Agente de Zoonoses fiscaliza quintal de casa em BH: combate contínuo aos focos do Aedes é essencial para a evitar epidemias das enfermidades provocadas pelo mosquito -  (crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press – 2/8/19)

Agente de Zoonoses fiscaliza quintal de casa em BH: combate contínuo aos focos do Aedes é essencial para a evitar epidemias das enfermidades provocadas pelo mosquito

crédito: Leandro Couri/EM/D.A Press – 2/8/19

Embora grande parte da população esteja ciente da necessidade de evitar água parada para conter a disseminação do Aedes aegypti — mosquito transmissor de doenças como dengue, chikungunya e zika —, a contenção de uma nova epidemia de arboviroses em 2025 esbarra na adesão da população às medidas preventivas. Uma pesquisa divulgada ontem (24/10) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) trouxe à tona fatores que dificultam a prevenção efetiva dessas doenças, como o fato de que muitos brasileiros enxergam ações, como a limpeza de caixas d’água, como tarefas complexas e demoradas. Essa percepção, somada ao fato de que quem nunca foi infectado muitas vezes subestima a gravidade da doença, contribui para a baixa adesão às práticas preventivas, revela o estudo. Em Belo Horizonte, a prefeitura alerta para a necessidade de vacinação de crianças e adolescentes de 6 a 14 anos.

 

A pesquisa examina aspectos psicológicos, sociológicos e estruturais que, combinados, influenciam as atitudes da população na prevenção ou não das arboviroses. Montes Claros, município no Norte de Minas, com 16.862 casos prováveis de dengue somente em 2024, serviu de campo para a pesquisa para entender as razões pelas quais, mesmo ciente das práticas preventivas, a população não adota essas medidas de forma consistente. A dois meses do fim do ano, os índices devem subir ainda mais em meados de novembro, quando se intensificam as chuvas, período mais favorável à proliferação do Aedes . Em 2024, Minas viveu o pior ano epidêmico de sua história para dengue e já ultrapassou 1,6 milhão de casos prováveis da doença.

 

Entrevistas realizadas com moradores de Montes Claros e de Sinop, no Norte do Mato Grosso — municípios com alta incidência de dengue este ano — revelaram que, apesar de as pessoas conhecerem o Aedes aegypti e as formas de combater as arboviroses, esse conhecimento raramente se traduz em atitudes práticas dentro dos lares. A falta de uma percepção imediata do risco entre aqueles que nunca contraíram uma das doenças também contribui para essa apatia diante da prevenção. O estudo indica que quem nunca foi infectado tende a subestimar a gravidade das doenças, percepção aprofundada pela crença de que as estatísticas oficiais exageram a real dimensão do problema. Em contrapartida, aqueles que já contraíram a doença têm uma percepção de risco mais elevada e adotam mais medidas de proteção.

 

 

A limpeza de caixas d’água, calhas e áreas de difícil acesso — locais propensos a se tornarem focos do mosquito transmissor de arboviroses — é frequentemente vista pela população como uma tarefa trabalhosa e demorada, para a qual falta tempo ou disponibilidade. Essa percepção é reforçada por dificuldades econômicas que limitam a compra de repelentes ou a contratação de serviços de limpeza em áreas vulneráveis. Nas comunidades mais pobres, a falta de recursos financeiros para essas medidas pode ser um fator decisivo no aumento dos criadouros do mosquito, destaca a pesquisa.

 

Outro aspecto apontado pelo estudo é que, embora seja amplamente difundido que o Aedes aegypti pode ser identificado pelas listras brancas nas patas, a maioria da população relatou dificuldade em reconhecê-lo no dia a dia. A participação em organizações de bairro mostrou-se um fator que eleva o engajamento nas práticas de combate ao Aedes , enquanto o foco individualista limita as ações preventivas. “Muitas vezes, as pessoas não conhecem o próprio vizinho. Elas não se veem parte de um grupo maior e não têm por que cuidar do bairro. É muito mais fácil culpar o outro: ‘Eu cuido da minha casa, mas o outro não faz a parte dele’. Ou seja, soluções comunitárias não fazem parte do meu universo”, observou Luciano Phebo, chefe de saúde do Unicef no Brasil, em coletiva de imprensa na manhã de ontem.

