Mais da metade dos acidentes com morte registrados em 2024 no Anel Rodoviário de Belo Horizonte envolveram condutores ou passageiros de motocicletas. Os veículos são o foco da Operação Duas Rodas, lançada pela Polícia Militar Rodoviária (PMRv) e que deve durar todo mês de setembro. A iniciativa vai fiscalizar motocicletas, com o objetivo de garantir a segurança nas vias e promover o cumprimento das normas de trânsito.
Segundo a PMRv, a ação ocorre em diversos pontos estratégicos do Anel Rodoviário e visa identificar e coibir infrações, além de orientar os condutores sobre as regras de segurança.Durante a operação, serão verificadas questões como o uso adequado de capacetes, documentação do veículo e condições de conservação das motocicletas.
O tenente Jouber Dornelas, comandante do 1° pelotão do Anel Rodoviário de BH, explica que a operação busca a segurança viária e a redução de acidentes de trânsito em Minas Gerais, por meio de fiscalizações e orientações.
“Durante a operação, o foco principal é nas motocicletas, tendo em vista que quando falamos de Anel Rodoviário mais de 50% dos acidentes de trânsito com morte têm participação direta de condutores de motocicleta ou passageiros.”
Até o momento, foram registradas 31 mortes na via, em 2024, sendo 17 vítimas na condução/passageiro de motocicletas, o que corresponde a 54,83%. O tenente diz que, diante dos números, a corporação decidiu focar nas motocicletas. Grande parte desses acidentes está relacionadacom a imprudência dos condutores, segundo ele. “Os três principais fatores são falta de atenção, velocidade incompatível com a via e não manter a distância de segurança. O condutor sabe o que tem que fazer, entretanto, insiste em fazer de maneira contrária, seja por meio da utilização de celular; em uma via em que a velocidade permitida é 70 km/h e a pessoa está andando a 80 km/h, 90 km/h, ou sabe que tem que guardar a distância de segurança e não o faz.”
MÚLTIPLOS FATORES
O diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), Alysson Coimbra, aponta que o problema passa também pela formação do motociclista. “Hoje, no Brasil, ele é treinado em uma motopista, avaliado e aprovado. No dia seguinte, acessa, sem nenhuma restrição, toda e qualquer via, sem nenhum treinamento prévio.”Segundo Coimbra, além de uma formação deficiente, a alta demanda por motocicletas é decorrente da precariedade do transporte público. “Geralmente, há a dificuldade do último quilômetro, entre o local que o transporte público deixa o passageiro até seu destino final (casa/trabalho). Cada vez temos bairros mais afastados, sem infraestrutura, sem urbanização programada. Esse último quilômetro é resolvido, geralmente, pela motocicleta.”
O especialista ressalta que houve ainda uma adesão expressiva da população ao transporte remunerado de passageiros em motocicleta. “O Anel também teve esse fluxo aumentado de pessoas na garupa de motocicleta.”
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Outro fator apontado por Coimbra é a falta de habilitação dos motociclistas. “De acordo com a Fenatran – principal feira da América Latina no setor de transporte rodoviário de cargas – cerca de 40% dos condutores de motocicletas não têm habilitação. Essa ação da Polícia Militar Rodoviária é louvável porque vem ao encontro a todos esses fenômenos.”
REGRAS
Condutores que utilizam a motocicleta para trabalhar devem respeitar a Lei do Motofrete. O dispositivo estabelece que o condutor deve ter, pelo menos, 21 anos, fazer um curso de treinamento e ter a inscrição na carteira de habilitação mostrando que exerce atividade remunerada (EAR).
“Neste caso, é preciso fazer um curso específico para cada caso, como por exemplo, transporte de produtos perigosos, de passageiros, de carga. De acordo com o Código de Trânsito, para ter a inscrição EAR, é preciso passar por avaliação psicológica, popularmente conhecida como exame psicotécnico. Temos uma grande parcela de pessoas que, se a lei fosse seguida ao rigor, nem sequer poderia trabalhar porque não possui os requisitos necessários”, afirma Coimbra.
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Ele destaca ainda que há uma grande quantidade de motocicletas rodando sem condições mínimas necessárias, com pneus desgastados e falta de manutenção preventiva. “Há ainda um outro fenômeno em Belo Horizonte, que é o aluguel de motocicletas. Esses veículos também estão transitando sem a sinalização obrigatória. Eles deveriam ter a inscrição de veículo de aluguel.”
