Aeronave e equipes de resgate atuam no local do desastre, poucos metros antes de vencer a crista da encosta: além das condições testemunhadas por socorristas, que dão pistas sobre momento do acidente, investigação vai considerar dados técnicos -  (crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press)

Aeronave e equipes de resgate atuam no local do desastre, poucos metros antes de vencer a crista da encosta: além das condições testemunhadas por socorristas, que dão pistas sobre momento do acidente, investigação vai considerar dados técnicos

crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press

O helicóptero Arcanjo 04 do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG) tentou ganhar altitude em manobra a alta velocidade até o momento de sua colisão. É o que sugerem informações de socorristas que atuaram na área de destroços da Serra de Ouro Preto, nos dias 11 e 12 de outubro, e que estiveram tanto no desastre com o avião Air Tractor a serviço do ICMBio, que matou o piloto, quanto na queda da aeronave da corporação, que terminou com a morte de seis pessoas – depois de ser acionada para o primeiro acidente. As informações podem demonstrar que o piloto tentou usar tudo o que a máquina permitia para ganhar altitude.


Segundo informações desses socorristas, que concordaram contar o que viram, mas pediram que suas identidades fossem preservadas, os destroços da aeronave Airbus BK117 C-2 PR-UEA, do Batalhão de Operações Aéreas (BOA) do Corpo de Bombeiros. indicam que a colisão contra a face Sul da chamada Serra de Amolar se deu de barriga, a uma altitude de 1.509 metros, faltando 36 metros para a transposição da crista.


Os destroços se espalharam por uma área de aproximadamente 12.500 metros quadrados. As duas turbinas (motores), que são parte essencial das investigações para esclarecer os motivos da queda da aeronave, foram encontradas em uma das valas do terreno, uma fenda profunda e de acesso apenas por meio de técnicas de montanhismo.


A disposição dos corpos também é um elemento que pode ajudar a elucidar os motivos de um acidente, em busca de respostas que podem evitar futuras tragédias. Segundo relatos de socorristas, a posição do piloto que ficava do lado esquerdo da aeronave, o capitão Wilker Tadeu Alves, do CBMMG, em relação aos controles é indício de que tentava ganhar altitude até o último instante para vencer a serra.


Morreram também no desastre o copiloto, tenente Victor Stehling Schirmer; os tripulantes operacionais sargento Welerson Gonçalves Filgueiros e sargento Gabriel Ferreira Lima e Silva; o médico Rodrigo Trindade e o enfermeiro do Samu Bruno Sudário.


A disposição dos destroços e essas características da cena do desastre indicam um esforço até o limite para ganhar altitude. Contudo, vários outros fatores estão sendo investigados pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), da Força Aérea Brasileira (FAB). A previsão é de que haja um laudo preliminar sobre o desastre com o Arcanjo 04 em até 30 dias.


VOO POR INSTRUMENTOS

A equipe de reportagem do EM consultou dois pilotos experientes para falar sobre o modo de voo por instrumentos que permitiu ao comandante da aeronave fazer a decolagem mesmo com a visibilidade comprometida por uma densa cerração encobrindo a Serra de Ouro Preto. Para navegar sob as regras de voo por instrumentos noturno (IFR Noturno) com segurança e na ausência de referências visuais externas, utiliza-se equipamentos como o altímetro, o indicador de velocidade, o horizonte artificial e o sistema de navegação.


O piloto tinha mais de mil horas de voo IFR Noturno, que é uma experiência considerável, era habilitado para o procedimento e, como desempenhava ações de salvamento, tinha a permissão para decolar e seguir sob tais condições. Segundo o tenente Henrique Barcelos, porta-voz do CBMMG, existe uma mensagem não oficial de um dos tripulantes dizendo que havia condições de operação para decolar em direção a Belo Horizonte. “Temos uma última mensagem, que não foi por gravação e nem é oficial, de um dos tripulantes dizendo que teriam um teto, ou seja, uma condição de operação para decolar para Belo Horizonte”, disse, durante o velório das vítimas.


