Um projeto da Fiocruz que usou o próprio Aedes aegypti, mosquito transmissor de pelo menos quatro arboviroses, para espalhar larvicidas em bairros de Belo Horizonte foi capaz de reduzir em 29% a incidência da dengue. Cinco anos depois do estudo, a estratégia não é mais usada e, embora tenha tido resultados positivos, os dados epidemiológicos de 2024 indicam que a capital mineira não conseguiu sustentar essa redução na incidência da doença nos anos seguintes à pesquisa. Agora, a retomada da estratégia depende de uma articulação entre o município e o Ministério da Saúde.
A prática desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) da Amazônia e de Minas, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de BH, se baseia no comportamento natural dos mosquitos. Atraídas pela água parada de Estações Disseminadoras de Larvicida (EDLs), as fêmeas do Aedes aegypti “transportaram” a substância, que afeta ovos e larvas, para outros criadouros, interrompendo o ciclo de vida do vetor da dengue. A pesquisa, conduzida entre novembro de 2017 e dezembro de 2019, foi publicada na semana passada na revista The Lancet Infectious Diseases, veículo científico internacional sobre doenças infecciosas e saúde pública.
Com o potencial de alcançar áreas difíceis, como prédios fechados ou terrenos baldios, o projeto distribuiu 2.481 EDLs, em nove bairros de BH, ao longo dos dois anos de estudo. A intervenção, de acordo com a Fiocruz, reduziu a incidência de dengue em 29% nesses bairros, e em 21% nos bairros adjacentes. O nome dos bairros não foram detalhados. A partir da queda dos casos de dengue nas áreas estudadas, os pesquisadores estimam que, em um cenário de um surto de 100 mil casos, os gestores de saúde podem esperar que a estratégia reduza a pressão sobre o sistema de saúde em ao menos 29 mil casos sintomáticos de dengue.
A diminuição da incidência de dengue nos bairros adjacentes à zona de intervenção indica que os mosquitos conseguiram disseminar o larvicida além dos limites das estações. Diante desse resultado, os pesquisadores planejam replicar os ensaios de campo em outras cidades e ainda avaliam a possibilidade de utilizar a tecnologia das EDLs com larvicidas alternativos, movimento que já prevê o potencial surgimento de vetores resistentes ao larvicida atualmente utilizado.
Procurada pela reportagem do Estado de Minas, a Secretaria Municipal de Saúde informou que a permanência das EDLs foi determinada pela Fiocruz. Com o término do estudo, a utilização das estações foi descontinuada. “A partir dos resultados da pesquisa, Belo Horizonte articula, junto ao Ministério da Saúde, a viabilidade para dar continuidade ao uso desta ferramenta na capital”, destacou a PBH por meio de nota. Somente em julho deste ano, a tecnologia de EDLs foi oficialmente reconhecida pelo Governo Federal como uma das novas estratégias nacionais para o controle dos principais vetores da dengue, por meio de nota técnica que orienta como as secretarias devem implementar a técnica, já testada em 13 cidades brasileiras, além de BH.
O estudo na capital mineira foi o primeiro a medir o impacto dessa intervenção no cenário epidemiológico. O Ministério da Saúde busca agora expandir a tecnologia em todo o país. A armadilha é simples: um recipiente plástico de dois litros coberto por um tecido sintético impregnado com larvicida. A água parada atrai as fêmeas do Aedes aegypti, que, ao pousarem para colocar ovos, ficam contaminadas com o larvicida. Impregnadas com larvicida, elas transportam a substância e acabam contaminando outros recipientes com o inseticida, o que impede o desenvolvimento das larvas e de pupas, reduzindo a infestação e, por conseguinte, o avanço da doença.
Os principais criadouros, conforme o último Levantamento Rápido de Índices para Aedes aegypti (LIRAa) de Minas Gerais, divulgado em fevereiro deste ano, são os pratinhos de plantas (34,9%) e lixo e entulho acumulado (25%) – como tampinhas, potes de margarina, garrafas, etc. O levantamento aponta, ainda, que apenas as regionais Centro-Sul e Oeste, entre as nove de BH, apresentaram índice abaixo de 1%, taxa tolerável de infestação larvária recomendado para minimizar o risco de uma epidemia, de acordo com o Ministério da Saúde.
Quadro preocupa
Belo Horizonte vive o pior ano epidêmico para dengue. Com 182.410 casos confirmados até a semana passada, o cenário atual já superou os 116.458 registrados em todo o ano de 2019, último ano do estudo da Fiocruz, e até então o pior cenário já visto na cidade. Em junho, a PBH suspendeu a situação de emergência em saúde pública por causa da dengue. Até agora, 108 pessoas morreram da doença este ano na cidade. O número ultrapassa o de 2016, considerado crítico em BH, quando 62 óbitos foram registrados.
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A Região Nordeste – onde estão bairros populosos da capital, como São Gabriel, Ribeiro de Abreu, Palmares, Cachoeirinha e Cidade Nova – é a que tem mais registros de dengue em 2024. Lá, pelo menos 33.539 casos foram confirmados até setembro. O número está pouco acima do registrado no Barreiro (25.800), outra regional com grande concentração de comércios e residências. Na sequência, estão as regiões Norte (23.284) e Leste (22.137).