Para hugo, lecionar é uma forma de ajudar os alunos a

Para hugo, lecionar é uma forma de ajudar os alunos a "pavimentar o futuro por meio do conhecimento"

crédito: Jair Amaral/EM/D.A Press

A mão indica as primeiras letras, os lábios corrigem a pronúncia da palavra inglesa, os olhos exigem atenção para a resolução da operação matemática, enquanto o pedido de silêncio se faz necessário para todos entenderem a Teoria da Relatividade. Mas há também a localização do Brasil no mapa, a história dos primeiros habitantes, apresentação aos exercícios físicos, os elementos químicos da tabela periódica, o desaparecimento dos dinossauros e um conjunto infinito de assuntos que somente os professores são capazes de explicar, transmitir e trazer à luz o conhecimento.

 

 

Neste Dia do Professor, dedicado àqueles e àquelas que exercem, com dignidade, uma das profissões mais nobres da trajetória humana, jovens docentes do ensino básico, em Belo Horizonte, falam sobre o trabalho em sala de aula, o corre-corre para dar conta de todas as atividades, a luta permanente contra a desvalorização do ofício, e se existe, quando se está na casa dos 20 anos, mais facilidade de comunicação com crianças e adolescentes.

 


Independentemente dos sacrifícios e desafios, a carreira profissional demanda paixão, acredita o professor de física Hugo de Sena Souza, de 27, que começou a lecionar aos 19. Perto de se tornar papai pela primeira vez, ele se declara, com todas as letras, um apaixonado pela profissão escolhida, desmitificando o conceito de que a matéria é um bicho-papão. “Física é ‘de boa’! Está presente em tudo na vida”, assegura. Já a professora de inglês Ana Clara Amaral de Freitas, de 24, fica feliz quando ouve o agradecimento pelos ensinamentos transmitidos, enquanto o professor de matemática Guilherme Silva Vieira, de 25, em sala de aula desde os 20, gosta de manter a relação de confiança com os estudantes, mas sempre reafirmando seu papel de professor, não de amigo.


Cenário


Nesse momento, é importante descrever o cenário real em que vivem os professores no Brasil. Gestores de universidades nas quais há cursos de licenciatura se preocupam com a pouca demanda e o baixo número de estudantes que os concluem – tal situação pode provocar, já na próxima década, um “apagão docente”. Conforme destaca a coordenadora da Comissão Permanente de Cursos de Licenciatura da PUC Minas, professora Carla Ferretti Santiago, há previsão de déficit de mais 300 mil professores da educação básica no país.

 


Na avaliação do pró-reitor de Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), professor Bruno Teixeira, houve redução acentuada no número de concluintes dos cursos de licenciatura presencial entre os anos de 2010 e 2013, com volta de crescimento entre 2018 e 2021. “Um dos maiores desafios da UFMG é formar novos professores para a educação básica”, destaca o pró-reitor.

 

Ensino abraçado como missão


No quadro da sala de aula, o professor de física Hugo de Sena Souza, de 27 anos, escreve a fórmula da Teoria da Relatividade (E=mc²), proposta, em 1905, por Albert Einstein (1879-1955). Depois de explicar cada componente dessa equação tão célebre quanto Einstein, ele, de forma declaradamente apaixonada pelo assunto, afirma, com todas as letras, que a física está presente em tudo . “No GPS, no telefone celular, nos cabos de fibra ótica, nas ondas eletromagnéticas, nos movimentos”.

 


Ainda criança, quando morava em Nova Era, na Região Central de Minas, Hugo começou a se interessar pelas ciências exatas. “Gostava demais de estudar física, química, matemática”, conta o professor que, em 2015, veio para Belo Horizonte e ingressou na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Nos primeiros anos do curso de física, pensou em trilhar os caminhos da pesquisa, mas, ao se tornar monitor de turma, caiu de amores pela profissão de professor, na qual se orgulha em estar desde os 19.


Atualmente lecionando no Colégio Copam, no Bairro Jaraguá, na Região da Pampulha, para alunos na faixa de 14 aos 18 anos, Hugo fica em movimento das 7h às 22h, pois dá aulas também num pré-vestibular em Betim, na Região Metropolitana de BH. Não bastassem tantas atividades, prepara com a namorada a chegada do primeiro bebê. “Nossa vida de professor é um desafio atrás do outro, infelizmente não tem a devida valorização. Mas fico feliz em ajudar meus alunos a pavimentar o futuro por meio do conhecimento.”

