Ruínas do Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, local mais devastado e onde ocorreram quatro mortes -  (crédito: Edésio Ferreira/EM/D.A Press)

Ruínas do Distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, local mais devastado e onde ocorreram quatro mortes

crédito: Edésio Ferreira/EM/D.A Press

Duas vítimas do rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, Região Central de Minas Gerais, entraram com um mandado de segurança para suspender a mesa de repactuação do acordo de reparação. O advogado das duas, Bernardo Campomizzi, diz que o objetivo da ação é suspender as negociações do acordo até que eles tenham acesso ao que está sendo discutido, além de poderem participar das discussões.


Thatiele Monic Estevão é presidente da Associação Quilombola Vila Santa Efigênia, em Mariana, e assistente social. Ela lidera a luta dos quilombolas por reparação após o rompimento da barragem. Mônica dos Santos, é ex-moradora de Bento Rodrigues e uma das líderes da Comissão de Atingidos pela Barragem de Fundão (CABF). 

 


Na semana passada, o procurador-geral de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), Jarbas Soares Júnior, informou que o acordo de R$ 100 bilhões deve priorizar as indenizações aos atingidos. A assinatura está prevista para 24 ou 29 de outubro de 2024. O rompimento da barragem, em 2015, matou 19 pessoas e deixou mais de 700 mil atingidos. 


Desrespeito às leis e à Constituição


Bernardo Campomizzi explica que a Constituição garante o acesso à informação de todo órgão público. “Temos a Lei de Acesso à Informação, que garante ao cidadão a informação sobre qualquer situação que esteja ocorrendo junto ao poder público. Temos também a Lei da Política Nacional dos Atingidos por Barragens (Lei 14.755/2023), que garante tanto o acesso à informação quanto a participação dos atingidos em casos de rompimento de barragem sobre os processos de reparação e a Lei de Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Lei 23.795/2021) de Minas Gerais, que garante a informação quanto a participação dos atingidos nos processos de reparação.”

 


O mandado foi impetrado contra o vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 6a Região (TRF-6) porque, segundo o advogado, o desembargador é quem conduz o processo de mediação do acordo. Ele alega que a Constituição e as outras três leis não estão sendo respeitadas ao não convocar ninguém da sociedade civil - entre elas, as suas clientes - para participar das negociações. 

 


“Ao menos ter acesso à informação. Não sabemos o que está sendo acordado. Qual o impacto da repactuação na vida dos atingidos? Ninguém sabe, só vamos saber depois que assinarem. Vão chegar com tudo pronto pra gente. Isso não concordamos. Elas querem participar, dar opinião, saber o que está acontecendo”, frisa. 


Campomizzi ressalta que o Ministério Público não consultou as famílias atingidas sobre qual a intenção delas. “O que eles esperam, quais os anseios dos atingidos, o que eles querem.” Ele diz que o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) entrou com pedido na justiça também, pleiteando a participação das vítimas no acordo.

 

“A Assembleia Legislativa de Minas através de alguns deputados fez audiências públicas. Teve também na Câmara e Senado Federal pedindo essa participação que não aconteceu. Foram vários pedidos da sociedade civil para participar desse processo, o que não foi feito”, reclama.


As negociações envolvem os governos de Minas Gerais, Espírito Santo, a União, o Ministério Público de Minas Gerais e Federal, além da Samarco, mineradora que operava a barragem rompida, a BHP Billiton e a Vale - controladoras da Samarco. 


Demora


O advogado das vítimas reclama da demora para que o mandado de segurança seja apreciado. Ele foi impetrado em 25 de setembro e até o momento não houve qualquer decisão. 

 


“Caiu na mão de um desembargador que demorou mais de 15 dias para se manifestar, dizer que a competência não era dele e passar para outra desembargadora. Ela ficou mais 15 dias com esse processo e deu um despacho dizendo que não é com ela e sim com o primeiro desembargador. É igual uma ‘batata quente’, está um jogando na mão do outro e ninguém decide.”


Campomizzi destaca que a lei que rege o mandado de segurança (Lei 12.016/09) determina o prazo de 10 dias para que haja uma resposta. 


Em nota, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) disse que o acordo “percorreu mais de três anos de reuniões e oitivas para chegar ao termo final.” Segundo o órgão, os grandes beneficiários são os atingidos, tendo em vista que foram as maiores vítimas. 


“O acordo exclui toda e qualquer ação judicial individual, mas em se tratando de ação coletiva, conforme a Constituição Federal, cabe ao MP atuar em nome da sociedade. O acordo está sendo concluído no que se refere às ações propostas pelas partes, Ministério Público e outros legitimados por lei e a CF. Conforme já mencionado, as demais ações individuais não são prejudicadas pelo acordo. Quanto ao mandado de segurança, caberá à Justiça se manifestar”, conclui. 

 

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Também em nota, o Ministério Público Federal (MPF) informou que "tanto os movimentos da sociedade civil quanto os próprios atingidos foram e continuam sendo ouvidos pelas instituições de justiça. É importante destacar que a condução da repactuação está a cargo do Judiciário, portanto, essa questão deve ser dirigida a eles".

 

O Estado de Minas procurou o Tribunal Regional Federal da 6a Região (TRF-6) e aguarda retorno.