Terrenos baldios e a coleta irregular de lixo são um verdadeiro convite para a proliferação do Aedes aegypti. Esses espaços abandonados, muitas vezes cheios de entulho e restos de materiais, se transformam em criadouros perfeitos para o mosquito e ainda desmotivam a população a descartar seus resíduos de maneira correta, aponta o Unicef. Por outro lado, a presença dos agentes de endemias é um alívio para a população.

 

Especialistas ouvidos pelo Estado de Minas veem esse comportamento da população – revelado pela pesquisa – como um reflexo direto das falhas nas campanhas de conscientização, que tendem a desaparecer nos períodos de seca. “A gente só fala nisso naquele desespero, quando a UPA já está lotada e as pessoas começam a adoecer em massa. Precisamos de campanhas que mantenham a população alerta o ano todo”, ressalta o infectologista Leandro Curi. Para ele, o risco de uma nova epidemia está intimamente ligado à capacidade de controle do mosquito durante o período das chuvas, e apenas campanhas esporádicas não bastam para conter a proliferação do Aedes.


PODER PÚBLICO X COMUNIDADE


A sensação de abandono pelo poder público cresce à medida que a confiança nas autoridades se esvai. A falta de ações coordenadas e eficazes deixa um vazio, criando a impressão de que o combate ao mosquito Aedes aegypti é uma batalha perdida. A pesquisa do Unicef, além de mapear essa percepção, traz à tona uma tensão latente entre a responsabilidade individual e a estatal. Enquanto muitos acreditam que cabe ao governo implementar políticas eficazes, promover educação de qualidade e adotar medidas coercitivas, como multas para quem mantém focos de mosquito, uma grande parcela da população desconsidera o papel que cada um deve desempenhar.

 

 

Essa desresponsabilização pessoal, na leitura do chefe de saúde do Unicef no Brasil, alimenta uma cultura perigosa do “eu cuido da minha casa, mas o outro não faz a parte dele”. A consequência é um ciclo contínuo de proliferação do mosquito, que atinge níveis alarmantes a cada temporada de chuvas. A pesquisa do Unicef alerta também para os efeitos das mudanças climáticas, que podem agravar ainda mais o cenário de infecções por arboviroses. Chuvas mais intensas e o aumento da temperatura são fatores que favorecem a proliferação do mosquito, e especialistas apontam que é preciso aumentar a resiliência comunitária e dos serviços públicos para enfrentar essa nova realidade.

 

A pesquisa também ouviu gestores públicos de oito cidades brasileiras, que ecoaram o mesmo problema: a insuficiência de agentes de saúde e de endemias, as subnotificações de casos e os atrasos que dificultam o planejamento das ações de controle. O sistema de saúde, fragmentado, parece funcionar como peças soltas de um quebra-cabeça. Gestores também se queixam da ausência de repasses financeiros específicos para políticas preventivas e revelam que, muitas vezes, sequer sabem como acessar os fundos disponíveis.

 

O grande mérito da abordagem da pesquisa, segundo Phebo, é romper com a ideia simplista de que a adoção de comportamentos preventivos depende unicamente da escolha individual, motivada por conhecimento ou interesse. Em vez disso, a pesquisa convida a um olhar mais profundo, que leva em consideração fatores psicológicos, sociais e ambientais. “Não se trata apenas de saber o que é certo, mas de como as pessoas se relacionam com as práticas de prevenção em seu dia a dia, influenciadas por normas sociais enraizadas, pela infraestrutura ao seu redor e pelo acesso – ou falta dele – às políticas públicas”, aponta.

