Quase um terço das ocorrências de acidentes na MG-010 acontecem em um trecho relativamente curto: nos cerca de 18 quilômetros da rodovia em Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Segundo dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), de janeiro a agosto deste ano, ocorreram 233 acidentes no trecho – número que representa 29,4% dos 790 acidentes registrados ao longo dos 263 quilômetros de extensão total da MG-010. Em menos de uma semana, três pessoas morreram em graves ocorrências no trecho e outras duas ficaram feridas.
Os dados do Painel Acidentes de Trânsito, do Observatório de Segurança Pública de Minas Gerais, apontam ainda um aumento de 12% nas ocorrências no trecho de Vespasiano em comparação ao ano anterior, quando foram registrados 208 acidentes.
A rodovia passa por mais oito municípios – Belo Horizonte, Santa Luzia, Lagoa Santa, Cardeal Mota, Conceição do Mato Dentro, Serro, Serra Azul de Minas e Rio Vermelho –, de acordo com o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de Minas Gerais (DER-MG).
29,4%
dos acidentes registrados na MG-010ocorreram no município de Vespasiano
Na capital mineira, onde a via é o principal acesso ao Aeroporto Internacional de Confins e registra um tráfego significativamente maior, foram contabilizados 217 acidentes nos primeiros oito meses de 2024. Em contraste com Vespasiano, BH registrou uma queda de 7% nas ocorrências de acidentes em comparação com o ano passado.
O comportamento dos motoristas é um fator decisivo para a elevada taxa de acidentes. A falta de atenção, o excesso de velocidade e a condução sob efeito de álcool estão entre as principais causas dos acidentes registrados em Vespasiano neste ano. Até agosto, 15 desses acidentes foram considerados graves, e cinco pessoas morreram na estrada. Dos 233 acidentes no trecho, pelo menos 88 resultaram em pessoas feridas, um número quase 16% superior ao do ano passado.
Os números revelam mais do que estatísticas; eles contam histórias de vidas interrompidas. Como no domingo, 6 de outubro, quando um grave acidente resultou na morte de um homem de 50 anos. Ele perdeu o controle do veículo na altura do bairro Residencial Gran Park, em Vespasiano, no sentido Belo Horizonte, colidiu com um poste e, em seguida, capotou.
O veículo parou com as rodas para cima, e o motorista e uma passageira, de 41 anos, ficaram presos às ferragens. A mulher foi resgatada pelo Corpo de Bombeiros e levada inconsciente para o Hospital Risoleta Neves, na Região Norte de Belo Horizonte, mas não há informações atualizadas sobre seu estado de saúde.
Dois dias depois, na quarta-feira (9), uma mãe, 49, e o filho, 25, morreram ao invadir a contramão em uma moto e bater de frente com um carro. De acordo com relatos de testemunhas à Polícia Militar, a moto trafegava em alta velocidade no momento em que ocorreu a colisão.
O impacto foi tão forte que eles foram arremessados a vários metros do local do acidente. A morte dos dois foi constatada no local pelo Samu. O motorista do carro teve ferimentos leves e foi encaminhado para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Vespasiano. Esse comportamento arriscado evidencia como a combinação de imprudência e más condições da rodovia pode ser fatal.
Iluminação precária
Na avaliação do diretor científico da Associação Mineira de Medicina do Tráfego (Ammetra), Alysson Coimbra, a precariedade da iluminação na MG-010 contrasta com a boa condição do asfalto, o que pode induzir os motoristas a abusarem da velocidade.
Além disso, fatores como o tráfego pesado e o fluxo intenso de veículos, principalmente em direção ao Aeroporto Internacional de Confins, aumentam a pressão sobre os condutores e incentivam comportamentos imprudentes. Dos 239 quilômetros da rodovia sob responsabilidade do DER-MG, apenas 31 quilômetros –12,9% da extensão total – são duplicados. Alguns trechos da estrada, que começa em Belo Horizonte e termina em Rio Vermelho, na Região Central de Minas, nem sequer são asfaltados.
“Quando pensamos no trecho de Belo Horizonte à Vespasiano, que leva ao aeroporto de Confins, existem fatores psicológicos adicionais, como pressa, horário de voo, falta de planejamento de viagem, problemas operacionais com a fluidez do trânsito, quer seja congestionamento, tráfego excessivo de veículos de grande porte, o que já ocupa uma das faixas de rolamento, acidentes com dificuldade de remoção”, lista. O trecho da MG-010 em Belo Horizonte concentra 14 acidentes graves e duas mortes, no período de janeiro a agosto de 2024.
