

 

“Tudo era para ser uma forma de integração, e ser divertido, mas não. Não foi isso que aconteceu naquele dia. Dois indivíduos, já identificados, escreveram na plaquinha de uma ‘bichete’ [nome dado aos novos alunos] ‘bombril’. Racismo. Injúria racial. [...] E a gente tá falando de uma situação que aconteceu em uma universidade pública, onde que era para ser o principal ambiente para a gente combater esse tipo de situações, principalmente o racismo”, disse Vitória Machado, vice-presidente do DA, em vídeo publicado no início do ano. 

 

Karolyne Camargo, de 18 anos, estava na primeira semana de aula do curso de administração quando foi vítima de injúria racial. Ao Estado de Minas, a estudante contou que estava temerosa de participar dos eventos de recepção aos calouros, mas que decidiu comparecer a um deles depois que um diretor da UEMG afirmou que, caso houvesse alguma ocorrência, os envolvidos poderiam ser punidos. 

 



 

O crime denunciado pelo MPMG aconteceu no hall de entrada do teatro do campus. Karolyne relembra que um amigo chamou um aluno mais velho do curso da jovem e disse que ela precisava de uma placa de identificação. Ao se juntar ao grupo, onde não conhecia as pessoas, ela foi perguntada se gostava do apelido “Sandy”, igual o nome de uma personagem do desenho animado Bob Esponja. 

 

Assim que concordou, uma aluna, também de ano diferente, começou a rir e escreveu algo na plaquinha. Ao receber a identificação, ela viu que estava escrito “bombril”. “Eu fiquei sem reação. Olhei para a placa, sai e fui encontrar meus amigos. Quando eles viram me perguntaram o que era aquilo e eu falei que não sabia, que não queria aquela placa e que queria trocar”, conta Karol. 


Uma amiga da estudante chamou um dos integrantes da sociedade esportiva e pediu que ele trocasse a identificação. Em resposta, o aluno afirmou que aquilo não era para estar escrito ali e mandou que fizessem a mudança. No entanto, a placa não foi substituída. “Ela [a investigada pelo MPMG] não rasgou a placa e sim escreveu no lado contrário. E eu tive que ficar com ela”. 


 

Pedidos de desculpa

Karolyne relata que contou sobre a injúria apenas para seu namorado, sua irmã e sua prima. Ela afirma que, no dia, não quis contar para a sua mãe, uma vez que ela sofreu episódios de racismo durante sua infância. “Bombril era o apelido que os coleguinhas davam para ela. E é uma coisa muito dolorosa para ela. Quando eu contei, dois dias depois, ela chorou muito e disse que nunca imaginaria que eu passaria por uma situação dessa na vida”. 

 

A notícia sobre o que aconteceu durante a recepção de calouros foi evidenciado na mesma semana. Karol não sabe quem “vazou” o caso. Ela conta que, no dia seguinte, uma amiga mandou mensagem para os administradores da “Pobrema” e o presidente pediu desculpas. Mesmo assim, os alunos do campus  queriam saber quem eram os agressores. 

 

“Aí eu comecei a receber um tanto de pedido de desculpas. Mas, até vazar, ninguém se preocupou em pedir desculpa, em saber como eu estava. Só começaram a se preocupar quando saiu a notícia”, diz a estudante. 


 

Um dos apontados como responsáveis pelo Ministério Público chegou a mandar mensagem para Karol. No pedido de desculpas, o homem diz que está envergonhado em enviar o texto e assustado com a situação. Ele pede uma chance de conversar com a colega pessoalmente e “entender a situação”. A jovem conta que, segundo outro investigado, esse seria quem deu a “ideia” de escrever a injúria. 

 

“Hoje cedo acordei com meu nome circulando na faculdade, com pessoas me insultando e me chamando de racista. Queria pelo menos ter a chance de conversar com você pessoalmente e entender a situação, porque também não compactuo com o acontecido e me deixa envergonhado ter que passar por isso, até porque tenho pessoas negras em minha família e seria um nojo eu ter que levar isso para dentro de casa”, escreveu o investigado. 

 

No texto, o estudante ainda afirma que estava apenas “ao redor” dos responsáveis e não escreveu o xingamento. “Se algo ficou mal entendido, estou totalmente livre para conversar e te ajudar no que for preciso. E além de tudo, desejar desculpas pelo acontecido, que também sou contra em qualquer situação.” 

 

“O que mais me choca é que são pessoas adultas, a gente nunca imagina passar por isso na vida. A gente sabe que o racismo existe e que ele está presente no dia a dia, mas a gente nunca imagina passar por isso. Eu estudei em várias escolas e nunca sofri racismo, nunca sofri bullying. Aí justo na universidade, que é um lugar de adultos, pessoas mais velhas e maduras, eu tenho que passar por esse tipo de coisa”, desabafa Karolyne. 

 


 

Responsabilidade 

Para o Ministério Público de Minas Gerais, ao praticar a injúria racial, os acusados agiram “dolosamente e cientes da ilicitude de suas condutas, em contexto e com intuito de descontração, diversão ou recreação", o que torna a punição do crime ainda mais grave. Além do julgamento do caso, o órgão pediu que cada denunciado pague indenização mínima de R$ 10 mil pelos danos causados. 


Em nota, a Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) informa que "tomou medidas disciplinares contra os estudantes envolvidos em ato de racismo, registrado em março de 2024, durante um trote universitário envolvendo estudantes da Unidade Acadêmica de Frutal."

 

Segundo a instituição, uma comissão de apuração foi instaurada na unidade, e, após conclusão do inquérito administrativo, a sanção disciplinar imposta a um dos estudantes foi o desligamento e a outros dois a suspensão. "A universidade destaca que as decisões administrativas são independentes da denúncia oferecida à Justiça pelo Ministério Público. A UEMG reafirma seu compromisso com o combate a todas as formas de discriminação, reiterando a importância de um ambiente acadêmico inclusivo e respeitoso para todos e todas."

 

 

Karolyne explica que dois dos denunciados, um homem e uma mulher, foram punidos pela UEMG, mas o terceiro pediu transferência e saiu da universidade antes que a medida fosse tomada. Ela não explicitou quais foram as sanções sofridas pela dupla. 


“No início, eu não queria aparecer. Não queria colocar a minha cara na mídia e aparecer porque estou no primeiro ano da faculdade. Eu não queria ser reconhecida como a menina que sofreu racismo, porque eu sei que as pessoas olham diferente [...] Agora, eu estou em transição capilar por conta disso tudo, a história me magoou demais. Me fez ver que meu cabelo é quem eu sou de verdade ”, conclui Karolyne.

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