A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) planeja introduzir mel de abelhas no cardápio da alimentação escolar para crianças a partir de 3 anos de idade, com o intuito de substituir o açúcar em receitas. Nutricionistas avaliam a mudança, que está prevista para ocorrer ainda neste semestre.

 

 

“O mel estará em algumas receitas, como bolos e bebidas à base de leite, substituindo o açúcar. Mas não vamos substituir por completo: são apenas algumas preparações, considerando que o mel é um alimento rico em compostos fenólicos, antioxidantes naturais que combatem o envelhecimento, previnem o aparecimento de doenças degenerativas e auxiliam no sistema imunológico”, diz Ana Carolina Barcellos, gerente de Alimentação Escolar da PBH.

 




Nem todas as escolas da rede municipal serão contempladas com a mudança, já que o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) proíbe a oferta de mel, açúcar e alimentos açucarados para as crianças menores de 3 anos. “Vai depender da faixa etária de atendimento das escolas e das creches parceiras, mas as que tiverem um cardápio para crianças acima de 3 anos serão contempladas, então é um número significativo”, afirma Ana Carolina.


De acordo com ela, a prefeitura está sempre em busca de novos elementos para promover a alimentação escolar, formulando novos cardápios e promovendo a oferta de uma alimentação segura que respeite a cultura alimentar. “O mel também é um elemento da nossa cultura”, afirma, apesar de ressaltar que o consumo do produto deve ser regulado, assim como o açúcar.

 


Substituição com cautela


Tatiani Maioli, imunologista graduada em nutrição, defende que, do ponto de vista nutricional, não há benefícios na troca do açúcar pelo mel. “Metabolicamente falando, o mel vai causar aumento de peso, aumento de glicemia. O índice glicêmico dele é alto. O excesso de consumo de açúcar ou mel e carboidratos simples está relacionado à obesidade, dislipidemia, e diabetes tipo 2, tudo isso da mesma forma que o açúcar”, explica ela, que também é professora do Departamento de Nutrição da UFMG.


Nutricionista materno-infantil, Viviane Cavalca também defende que os dois produtos são “açúcares” e não devem ser a fonte principal de nutrientes. No entanto, considera a troca do açúcar pelo mel uma alternativa de beneficiar a reeducação do paladar infantil. “O mel possui um índice glicêmico menor. Com isso, podemos treinar o paladar das crianças, já que o mel é um 'doce' diferente”, afirma.

 


Ela destaca como o açúcar comum está altamente presente em produtos alimentícios. “É uma alternativa, sim, para reeducar. Para as crianças não ficarem expostas a tanto açúcar, que é um dos maiores causadores de obesidade infantil”, completa.


Além disso, a nutricionista diz que o mel tem um poder de adoçar superior ao da sacarose, o açúcar comum. Ou seja, é necessário menos mel para obter a mesma doçura.


Agricultura familiar abastece o cardápio


A Associação dos Apicultores de São Gonçalo do Rio Abaixo, município na Região Central de Minas, será a responsável por fornecer o mel que a Prefeitura de BH pretende introduzir na alimentação escolar. Serão 7,5 toneladas do produto ao longo de 12 meses.


Antes de o contrato ser assinado, o produto passou por análises para certificar a qualidade, afirma Elizeu de Oliveira Araújo, apicultor e integrante da diretoria da associação. Ele conta que 10 produtores da agricultura familiar estão envolvidos no projeto, e destaca a importância da contratação de pequenos fornecedores.


“Além de gerar a renda local, que faz com o que o produtor fique no campo, a apicultura tem relação com a questão da natureza, a preservação ambiental, por causa da polinização”, diz o apicultor. “É muito mais que só um adoçante na merenda escolar: é uma política pública”, conclui.


Elizeu conta que essa é a primeira vez que a Associação dos Apicultores de São Gonçalo do Rio Abaixo fornecerá mel a uma prefeitura. Segundo ele, a negociação para isso decorre das ações da Central Apícola Centro Minas, órgão ligado à Federação Mineira de Apicultura (Femap), que visa a implementação de políticas públicas e práticas de comércio que fortaleçam a apicultura e a meliponicultura na região. A expectativa dele é que, daqui para frente, a associação participe de mais chamamentos públicos do tipo.


Propostas no Legislativo


Em Minas, a inclusão do mel da agricultura familiar nos cardápios das escolas estaduais foi proposta há sete anos, mas o projeto de lei 4126/2017 ainda aguarda parecer em comissão. De autoria do deputado Doutor Jean Freire (PT), o texto tem entre as justificativas a redução da dependência dos produtos agrícolas de subsistência tradicionais, o que favorece a fixação do homem no campo, preservação da flora nativa e impulsão do setor apícola.


No âmbito federal, a situação é semelhante. Também em 2017, foi proposto um projeto de lei que propunha o uso obrigatório do mel na merenda escolar das escolas públicas do país. De autoria do deputado Darci Pompeo de Mattos (PDT - RS), o PL 8.319/2017 aguarda designação de relatoria na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).


Apesar de não ter sido aprovado em nível nacional, em algumas cidades e estados brasileiros o uso de mel na merenda escolar é definido em lei. É o caso de Teófilo Otoni, município mineiro no Vale do Mucuri, além de estados como Piauí e Paraíba.

 

 

Curitiba seguiu caminho oposto

 

Embora uso do mel na merenda escolar seja incentivado ou até obrigatório em vários estados e cidades, o produto está longe de ser consenso. Em Curitiba, por exemplo, foi sancionada em 2013 lei que revoga a legislação que dispunha sobre a inclusão do mel de abelha no sistema municipal de ensino. O projeto foi apresentado pela então vereadora Professora Josete (PT), argumentando que a inclusão do mel estava em conflito com as políticas de alimentação escolar adotadas pelo município. Na época, a parlamentar disse que o pedido de revogação partiu do Conselho Municipal de Alimentação Escolar, que alertava sobre os cuidados específicos exigidos para higiene do produto.


* Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia 

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