 

 

UPA lotada na capital mineira

UPA lotada na capital mineira durante período crítico da epidemia de dengue que atingiu mais de 1,6 milhão de pessoas no estado neste ano

Leandro Couri/EM/D.A Press – 20/2/24


CAMPANHAS MAIS FORTES


A publicação fornece ainda uma série de recomendações para enfrentar os obstáculos para colocar a prevenção em prática. Uma das sugestões é aumentar a percepção de risco da população, especialmente em relação às crianças. “As famílias tendem a estar mais atentas quando a criança pequena pode ser afetada. Nós precisamos garantir para a criança um ambiente livre de doenças e de condições que afetem sua saúde porque ela está em um momento de desenvolvimento físico, cognitivo e social. Uma doença incapacitante, como a dengue, por exemplo, pode fazer com que ela perca o ano escolar ou repita o ano, afetando sua frequência e rotina”, reforça o chefe de saúde do Unicef Brasil.

 

A pesquisa destaca também que a redução dos esforços e custos envolvidos na prevenção pode aumentar significativamente a adesão da população a essas práticas. “As barreiras de acesso mais mencionadas estavam associadas ao preço dos repelentes, à contratação de serviços de descarte de entulho, limpeza de locais de difícil acesso (como calhas) e à realização de obras na casa para evitar água parada”, aponta Phebo. O estudo elogia o “Dia D” de Montes Claros, que disponibiliza um caminhão para recolher gratuitamente móveis e entulho, como um exemplo eficaz de política preventiva. Outra ação sugerida é a distribuição gratuita de repelentes nos postos de saúde, facilitando o acesso da população a medidas de proteção.

 

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ALIMENTO PARA AS ARBOVIROSES

 

Fatores que ampliam o espaço para a proliferação do Aedes aegypti

 

• Falta de percepção imediata do risco entre aqueles que nunca contraíram dengue, zika ou chikungunya


• Crença infundada de que as estatísticas oficiais exageram a real dimensão do problema


• A limpeza de caixas d’água, calhas e áreas de difícil acesso é frequentemente vista pela população como uma tarefa trabalhosa e demorada, para a qual falta tempo ou disponibilidade


• Dificuldades econômicas que limitam a compra de repelentes ou a contratação de serviços de limpeza em áreas vulneráveis


• Dificuldade em reconhecer o Aedes aegypti, embora seja amplamente difundido que o mosquito pode ser identificado pelas listras brancas nas patas


• Foco individualista

 

Fonte: Unicef


Vacina disponível

 

A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) emitiu ontem um informativo para alertar as crianças e adolescentes de 6 e 14 anos que ainda não iniciaram o esquema vacinal contra a dengue ou estão com a segunda dose em atraso sobre a imunização. Esse público pode procurar um dos 153 centros de saúde da capital ou o Serviço de Atenção à Saúde do Viajante para receber a vacina, acompanhados de pais, mães ou responsáveis legais. Devem ser apresentados documento de identificação com foto, CPF, comprovante de endereço e cartão de vacinação. Segundo a PBH, até o momento, cerca de 64,6 mil pessoas tomaram a primeira dose da Qdenga, o que representa uma cobertura vacinal de 29% do público-alvo. Desse total, somente 21 mil buscaram as unidades novamente para concluir o esquema vacinal, correspondendo a um índice de 9,81% de vacinados com a segunda dose. Considerando somente o público de 6 e 7 anos, último grupo convocado, das cerca de 49 mil crianças, apenas 3,6 mil compareceram aos locais para receber a primeira dose. A saúde pública municipal confirmou 199.780 casos de dengue neste ano em BH, com 119 mortes.

 

“Muitas vezes, as pessoas não conhecem o próprio vizinho. Elas não se veem parte de um grupo maior e não têm por que cuidar do bairro”

 

Luciano Phebo, chefe de saúde do Unicef no Brasil