O julgamento busca definir se a multinacional BHP é culpada pelo rompimento da Barragem  do Fundão em 2015 -  (crédito: Mateus Parreiras / E.M / D.A Press)

O julgamento busca definir se a multinacional BHP é culpada pelo rompimento da Barragem do Fundão em 2015

crédito: Mateus Parreiras / E.M / D.A Press

Londres - Atingidos e representantes de municípios mineiros devastados pelo rompimento da Barragem do Fundão e que processam a mineradora BHP em Londres manifestaram nesta sexta-feira (25/10) o temor de que o acordo entre as mineradoras responsáveis pela tragédia, os estados de Minas Gerais, Espírito Santo e a União acabe ficando abaixo do necessário e sem espaço para qualquer negociação.

 

 

As declarações foram dadas após o término da primeira fase do julgamento inglês, que recomeça em 28 de novembro (veja o cronograma na arte abaixo).

 

O principal problema, segundo os representantes de municípios atingidos é que em nenhum momento se procurou saber qual o impacto sofrido em cada lugar, quais as áreas mais afetadas e as necessidades mais urgentes. Por outro lado, manifestaram que a ação movida na Inglaterra contra a BHP detalhou qual tipo de dano cada local sofreu e qual seria o recurso necessário para essas reparações e compensações.

 

 

"Com a ação inglesa, nós recebemos por várias vezes equipes lá dentro do município que atenderam de secretaria por secretaria. Buscaram informações para saber quais os danos causados pela lama e os danos contínuos, principalmente a saúde, a questão psicológica (dos atingidos), porque depois do rompimento da barragem, a gente teve aumento de pessoas com depressão, com ansiedade. Já a repactuação a gente não conhece os termos. A gente teme que esse dinheiro venha às vezes direcionado por alguma coisa que não vai agregar no município", afirma a procuradora do município de Barra Longa, Thais Ferreira.

 


Várias prefeituras enviaram advogados e emissários para Brasília para saber melhor quais são as condições da repactuação a ser assinada nesta sexta-feira (25/11). Uma delas foi Baixo Guandu, no Espírito Santo, que enviou um advogado ligado à prefeitura.

 


"Vamos avaliar se o acordo efetivamente é vantajoso para o município. É uma situação difícil, porque na ação da Inglaterra, por exemplo, os advogados foram até as prefeituras saber do prejuízo, saber da situação, como que ficou depois do rompimento. Esse acordo não foi desenhado assim. Ninguém buscou a informação para quantificar os danos. O que é que o município foi impactado. Em quanto ele foi impactado", afirma Rodrigo Rodrigues, procurador-geral do município de Baixo Guandu, no Espírito Santo.

 


De acordo com ele, como nenhum município mineiro ou capixaba se manifestou, dificilmente terá uma atenção à altura da necessidade. "Na repactuação o município não se manifestou. Até porque não foi chamado. E acertar isso depois se daria como? Como é que se espera que tenha uma abertura na repactuação para negociar os termos para as necessidades reais se o tempo todo não teve abertura?", indaga Rodrigues.

 

 

O procurador afirma que vai utilizar o tempo previsto para estudar os termos assinados na repactuação e tentar as melhores saídas para o município.

 

O vice-prefeito de Baixo Guandu, Patrick Favarato Perutti, tem mais esperança na ação de indenização na Inglaterra do que na repactuação. "Desde o início até a assinatura do acordo da união com os estados e as mineradoras, nós dos municípios atingidos ficamos no escuro. Acredito mais na ação da Inglaterra. É muito importante classificar o dano, com a quantidade de perdas que tivemos e poder investir onde precisa. Ainda mais porque cada município tem uma necessidade diferente, A gente não sentou na mesa pra poder discutir essa repactuação", afirma.

 

 

Entre os atingidos que foram a Londres para acompanhar a primeira semana do julgamento de indenização contra a BHP pelo rompimento da Barragem do Fundão, o sentimento também é de desconfiança pelo desconhecimento e falta de consideração.

