A Justiça autorizou que o casal Catrina Prímola, de 27 anos, e Danilo Prímola, de 37 anos, registre o primeiro filho em homenagem ao primeiro faraó negro do Egito. A informação foi confirmada pelo pai da criança, nesta quarta-feira (11/9). A criança nasceu em 31 de agosto e, desde então, já era chamada pelos pais de Piiê. Em 2 de setembro, o registro foi recusado pelo cartório e, em seguida, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Desde então, a família travava uma batalha para que o recém-nascido tivesse uma certidão de nascimento. 


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O pedido de reconsideração de decisão foi feito pela Defensoria Pública de Minas Gerais (DPMG), por meio da Coordenadoria Estratégica de Tutela Coletiva (CETUC), após a primeira negativa de registro por parte do magistrado. 

 

Na primeira recusa, o cartório alegou que a negativa foi em razão de a língua portuguesa não ter como predominante o uso das duas letras ‘i’ seguidas. De acordo com Danillo, o atendente afirmou que, se ele quisesse seguir com a grafia original do nome, teria que acionar a Justiça. “Eles pediram para eu fazer apenas uma defesa, falando sobre ser com um ou com dois ‘i’. E assim eu fiz, eu não expliquei o motivo de a família ter escolhido o nome. Expliquei em cima do que eles solicitaram mesmo. E aí o cartório fez uma consulta para a juíza e ela já veio determinando que o nome poderia ser usado apenas como pronome”, conta.


Já na negativa dada pela Comarca de Belo Horizonte, em 3 de setembro, a juíza afirmou que o nome lembra o passo de ballet ‘Pliê’ e que o menino poderia, por causa disso, ser vítima de bullying. “Tenho que a grafia e pronúncia, em especial, pela grande proximidade com um conhecido passo de ballet, certamente, na atualidade, será apto a expor a criança a ridículo, em especial na fase escolar seja na infância e adolescência”, diz trecho da sentença. 

 



  

Quando Danillo ficou sabendo da decisão da Comarca de Belo Horizonte, fez um apelo à magistrada e explicou o que motivou a escolha do nome. No entanto, o pai do bebê conta que a juíza ressaltou que isso não mudaria a decisão dela. “Permitir que nosso filho carregue o nome Piiê é dar a ele a oportunidade de crescer com um nome que ressoa com a história dos seus antepassados, tornando-se um lembrete diário de sua força, dignidade e importância no mundo”, acrescentou Danillo no apelo à magistrada. 


 

Em suas argumentações, a DPMG apresentou a importância de se levar em conta a origem histórica do nome, devido à relação que o prenome tem com o casal, com sua identidade étnico-racial, bem como pelo forte vínculo que toda essa simbologia tem com a gestação da criança.  


Na sentença desta quarta-feira, a juíza Maria Luiza de Andrade Rangel Pires, da Vara de Registros Públicos da Comarca de Belo Horizonte, afirmou que está convicta que o menino estará sujeito, pela dificuldade da grafia e pela pronúncia, a constrangimentos. Mesmo assim, diante do exposto pela família e pela Defensoria Pública no pedido, decidiu liberar o registro com sua grafia original.


“Considerando os novos argumentos trazidos, por meios dos quais agora os pais explicitam a questão cultural que os guiou para a escolha do nome, os quais não foram apontados no pedido inicial, em respeito a tal cultura”, autorizou o registro na forma pretendida, com a grafia original, inclusive por entender que nomes estrangeiros devem mesmo observar a grafia do país de origem. 


Origem de Piiê

Danillo Prímola e Catarina Prímola conheceram o nome ao prepararem a comissão de frente do Grêmio Recreativo Escola de Samba Acadêmicos de Venda Nova para o Carnaval de Belo Horizonte de 2023. Os dois são dançarinos e prepararam a comissão da escola de samba com enredo baseado em Piiê, o Faraó Negro. Com esse tema, a escola ganhou como melhor comissão de frente, se consagrando tetracampeã.

 

“A gente teve acesso à história dele toda, porque nós estudamos sobre isso. Vimos que é uma grande personalidade negra, que quase não é mostrada na história, praticamente apagada. Eu achei o nome maravilhoso, me encantei, e decidi que quando eu tivesse um filho, esse filho se chamaria Piiê”, salienta o pai. 


 

A princípio, Danillo Prímola acreditou que, por ser um nome próprio já existente, nomear a criança assim não geraria dificuldades. A família vê a escolha do nome Piiê como uma forma de empoderamento e resistência. “Não tem como afirmar que a criança vai sofrer bullying. E mesmo que venha a sofrer, seja em relação ao nome, ou outra coisa, nós vamos estar lá para poder debater, da mesma forma que a gente está lutando para poder registrar hoje, a gente vai estar lutando a vida inteira dele”, ressalta. 


Em meio ao embate para nomear a criança, Danillo conta que o filho segue sem certidão de nascimento e, por isso, não consegue se vacinar. O sentimento que fica para a família que desde a revelação do sexo já se refere ao menino como Piiê é de frustração. “A decisão (do impedimento do registro) também trouxe um grande impacto emocional, já que por toda a gestação esse nome já era falado. Querendo ou não, o nosso filho já se reconhece por esse nome”, desabafa ele.


Direito de nome

Para Letícia Franco, advogada especializada em direito da família, na decisão em primeira instância acontece um embate de três culturas. Segundo ela, a decisão tomada no Brasil carrega a cultura brasileira, mas se embasa em um termo em francês com conotação de ballet e francês, o pliê. Já o nome Piiê, escolhido pela família, é originário da cultura africana. 


 

“A juíza do caso entende, de acordo com os parâmetros culturais dela, que a situação poderia ser vexatória para criança. E isso se contrapõe ao interesse dessa família, que entende que esse nome de matriz africana carrega uma história. O que não está correto é a subjetividade da decisão, porque está havendo uma predominância do entendimento da cultura brasileira sobre a cultura matriz daquela família, que é a cultura africana. A criança tem direito de carregar a história da família”, afirma a advogada.


Letícia Franco esclarece que todas as decisões judiciais têm uma hierarquia e são passíveis de recurso, com a decisão podendo ser analisada posteriormente a uma instância superior, chegando até o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) ou o Supremo Tribunal Federal (STF).

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