A cadeira virou um personagem do cenário político do país quando, ainda em setembro deste ano, José Luiz Datena (PSDB) consumou a cadeirada em Pablo Marçal (PRTB), ambos candidatos à prefeitura de São Paulo, enquanto o debate eleitoral era promovido e transmitido ao vivo pela TV Cultura.
A cadeira não estava acostumada a tal estrelato. Trata-se de um mobiliário criado para e pelo ser humano e, nessa relação estreita, há certa dependência diária atrelada à ideia do apoio do corpo. Um museu instalado na Região Centro-Sul da capital, no entanto, conta um pouco da história do mobiliário que acabou virando arma de agressão.
João Caixeta é diretor e curador do Museu da Cadeira Brasileira (MuC), que reúne cerca de 150 cadeiras e funciona no icônico Salão Vivacqua, um casarão situado na rua Gonçalves Dias, no Bairro Funcionários.
O designer destaca a cadeira como um móvel que coexiste entre passado, presente e futuro, capturado pelo utilitário e o belo. “É uma forma de conhecimento do mundo que traz uma amplitude que pode pensar o próprio Brasil. Nossa história é identificada por esses artefatos”, diz.
O item ganhou assento de protagonista ao ser atirado entre candidatos durante debate político. Para o curador do museu, a cena em nada tem a ver com a identidade cultural atrelada à cadeira. “Foi despencado o significado da cadeira, algo desenhado como um objeto de acolhimento, para um objeto agressor, banalizado pelo ápice da fúria e o rebaixamento daquele cenário político”, afirma.
O museu e seus destaques
O olhar fascinado de João Caixeta para a cadeira se deu ao observar a diversidade de formas que um objeto tão peculiar pode ter.
“Seu estudo de morfose é muito intrigante pelas variações, seja com três ou quatro pés, sustentadas por uma coluna ou, muitas vezes, apoiadas em uma base, sem pés sequer”, comentou o professor da Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg).
Com uma seleção que vai desde doações até objetos de colecionadores, além de vários assinados por importantes arquitetos e designers, o objetivo do MuC é, sobretudo, a preservação de patrimônios que permeiam por entre a historicidade material e cultural do país, conforme explica o curador.
“Tem uma cadeira muito interessante que recebemos em recente doação. Ela foi produzida na América do Norte, mas foi muito vivenciada aqui na nossa medicina pela ergonomia de acomodação para os pacientes. É bastante curiosa e foi muito bem vinda e faz com que possamos discutir questões interessantes do uso do objeto, entre lazer e labor, não há um minuto que não precisamos dela”, aponta.
Outro destaque é a cadeira Rainha Conga, do designer mineiro Willi de Carvalho, que chama atenção devido ao uso intenso de tons em azul e itens inspirados em festas populares no país, como carnavais de rua.
A cadeira Ouro Preto (1960), de Jorge Zalszupin, e o item assinado pelo designer Giuseppe Scapinelli (1950) são objetos que o curador destaca no acervo do local.
Em 2006, a atenção de João foi despertada durante leilões de objetos históricos. Logo depois ele começou sua coleção particular. Adiante, o professor foi convidado para propor um trabalho ao Museu de Artes e Ofícios em que o mobiliário contasse histórias da cidade. Foi essa exposição que deu força para que o espaço fosse pleiteado com a mesma ideia. “Temos uma lacuna muito rica e extensa, mas pouco registrada em documentos que referenciam especialmente aquele objeto”, afirma.
Com apoio da Fundação Municipal de Cultura, o museu foi inaugurado em 2019 com uma curta exposição a fim de apresentar a proposta aos belo-horizontinos. O imóvel, no entanto, está em fase de adaptação de acessibilidade, por isso funciona apenas sob agendamento por meio do telefone (31) 99173-7477. A entrada é gratuita. A administração prevê que o museu passe a funcionar diariamente a partir de 2025.
“É um importante casarão, um palacete! Construído ainda em 1910, é um lugar que foi repleto de poesia moderna, política e arte. É uma honra esse ser o destino da montagem do nosso museu. Estamos ansiosos para seguirmos como um espaço cultural na cidade”, deseja o curador.
A cadeira brasileira
Segundo o designer, antes do descobrimento do Brasil já havia os bancos zoomorfos produzidos pelos indígenas, “uma forma artística belíssima, são formas muito expressivas”.
Com a invasão dos europeus, tem início a influência nos mobiliários e o contato com a marcenaria dos portugueses. Tempo depois, na quebra no fornecimento dos móveis durante o cenário das guerras mundiais, o surgimento de uma indústria brasileira é forçado. “Elas acontecem de maneira seriada”, explica o especialista.
Um segundo momento dessa fabricação nacional, conforme o professor, é o período modernista. Nele, artistas e arquitetos chegam ao Brasil e com eles a criação de novos edifícios e cadeiras inspirados pela vanguarda. “Somos referenciados nesse recorte de época como as mais proeminentes produções de modelos e ricos em design expressivo, que surge no país com formas muito simples e geniais”, finaliza.
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Serviço:
Endereço: Rua Gonçalves Dias, 1218, Funcionários
Visitação sob agendamento por meio do telefone (31) 99173-7477