Desolação na Serra da Canastra: programa da Nasa detectou que região foi a que sofreu maior impacto em um único dia de julho -  (crédito: CBMMG/Divulgação)

Desolação na Serra da Canastra: programa da Nasa detectou que região foi a que sofreu maior impacto em um único dia de julho

crédito: CBMMG/Divulgação

A fumaça que encobria o céu, misturando fuligem e partículas de carbono ao ar seco, teve impacto direto sobre a respiração de 337,8 mil habitantes de Uberaba, no Triângulo Mineiro. Mas foi apenas uma parte dos danos resultantes da maior área de focos de incêndio em um só dia em Minas Gerais, que chegou a 5.035,67 hectares (ha) – equivalente a cerca de 21 vezes o terreno do Parque das Mangabeiras, em BH –, em 23 de agosto de 2024. Nesse incêndio, por exemplo, seria necessário que uma pessoa caminhasse por três horas e 30 minutos, considerando um terreno plano e sem obstáculos, para percorrer os mais de 17 quilômetros de diâmetro atingidos.

 

É o que mostra levantamento das maiores áreas com focos de incêndios florestais por dia, segundo satélites e tratamento do programa Capacidade de Observação da Terra em Tempo Quase Real (LANCE) da Nasa, a agência espacial norte-americana, reunidos em levantamento feito pela reportagem do Estado de Minas . A área que contém os focos não foi necessariamente consumida pelas chamas e por isso a contabilização total de áreas queimadas é diferente e tende a ser menor.

 

 

Se a área com maior quantidade de focos no estado em um dia foi registrada no Triângulo, na Grande Belo Horizonte a Serra da Moeda foi onde bombeiros e brigadistas enfrentaram focos queimando em maiores áreas. Isso ocorreu por dois meses consecutivos na mesma formação montanhosa, parte da cadeia do Espinhaço, assim como a Serra do Curral e a Serra do Rola-Moça.

 

 

O mapeamento diário permite ver a abrangência e o deslocamento das chamas e foi cruzado com informações sobre vegetação de florestas e veredas, bem como recursos hídricos presentes nesses locais, como nascentes, córregos, ribeirões e rios, segundo dados do Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais (IEF-MG) e do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam).

 

No estado, as bacias hidrográficas mais castigadas por grandes focos foram as dos rios das Velhas, Paraopeba, Grande e Paranaíba. Foram considerados dados dos meses que apresentaram mais de mil focos, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que foram julho, agosto e setembro.


Além da média


Segundo o Inpe, em julho foram 1.208 focos, muito acima da média de 744 do mês, sendo que em 2021 ocorreram 1.302. Já em agosto, o quantitativo mais do que dobrou, com 2.488 focos, o pior quadro desde 2010 (3.634). Setembro, com 4.510 registros até o dia 25, já estava acima da média de 3.303 focos registrada desde 1998 para o mês, com o pior ano em 2005, com 7.145 focos. De janeiro a 25 de setembro de 2024, Minas Gerais já somava 9.737 focos de queimada, mais que a média anual mineira registrada desde 1998, que é de 9.717 para todos os 12 meses no período.
Em julho, a maior concentração de focos de incêndio em uma mesma área em Minas Gerais ocorreu no Sudoeste, na região da Serra da Babilônia, dentro da Serra da Canastra, a maior parte em Delfinópolis e uma pequena parte no Parque Nacional da Serra da Canastra, em São Roque de Minas, onde fica a nascente histórica do Rio São Francisco.

 

Foram oito dias de chamas consumindo o cerrado, entre 3 e 10 de julho, com o pior quadro no dia 4, quando oito focos se espalharam por uma área de 1.754,94 ha, cerca de 97 vezes a extensão do Parque Américo Renné Giannetti (Parque Municipal), em BH. O fogo atingiu grandes áreas onde ficam nascentes importantes do Rio Grande e que vêm de córregos e riachos do Rio Claro, Ribeirão Grande, Ribeirão Claro, Ribeirão Capetinga, Ribeirão da Formiga e Ribeirão das Bateias, entre outros. A maior área, e a que queimou por mais dias, foi nas cabeceiras do Córrego da Lavrinha, e córregos dos Garruchos e Santa Maria.

 

O Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, à frente da coordenação operacional, atuou no combate a esses incêndios em Delfinópolis, em área de pastagens da Fazenda Ponte Alta, e em São Roque de Minas, na Serra da Canastra, nos pastos ao longo da Estrada Vargem Bonita/São José do Barreiro, sendo que no dia mais intenso o atendimento foi contra as chamas em área rural não protegida da Fazenda Olhos d’Água.