 


Por não ter idade tão distante das turmas para as quais leciona, Hugo acredita que isso provoca um “estreitamento” na relação, com efeitos na linguagem e no uso da tecnologia. “Procuro ensinar fórmulas, cálculos e teorias da forma mais suave possível, com exemplos práticos do cotidiano”, observa.

 


Se alguém comentar com o professor que física é uma matéria muito difícil, tipo “bicho-papão”, ele tem a resposta simples e bem jovial: “Física é ‘de boa’”. Isso significa deixar de lados os preconceitos e conceitos preestabelecidos para mergulhar de cabeça na matéria...e quem sabe até na antimatéria. 


AFETIVIDADE NA EDUCAÇÃO
GERA BOM APROVEITAMENTO

 

Se alguém pergunta ao professor Guilherme Silva Vieira, de 25, qual é a matéria mais bonita entre todas, ele não titubeia. “Matemática”, responde. E não custa saber o porquê de tanta certeza. “Ela se encaixa em tudo. Nosso mundo é materializado, a matemática está na base. Podem considerá-la muito complexa, mas prefiro dizer que é fascinante”.


Filho de professores – o pai, Claudiney Pereira Vieira, é de história, a mãe, Jaqueline Souza Silveira Vieira, pedagoga e diretora de escola – Guilherme conta que decidiu seguir o mesmo caminho, embora em área diferente, desde que se entende por gente. “Certamente meus pais foram um espelho, pois, no ensino fundamental, eu já pensava em lecionar. Sempre fui um bom aluno, talvez tenha começado aí.”


Formado em matemática na UFMG, com mestrado em educação, Guilherme trabalha no Colégio Buritis Agostiniano, no Bairro Buritis, na Região Oeste de BH, lecionando para estudantes entre 13 e 18 anos. “É a faixa etária com a qual mais gosto de trabalhar. O adolescente costuma ver o mundo de forma bem diferente dos adultos, acredito até que de maneira mais intensa. Os sentimentos são muito aflorados, e eles sentem os impactos”


Nesse universo, destaca, muitos alunos o veem como “um irmão mais velho”, havendo aí uma relação de confiança, linear, devido às idades mais próximas. “Mesmo assim, sempre deixo claro que sou o professor, não um amigo, defino bem os papéis.” A experiência dos pais Claudiney e Jaqueline ajuda. “Educação com afetividade tem ótimos resultados. Procuro seguir nessa linha”, diz Guilherme.

 

Espelhado nos pais, Guilherme assume com alegria o papel de mestre e leva o fascínio pela matemática à sala de aula

Espelhado nos pais, Guilherme assume com alegria o papel de mestre e leva o fascínio pela matemática à sala de aula

Leandro Couri/EM/D.A Press


DESAFIO DE ENSINAR E
INSPIRAR AS PESSOAS


Também trabalhando em dois municípios, a professora de inglês e literatura Ana Clara Amaral de Freitas, de 24 anos, moradora de BH, dedica a maior parte do seu tempo aos alunos, cronometrando os minutos para estar na capital, onde leciona no Colégio Emília Ferreiro, no Bairro Heliópolis, na Região da Norte, e no município vizinho de Contagem, para ministrar aulas de língua inglesa.


Formada em letras na UFMG, Ana Clara ainda não havia decidido ser professora até começar a fazer estágio. “Sempre fui apaixonada por literatura, mas ao começar a dar aulas tomei gosto”, conta a jovem que fala também alemão e tem uma definição muito clara sobre a profissão que abraçou aos 19. “Ser professor é inspirar as pessoas. Fico feliz quando um aluno me agradece pelo que aprendeu. Já os que viajaram ao exterior contam que tiveram mais facilidade em restaurantes, passeios. Outros dizem que sua vida mudou. É muito legal ouvir essas palavras.”

 

 


A vida de professor não termina quando toca o sinal e os alunos vão para suas casas ao encontro das famílias. Para o docente, a jornada inclui também o preparo das aulas, a correção dos exercícios, a leitura constante. “Gosto de olhar o caderno de cada aluno, ver se estão copiando as matérias. Considero importante esse acompanhamento.”, observa a professora, que conhece bem seus limites. “Sei bem até onde vai minha função. A partir de determinado ponto, é com eles, pois precisam aprender, estudar.”