Por último, o especialista aponta a omissão do poder público em regulamentar o transporte de passageiros por aplicativo. “Deveria fiscalizar para verificar se o motociclista tem habilitação, documentação necessária, pré-requisitos, além de buscar uma forma de sinalizar o prestador de serviço, para segurança dele e de outras pessoas. Isso faria diferença para a segurança viária.”
Com a regulamentação, ele acredita que deveria haver restrição do transporte de passageiros em motocicletas no Anel Rodoviário, que é uma via de trânsito rápido, com veículos de grande porte e risco iminente de morte.
PILOTAGEM DEFENSIVA
A campanha Ande Seguro oferece um curso gratuito de pilotagem defensiva para motociclistas de Belo Horizonte e Região Metropolitana. A ação é promovida pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) e tem como propósito reduzir o número de acidentes envolvendo motociclistas e preservar vidas. Até 21 de setembro, acontece a segunda etapa da ação, no Via Shopping Barreiro, Avenida Afonso Vaz de Melo, 640, no Barreiro. A primeira fase do curso já capacitou mais de 300 motociclistas. As inscrições devem ser feitas em https://eventos.gofree.co/curso-de-pilotagem-defensiva/. O curso, ministrado em formato presencial, é oferecido em turmas de até 10 alunos, entre as 14h e as 22h, e tem carga horária de 120 minutos, divididas entre aulas práticas e teóricas. A capacitação vai ensinar e aprimorar técnicas de pilotagem e desenvolver habilidades na condução segura da motocicleta para enfrentar situações adversas no trânsito. O participante deverá comparecer com sua própria moto, capacete, calça e calçado fechado. É obrigatório ser habilitado.
Também são apresentados conteúdos sobre empreendedorismo, formalização dos Microempreendedores Individuais (MEI) e planejamento para os motociclistas que desejam empreender e se formalizar em qualquer segmento. Os participantes que concluírem o curso recebem certificado. Podem participar motociclistas que atuam como profissionais autônomos, funcionários de empresas e órgãos públicos, motofretistas e também quem utiliza o veículo como meio de transporte diário.
O diretor da Câmara Setorial CDL/BH Duas Rodas Moto, Milton Furtado, diz que a campanha começou há 10 anos. “O objetivo é ter um panorama melhor sobre o setor motociclístico. Desenvolvemos uma pesquisa para saber o perfil do motociclista. Até 2019, tínhamos um tipo de público, muito bem caracterizado: motofretista, pessoa que se deslocava para o trabalho com a motocicleta e trabalhadores da construção civil. Depois da pandemia, vimos uma mudança muito grande de perfil.”
Segundo ele, há aqueles que eram motofretistas e, com a chegada dos aplicativos, além de fazer o trabalho habitual, viram nisso uma nova fonte de renda. “O outro é a pessoa do comércio, que trabalha das 8h às 18h. Depois do expediente, pode ser motociclista por aplicativo para complementar a renda.”Furtado destaca que, com isso, um grande número de motociclistas entraram no mercado de entrega sem nenhum preparo para fazer este tipo de serviço. “Levantamos todos esses dados até 2019 e continuamos com a campanha. Este ano, mudamos um pouco a estratégia. Antes, só fazíamos as paradas educativas. Continuamos fazendo e pegando esses dados. A partir deles, começamos a desenvolver o curso de pilotagem defensiva, vendo essa necessidade de o motociclista se profissionalizar, ter mais conhecimento, informação e formação.”
Muitos conteúdos apresentados no curso não fazem parte da formação em uma moto escola, segundo ele. “São técnicas simples, que podem salvar a vida de uma pessoa. Que eles façam esse curso para terem mais informação e formação, para evitarmos esses acidentes.”Furtado destaca que o número de motos também cresceu nos últimos anos. “Gasolina cara, o tempo que se fica parado no trânsito para atravessar a cidade em um ônibus ou um carro é muito diferente de uma moto.” Está prevista uma terceira etapa da campanha, programada para se encerrar em 30 de novembro, em um shopping do Bairro Santa Mônica. Na última edição da campanha Ande Seguro, em 2023, foi constatado que mais de 72% dos motociclistas da capital nunca havia feito um curso de pilotagem defensiva e quase metade (44,4%) já se acidentou, pelo menos, uma vez. De acordo com a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), de 1° de janeiro a 30 de junho deste ano, o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII atendeu a 3.521 acidentados que ocupavam motos. No mesmo período de 2023, foram 2.672.
COMPORTAMENTOS FATAIS
Os principais fatores envolvidos nos acidentes em duas rodas
Falta de atenção
Velocidade incompatível com a via
Não manter a distância de segurança
Formação insuficiente do motociclista em pilotagem
Fontes: PRMv e Ammetra