A imagem barroca de Nossa Senhora do Carmo, desaparecida desde 1995 da Igreja Nossa Senhora do Carmo, da Ordem Terceira do Carmo, no Centro Histórico de Sabará, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ganhou uma festa de acolhida.

 

 

Às 18h20 desta terça-feira (17/8), a peça do século 18 foi entregue pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) à priora da Ordem Terceira do Carmo, Maria Dalila Dolabela Irrthum, de 92 anos, sob toque de sinos, foguetório, salva de palmas, gritos de "viva", preces e músicas entoadas pelo coro Flos Carmeli, em clima de muita emoção. O templo e o acervo sacro são tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), desde 1938.


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"Salve Nossa Senhora! Vocês não imaginam nossa alegria, pois reencontrar a imagem era algo quase impossível. Nós sempre rezamos para ela voltar. Hoje, estamos felizes", disse dona Dalila, usando a opa (um tipo de capa) da irmandade carmelita (fundada há 260 anos) ao segurar a imagem desaparecida há quase três décadas.

 

Ao lado, o diretor de Patrimônio da Ordem Terceira do Carmo de Sabará, historiador José Bouzas, adiantou que a imagem poderá retornar à tradicional procissão no entorno do templo em novembro. Durante o período de desaparecimento da escultura, foi usada no lugar uma peça de gesso.

 

Satisfeito, José Bouzas explicou que o ladrão (ou ladrões) não levou a coroa e o Menino Jesus, que acompanham a imagem. “O Menino Jesus está com um dedinho quebrado e vamos mandar restaurá-lo”, observou. 

 




Para o padre Wellington Eládio, titular da Paróquia Nossa Senhora do Rosário, vinculada à Arquidiocese de BH, a imagem representa a fé católica e a relação de afeto dos devotos. "É muito triste ver uma peça sacra roubada por pessoas que a enxergam apenas como um objeto".

 

 

Antes da entrega da imagem, muitos moradores de Sabará ficaram na porta da igreja. "Viemos recebê-la. É muita alegria", afirmou Tânia Marcelino ao lado do marido Francisco Costa, ambos aposentados. A também sabarense Maria Magda Rossi deixou o coração falar: "Ela foi furtada há tantos anos e voltou. Nem podíamos imaginar. É dia de felicidade".

 

Denúncia

Com 38 centímetros de altura, esculpida em madeira e de grande beleza em policromia e douramento, o objeto de fé foi resgatado pela Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais (CPPC/MPMG), após denúncia recebida via sistema Sondar (plataforma digital contendo bens mineiros desaparecidos, recuperados e restituídos). O anúncio da venda do bem espiritual e cultural estava no site de uma casa de leilões, em Campinas (SP).

 

A partir das informações, o MPMG instaurou procedimento investigatório para apurar a denúncia e adotar as providências necessárias para o resgate. Ao entregar a peça à priora, o coordenador da CPPC, promotor de Justiça Marcelo Maffra, disse que ela volta "para o local de onde jamais deveria ter saído". Ele destacou a importância da participação da comunidade na preservação do patrimônio e seu papel como guardiã dos bens culturais.

 

 

Maffra ressaltou o combate às subtrações e ao comércio ilegal de bens culturais é uma das principais linhas de atuação do MPMG. “Temos desenvolvido novas ferramentas de repressão aos crimes contra o patrimônio cultural, que permitam mais efetividade no trabalho de identificação dos criminosos e no resgate das obras de arte e antiguidades que foram indevidamente retirados dos seus locais de origem. Só de documentos históricos, são mais mil desaparecidos”.

 

A devolução à comunidade de Sabará, com a presença sa historiadora Paula Carolina Miranda Novais, reacende a chama da confiança no resgate de peças sacras (imagens, cálices, castiçais, partes de altares, entre outros, dos séculos 18, 19 e início do 20) desaparecidas de Minas.  Conforme levantamento divulgado pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), via CPPC, há 1.868 bens desaparecidos, 642 resgatados e 118 restituídos aos locais de origem.

 

Arte e beleza 

Com coroa em filigrana de prata (não furtada), a imagem é atribuída ao português Francisco Vieira Servas (1720-1811), o qual trabalhou como entalhador e escultor em várias localidades mineiras no período colonial. Conforme inventário da peça elaborado pelo antigo Sphan (hoje Iphan), a peça tem cabelos em estrias grossas, braço direito flexionado e mão esquerda sustentando o Menino Jesus (sentado sobre um pano branco). A imagem está com uma túnica marrom e ouro, manto branco e véu curto em ângulo. 

 

O parecer técnico da CPPC/MPMG destacou que as linhas e elementos de composição são equivalentes: “Associado a isso, ao confrontar as informações constantes da denúncia, do anúncio, da ficha de inventário, da ficha de desaparecimento do bem e dos dados constantes do Sondar constatou-se que a imagem anunciada possui convergências com a peça desaparecida”.

 

Ainda de acordo com o laudo, no site de leilões a imagem foi descrita como oriunda de Minas Gerais e atribuída ao artista Vieira Servas. “No entanto, para se concluir acerca da autoria, serão necessários estudos minuciosos e aprofundados”. Após as análises técnicas, confirmou-se que a imagem comercializada pertencia a Sabará, sendo adotadas as medidas legais para que o bem cultural devendo retornar ao seu local de procedência.

 

 

História

Tombada pelo Iphan em 1938, a Igreja do Carmo teve sua construção iniciada em 1763 graças ao empenho da Ordem Terceira do Carmo, que contratou as obras com o mestre Tiago Moreira. Considerado o “mestre do Barroco”, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814) trabalhou no templo, sendo atribuídas a ele as esculturas que ornamentam o frontispício (fachada principal), especialmente a portada. Aleijadinho e sua equipe foram responsáveis ainda pelo trabalho de escultura dos púlpitos, coro e balaustradas, conforme documentos datados de 1779 e 1781. São também de sua autoria as imagens de São João da Cruz e São Simão Stock, concluídas em 1779.

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