Se tem alunos mais velhos na escola de inglês em Contagem, Ana Clara leciona, no colégio, em BH, para adolescentes (de 14 a 18 anos). Nesse segundo momento, a comunicação se torna mais fácil e imediata, facilitada pelas redes sociais e outras ferramentas tecnológicas. Em resumo, mestre e turma falam a mesma língua – tanto na língua de Camões quanto na de Shakespeare.

 

Apesar das dificuldades da profissão e da vida, Gabriele Celestino está entre os que não desistem do sonho de ensinar: "Quero me formar e ser professora"

Apesar das dificuldades da profissão e da vida, Gabriele Celestino está entre os que não desistem do sonho de ensinar: "Quero me formar e ser professora"

gustavo werneck/em/D.APress

 

“Apagão docente” ameaça o país, dizem especialistas 

 

Ao longo de duas décadas, entre 2003 e 2022, o gráfico com o número de pessoas que concluíram os cursos presenciais de licenciatura na UFMG apresentou altos e baixos. De 856 (em 2003) subiu para 890 (2007), depois caiu para 562 (2012), com uma melhora em 2018, registrando 822 concluintes. Nos anos seguintes, se manteve num mesmo nível: 651 (2019), 654 (2020), 601 (2021) e 661 (2022). “Um dos nossos principais desafios está em fortalecer a formação de professores para a educação básica”, afirma o pró-reitor de Graduação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bruno Teixeira.


Entre as ações propostas pela instituição federal de ensino, que oferece 18 cursos de licenciatura (com mais de 5 mil estudantes, representando 15% das matrículas dos 94 de graduação), há, por exemplo, discussões sobre o processo seletivo para ingresso, abertura de novos cursos (matemática e ciências da natureza) no câmpus de Montes Claros, na Região Norte de Minas, e articulação, com outras instituições, de uma rede mineira de formação de professores para a educação básica.

 


Segundo Bruno Teixeira, “a condição de profunda dificuldade dos docentes” associada à questão salarial são fatores limitantes à busca pela licenciatura. “Em Minas, por exemplo, a maioria (80%) dos professores da rede estadual de ensino não é concursada.” Embora a educação a distância arrebanhe – e facilite a vida – de muita gente interessada em ser professor, o pró-reitor se preocupa com a precariedade de alguns desses cursos e com um fator decisivo: a distância física e necessária entre o docente e a sala de aula.

 


Também na PUC Minas, existe a preocupação com a baixa demanda, situação que se repete em quase todo o país. Para estimular e atrair interessados nos nove cursos de licenciatura oferecidos, a universidade adotou estratégicas como oferta de bolsas de estudo integrais. “Nossos cursos são de qualidade e muito bem avaliados pelo Ministério da Educação”, informa a coordenadora da Comissão Permanente de Cursos de Licenciatura da PUC Minas, professora Carla Ferretti Santiago.

 


Diante da falta de valorização dos docentes da educação básica, “que passa não só pela questão salarial, como por melhores condições de trabalho”, Carla Ferretti conta que, infelizmente, os jovens são desestimulados a ingressar na profissão tanto pela família quanto pelos próprios professores.

 


Conforme os gestores do setor, há o perigo real de um “apagão docente” já na próxima década, com falta de professores. “É preciso evitar o pior, haver uma recuperação, valorização do magistério”, alerta a coordenadora, lembrando que há previsão de déficit de mais 300 mil professores da educação básica no país.

 


ESPERANÇA

 

Mas nem tudo (ainda) está perdido, pelo menos enquanto houver esperança, sonho e vocação. É assim que pensa Gabriele Batista Celestino, de 26 anos, moradora da comunidade rural do Engenho, em Santa Luzia, na Grande BH. “Meu desejo é terminar a licenciatura em educação física. Quero me formar e ser professora”, conta a jovem que, devido à gravidez quando estava no quarto período do curso, trancou a matrícula para cuidar de Victória, agora com 2 anos.


Trabalhando como cuidadora, Gabriele, que é solteira e mora com os pais, espera Victória crescer mais um pouco para voltar aos estudos. “Estava no sistema semipresencial na Unopar, então, algumas vezes na semana, precisava ir à faculdade, no distrito de São Benedito. Aí, ficou difícil conciliar estudos, trabalho e maternidade”, conta a jovem. A experiência de estágio em escola deixou Gabriele bem satisfeita e decidida. “O professor é aquele que leva o conhecimento, ilumina os caminhos”, destaca.