CONDIÇÕES PARA DECOLAR

Segundo o comandante Thales Pereira, presidente da Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero (Abraphe), há diretrizes para pilotos comerciais adotarem o IFR e IFR Noturno. “Uma aeronave voa sob IFR quando está seguindo trajetórias ou procedimentos predefinidos e certificados. Normalmente, irá ocorrer somente de um aeroporto equipado e certificado para esse tipo de operação. O piloto deve observar as condições de teto, visibilidade, vento e as condições meteorológicas previstas para a sua rota e destino”, afirma.


Sobre a possibilidade de se decolar de local sem infraestrutura para um voo por instrumentos, como aconteceu com o helicóptero do Corpo de Bombeiros, no caso da aviação comercial o início da operação tem de ocorrer sem o apoio de equipamentos. “Nesse caso, a decolagem será feita em condições visuais e após determinado ponto, previamente planejado, o comandante solicita ao órgão de controle a ascensão e mudança de regras para o voo por instrumentos”, descreve o comandante Thales. 

 

NO LIMITE DO RISCO
DURANTE MISSÕES

De acordo com o comandante coronel Carlos Júnior, que foi subcomandante da Operação Brumadinho pela Aviação do Estado e que tem mais de 28 anos de experiência em helicópteros da linha Airbus, as condições operadas por militares em situações de resgate e salvamento ultrapassam as condições normais, o que faz com que trabalhem no limiar do risco para o cumprimento da missão. “Nas missões chamadas de resgate, salvamento, policial e de guerra, não existe um 'vale-tudo'. Por isso, os pilotos têm a clareza profissional e a percepção do risco o tempo todo. Tudo está sob sua responsabilidade. São os comandantes”, salienta o coronel Carlos Júnior.


Há diferenças de missão de pilotos comerciais e dos militares. “Mesmo sem visibilidade e usando os instrumentos, os pilotos comerciais devem voar dentro do limite do risco operacional. Já os militares, quando a missão exige, podem ir até o limite do risco operacional, que é o limite da máquina, do clima, do relevo e do homem. Mas apenas para o cumprimento da missão. Missão cumprida? Só se deve voar dentro do limite do risco operacional”, salienta o ex-subcomandante da Aviação do Estado.


ABALO NA CORPORAÇÃO

Para além das investigações sobre causas e circunstâncias do desastre com o helicóptero Arcanjo 04 do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, a perda de vidas, além de ser irreparável, representa um grande impacto entre os militares. A reportagem entrou em contato em busca de informações sobre o acidente, mas a corporação evitou abordar o assunto, devido ao luto e ao emprego de todos os esforços ainda nas consequências e na apuração do desastre. “Todo o corpo técnico do Batalhão de Operações Aéreas (BOA) passa por um importante trabalho coordenado pelos psicólogos da corporação, o que esgota nossas possibilidades de fonte técnica”, informou o CBMMG.


Extraoficialmente, o Estado de Minas apurou que a esquadrilha do BOA do Corpo de Bombeiros, ao perder o Arcanjo 4 – um Airbus BK117 C-2 PR-UEA – deixou de ter uma aeronave bimotor, que é mais robusta. Agora são três helicópteros monomotores Esquilo – sendo dois AS350B2 e um AS350B3 –, um AW119Kx-Koala, além de dois aviões Grand Caravan e um air tractor (veja arte).


O EM apurou ainda que estão em montagem para o BOA dois helicópteros Airbus H145 similares ao modelo do acidentado. Uma terceira aeronave Airbus H145 deverá ser adquirida após o recebimento dos recursos do seguro do Arcanjo 04. Outros dois helicópteros monomotores AW119Kx-Koala também foram encomendados. Com isso, o total da esquadrilha chegará a 12 aeronaves.


De acordo com o Corpo de Bombeiros, o comandante-geral colocou os recursos da corporação à disposição para apoiar na coleta de destroços da aeronave, se acionado pelos órgãos de perícia, considerando a dificuldade de acesso ao local. A corporação também contribui com o envio de documentações e informações às autoridades que conduzem a investigação.


“Desde a sexta-feira (11) estamos em contato direto com familiares das vítimas, para prestar o devido apoio e orientação sobre os procedimentos administrativos necessários. A corporação vive o luto de perdas sem precedentes na história do CBMMG”, informou o Corpo de Bombeiros. n