 

O advogado Elias Souto que é um dos coordenadores brasileiros do processo inglês do escritório Pogust Goodhead afirma que a adesão dos clientes continua firme, apesar da repactuação. "Não acredito que a gente tenha um impacto tão substancial. Até porque boa parte dos clientes que a gente tem conversado e vivenciado a situação no Brasil diz que não pretende sair da ação na Inglaterra. Acredito mesmo que o acordo brasileiro não vai traduzir a justiça, porque ele não vai chegar efetivamente aos atingidos da forma como os atingidos buscam e com a rapidez necessária", afirma o advogado.

 

"No Brasil não temos Justiça. Temos a injustiça do Brasil. Essa repactuação vai acabar retirando os direitos que os atingidos tiveram de tentar conseguir na Inglaterra. Muitos de nós ficarão sem direitos, morrendo no território aguardando que se pague em nem se sabe quantas vezes. Nós já aguardamos 9 anos. Agora é a hora de ver a justiça do Reino Unido cumprir seu papel. Porque no Brasil quem está sentado no banco dos réus somos nós", afirma a atingida Simone Silva, de 47 anos, que é mãe de uma menina de 9 anos que tem problemas de saúde atribuídos aos rejeitos do rompimento que invadiram sua casa, em uma comunidade quilombola de Barra Longa.

 

 

A ruptura da Barragem de Fundão liberou um volume de rejeitos de mineração estimado em 45 milhões de metros cúbicos. A lama, carregada de resíduos de ferro, invadiu a bacia hidrográfica do Rio Doce, provocando um desastre ambiental de grandes proporções que afetou Minas Gerais e se estendeu até o oceano Atlântico, entre o Espírito Santo e o sul da Bahia.

 

A tragédia impactou 46 municípios, atingindo diretamente 700 mil pessoas. Dezenove vidas foram perdidas, com um corpo ainda desaparecido e uma gestante que sofreu a perda do bebê. A contaminação se estendeu por 675 quilômetros ao longo dos cursos d'água dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. As equipes de resgate recolheram 11 toneladas de peixes mortos, e a devastação alcançou 800 hectares de Mata Atlântica.

 

 

A quantia estimada para a reparação dos danos no processo inglês é de 44 bilhões de dólares, que correspondem a R$ 248 bilhões. O escritório internacional de advocacia Pogust Goodhead atua em nome de 620 mil vítimas, 46 prefeituras e 1.500 organizações, incluindo empresas, autarquias e entidades religiosas.

 

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A BHP afirma que a Fundação Renova já investiu mais de R$ 37 bilhões em diversas iniciativas, como auxílio financeiro para situações de emergência, compensações financeiras, restauração do meio ambiente e obras de infraestrutura, atendendo a aproximadamente 430 mil pessoas, entre elas, moradores, empresas e membros de comunidades indígenas e quilombolas.

 

 

JULGAMENTO EM LONDRES


Calendário de julgamento da BHP na Inglaterra

 

- 14 a 17 de outubro de 2024

Estudo dos autos pela juíza, sem audiência em corte

 

- 21 a 24 de outubro de 2024

O julgamento começará com as declarações iniciais da BHP e dos advogados dos atingidos

 

 

- 21 a 22 de outubro de 2024

Os advogados dos atingidos expõem o caso e cobram da BHP indenização pela tragédia

 

- 23 a 24 de outubro de 2024

É a vez de a BHP se defender das acusações

 

 

- 28 a 14 de novembro de 2024

Interrogatório pelos advogados dos atingidos e defensores da empresa à diretores da BHP, agentes de governança indicados para a Samarco entre outros

 

- Dia 18 de novembro de 2024

Oitiva dos especialistas em direito brasileiro. Serão três escolhidos pela BHP e três pelo Pogust Goodhead para nortear a corte sobre o direito brasileiro ambiental, civil e corporativo

 

 

- 13 a 16 de janeiro de 2025

Depoimento de especialistas de geotecnia (para falar das condições das barragens, métodos de segurança, prevenção, causas do rompimento entre outros). Possivelmente poderão ser ouvidos também especialistas em licenciamento.

 

- 5 de março de 2025

Fim do julgamento e a sentença de inocência ou culpa para a BHP. Serão cerca de três meses para a apresentação dos valores a serem indenizados em caso de condenação