Cultivos viram cinzas


Foi em agosto que uma só área concentrou a maior amplitude de focos de incêndio em Minas em 2024, entre Água Comprida e Uberaba, no Triângulo Mineiro, do dia 23 ao 25. O primeiro dia foi o pior, quando 5.035,67 ha tinham 16 focos distintos. Trata-se de uma área gigante de plantações em terrenos planos irrigadas por pivôs centrais no cerrado, entre um emaranhado de estradas rurais. As chamas altas atravessaram até mesmo canais de irrigação abertos para conduzir água para os cultivos de grãos e cana-de-açúcar, entre outros.

 

 

Áreas de várias nascentes de afluentes do Rio Grande foram atingidas, bem como córregos, riachos e nascentes formadoras dos ribeirões Corrente, Ponte Alta e do Buriti. Arderam também dezenas de veredas, que são ecossistemas frágeis e protegidos por lei, por serem considerados patrimônios naturais mineiros.

 

 

Foram atingidas veredas dos ribeirões e também dos córregos do Brejo, do Sapo, da Estiva, das Cabaças, Aprazível, dos Moreiras, do Quartel, da Gameleira, Lavapé e da Prata, entre outros. No segundo dia, eram 35 focos que chegaram às margens do Rio Grande, transformando em cinzas áreas dentro de 4528,80 ha. No terceiro dia restaram oito áreas de focos, debeladas com a atuação de bombeiros mineiros e do Corpo de Bombeiros de São Paulo no combate na Serra da Canastra, próximo a Água Comprida.

 

Desastre na divisa de Minas e Goiás

 

No mês de setembro, até o dia 22, a maior área concentradora de focos também ocorreu no Triângulo, em Limeira do Oeste, mais uma vez em região agrícola. Um incêndio começou no dia 9 do mês passado, chegando a se expandir em sete grandes focos que queimaram em 4.086,30 hectares. Foram atingidas grandes plantações e pastagens, entre cerrado, matas em recuperação que formam cerradões e veredas. A região fica no divisor de águas da Bacia do Rio Grande com a Bacia do Rio Paranaíba, e faz também divisa com o estado de Goiás.

 


Várias nascentes fluem das áreas afetadas, alimentando afluentes diretos do Rio Paranaíba ou de seu maior tributário na região, o Ribeirão da Reserva, praticamente todos com as sensíveis formações de veredas, como nos córregos Cachoeirinha, do Grama, Corrente, do Encontro, Valinho, Pontezinha, Sapé, da Colônia, Fundo e outros.

 

 

No dia seguinte, os focos se pulverizaram em seis, muito afastados uns dos outros, indicando que o interior da área já havia sido queimado ou que o fogo havia sido debelado, mas ainda com chamas em áreas menores, em um total de 646 ha. No terceiro dia, os três focos muito menores, totalizando 96 ha, foram encurralados e extintos, um no Ribeirão do Areião, outro entre uma reserva de mata de cerradão e o Córrego Cachoeirinha e o último no Ribeirão da Reserva.


Agro em meio às chamas


De acordo com o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, a guerra contra o fogo em Limeira do Oeste buscava evitar a destruição em pastos e plantações de cana-de-açúcar, contando com o apoio de mais de 100 brigadistas. Ao mesmo tempo, em Frutal, na mesma região, um incêndio na Fazenda Portal de Minas queimava um dia depois de focos na divisa com São Paulo terem mobilizado combatentes.

 

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Uma das ocorrências mais intensas foi registrada no dia 10, em Conceição das Alagoas, também no Triângulo. “Incêndio em plantação de cana e mata fechada. Foram 500 hectares atingidos, 35 brigadistas, 20 caminhões-pipa usados e (lançamentos aéreos de água dos aviões) Air Tractor”, informou o Corpo de Bombeiros.

 

Veredas são presas fáceis

As veredas, que sofrem forte impacto da temporada de incêndios em Minas, são formações cercadas de palmeiras de buritis e nascentes, que têm no fogo seu pior inimigo, principalmente por terem um solo de turfa – extremamente rico em matéria orgânica, mas muito inflamável quando seco – que resulta no chamado fogo subterrâneo, só combatido com uso exaustivo de água e técnicas complexas, como a escavação de trincheiras. Sua queima pode se estender por semanas e extinguir permanentemente uma vereda, ao compactar o solo, rebaixar a água e fazer desabar os buritis.