Procurado pela reportagem, o Departamento de Estradas enfatizou que, desde 2015, a prestação de serviços de iluminação pública passou a ser de competência das prefeituras, conforme determinação da Agência Nacional de Energia Elétrica. Ainda assim, segundo o órgão, foram investidos R$ 2,3 milhões em um projeto de modernização e restabelecimento da iluminação pública ao longo da MG-010, entre Vespasiano e o aeroporto de Confins.
O DER-MG é responsável por 239 quilômetros da rodovia. Os 24 quilômetros restantes são de responsabilidade dos municípios de Belo Horizonte, Lagoa Santa e Conceição do Mato Dentro. O órgão informou ainda que está finalizando o processo licitatório para um novo contrato de manutenção e conservação do trecho da MG-010 na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que abrange as cidades de Santa Luzia, Vespasiano e Lagoa Santa.
Falta fiscalização
O engenheiro civil e consultor em transporte e trânsito Silvestre de Andrade afirma que, principalmente em rodovias e estradas, toda ocorrência é precedida, de modo geral, por um comportamento inadequado ou infração de trânsito, como mostram os próprios dados da Sejusp. Porém, ele ainda acrescenta outro fator: a fiscalização deficiente.
Apesar de ser uma rodovia de grande fluxo, três dos cinco radares em Vespasiano estão com o certificado de aferição vencido, segundo levantamento divulgado em abril pelo Estado de Minas. De lá para cá, a situação segue a mesma. Isso significa que, na prática, os motoristas podem estar menos inclinados a respeitar os limites de velocidade, aponta o especialista.
Em outras cidades cortadas pela rodovia, como Belo Horizonte e Lagoa Santa, os radares foram recalibrados em 2024, mas Vespasiano ficou para trás. A renovação do certificado dos radares deve ser feita a cada 12 meses junto ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e é uma garantia de que os flagrantes de excesso de velocidade feitos pelo equipamento são precisos e confiáveis. Para Silvestre, isso pode ser decisivo. “Se os radares não estão funcionando, há menos incentivo para os motoristas obedecerem às regras. Isso aumenta o risco de acidentes em um local já problemático”, adverte Silvestre.
A necessidade de uma fiscalização mais rigorosa e contínua na rodovia também é apontada por Coimbra. Ele sugere, inclusive, o uso de radares móveis pela Polícia Militar Rodoviária para flagrar motoristas em alta velocidade. O Estado de Minas contatou a Polícia Militar Rodoviária (PMRv) para entender as causas dos acidentes neste trecho da MG-010, mas, até o fechamento desta edição, não recebeu retorno.
Prevenção
Outro ponto importante, segundo Coimbra, é a remoção rápida de veículos envolvidos em acidentes sem vítimas, como determina o Código de Trânsito Brasileiro. “Os veículos ficam parados por engavetamento, obstruindo a via”, aponta. Ele acredita que a falta de uma gestão centralizada no tráfego da rodovia, que cruza diferentes municípios, contribui para a demora na solução de problemas, e analisa que é preciso uma intervenção do órgão responsável.
“Essa rodovia é a porta de entrada de Belo Horizonte, do estado. A economia passa por ali. O que a gente percebe é uma precarização dos serviços de transporte por aplicativo, por táxi, falta de fiscalização de jornadas, pessoas que fazem ida e volta para ganhar tempo. Esses fatores comportamentais são muito importantes”, avalia.
Diante da crescente escalada de acidentes, Coimbra sugere que os motoristas adotem uma postura mais defensiva e planejem melhor o trajeto. “Se programar. Ao se deslocar, utilizar as informações de aplicativos de trânsito como Waze, respeitar os limites de velocidade e adotar a direção defensiva”, enfatiza. Se o motorista perceber que algum veículo está trafegando com comportamento inadequado, a dica é deixar a faixa da esquerda sempre livre, para que esses veículos possam seguir o seu caminho.
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O também especialista em trânsito, Silvestre de Andrade, concorda com o colega e ainda destaca a importância de evitar ultrapassagens arriscadas, como foi o caso da mãe e filho que morreram na última quarta ao invadir a contramão em uma moto.
Ele recomenda que o condutor não tente ultrapassar um veículo que esteja na mesma velocidade e deixe que veículos mais rápidos façam o cruzamento com segurança. “Dê um intervalo de dois a três segundos de distância do veículo da frente, assim, caso seja necessário tomar alguma atitude inesperada, o condutor terá tempo hábil”, aconselha.